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A família na internet: mediação parental e a importância do diálogo

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19 de agosto de 2019

O que vem à sua mente quando a palavra “família” vem acompanhada de “internet”? Independente das divergências políticas, mensagens de bom dia e fake news, é indiscutível que as relações familiares se tornaram diferentes neste contexto onde nos comunicamos e aprendemos ainda mais sobre o mundo por meio da internet. Por mais que nossos tios digam que nós “só queremos saber desse negócio de celular”, é importante também lembrar que o mundo online (ou virtual, termo muito usado e que eu, assim como o antropólogo Jair Ramos, não considero tão adequado) não é separado do offline. Esses dois mundos são reais, e a ascensão das tecnologias ampliou nossas possibilidades de relação com o mundo, as pessoas e, consequentemente, nossas próprias famílias.

A seguir, discutirei um pouco melhor sobre o papel que a internet vem assumindo nas nossas relações em família e os conflitos que surgem quando o assunto é a proteção de jovens e adolescente online.

“Pausa o jogo e vem almoçar!” “Mas é online, mãe!”

Na família acontece nosso primeiro contato com a vida em sociedade. Nesse meio crescemos, desenvolvemos nossas personalidades e também a forma como nos relacionamos com as outras pessoas. Pensando nisso, o que muda nesse lugar onde nos formamos como sujeitos sociais no contexto em que damos uma olhadinha nas notificações entre uma garfada e outra na hora do almoço?

Hoje é comum ver manchetes e ouvir comentários sobre como “os filhos não olham mais nos olhos dos pais” ou que “a internet é responsável por destruir muitos relacionamentos”. Mas sejamos sinceros: será que a culpa é mesmo da internet? E a TV, que está ligada durante o almoço desde o século passado?

É importante ter em mente que as tecnologias como a internet e a TV possuem um caráter social, uma vez que se misturam nas relações interpessoais que estabelecemos. Como afirma Josgrilberg:

“Algumas linhas do pensamento comunicacional, especialmente de Marshall McLuhan, sugerem um determinismo tecnológico ainda maior, de caráter um  tanto psicologizante, ou seja, alterando os modos de percepção humana.” 

As tecnologias – em especial as de informação e comunicação (TICs) – trazem novas dinâmicas que repercutem nas formas como vivemos em conjunto e, mais especificamente, em família. Fatores como a rapidez com que temos acesso à informação – nem sempre confiável, diga-se de passagem – e a necessidade do compartilhamento, incluem no ambiente familiar uma lógica de convivência que contrasta entre gerações de pais, filhos e até mesmo irmãos.

Por que só almoçar, se podemos almoçar enquanto ouvimos as notícias do dia na TV, ou enquanto as acompanhamos pelo Twitter? Esses hábitos trazem desafios para a convivência, e um dos principais deles é como manter relações que exigem tempo e atenção contínua em um contexto no qual o imediatismo e a execução de tarefas de forma fragmentada – o famigerado multitasking – reinam. 

Deixar sem celular, olhar o histórico ou só conversar?

Quando chegou em casa nosso primeiro computador, naquela época que a internet ainda era discada e fazia um barulho horrível para conectar, me lembro da minha mãe dizendo que cada irmão tinha direito a uma hora por dia no computador. Eu e meu irmão revezávamos nosso tempo e estava tudo certo. Hoje em dia, quando observo meus primos mais novos e tios, percebo que o tempo de uso não é a grande questão, mas sim “o que eles estão fazendo na internet que é tão interessante assim?

Independente da diferença de gerações e da forma como cada integrante da família lida com a situação, os pais – ou melhor, os responsáveis – se preocupam com a relação das crianças e jovens com a tecnologia. Essa preocupação, que não raramente gera conflito nas famílias, se relaciona muito não só com o conteúdo ao qual os filhos têm acesso, mas também ao quanto os próprios pais sabem sobre os riscos e possibilidades que a internet oferece. Com consciência disso, surge a necessidade de que a relação das crianças e jovens com a internet seja mediada.

A chamada mediação parental é a forma como os pais e responsáveis gerenciam a relação que os seus filhos estabelecem com o mundo através da tecnologia por meio de regras, restrições, orientações e supervisão. Como a mediação envolve muitas questões, acaba acontecendo de diferentes formas, como por exemplo:

  • a Mediação Ativa, por meio da qual os pais conversam, orientam e discutem com seus filhos sobre o que elas veem e fazem na internet;
  • a Mediação Restritiva, quando os pais criam regras para o uso da internet por seus filhos (como limite de tempo, o que pode ser acessado ou não) mas não têm um diálogo com eles;
  • e o Uso Acompanhado, que é quando os pais estão presentes observando enquanto os filhos realizam atividades na internet, mas também não dialogam com eles.

Pensar nessas formas de mediação, para além de uma questão de segurança, também é pensar nas possibilidades que os filhos têm na internet. Apesar de que restringir o acesso a certos conteúdos e acompanhar o acesso dos filhos seja um papel importante, os pais que orientam sobre quais os melhores comportamentos em relação ao uso da tecnologia incentivam que seus filhos a utilizem em todo o seu melhor potencial de informação, comunicação e entretenimento saudável. Assim, é ideal que as formas de mediação tenham um bom equilíbrio e venham, sempre, acompanhadas do diálogo.

Seus pais não te entendem, e você também não entende seus pais

Toda relação de interação social acontece através do diálogo, e o que vamos percebendo nos dias de hoje é que esses momentos se tornaram cada vez mais fragmentados. Seja por mensagens de WhatsApp avisando nossos pais que chegamos bem a algum lugar, seja pelos comentários de nossos pais em nossas fotos de perfil no Facebook, não podemos dizer que deixamos de nos comunicar com nossas famílias por causa da internet. A questão talvez esteja em acharmos que só isso é o suficiente e acabarmos não estabelecendo o vínculo contínuo e relevante que realmente nos afeta, próprio da relação familiar.

A pesquisa TIC KIDs online 2017 apresentou que 70% dos pais e responsáveis por crianças e adolescentes acreditavam que eles usavam a internet de forma segura, mas que, ao mesmo tempo 50% das crianças e jovens apontaram que seus responsáveis sabiam “mais ou menos” ou nada sobre o que faziam na internet. Com esses números, fica claro que, apesar de pensarmos nos pais das gerações mais recentes como aqueles que têm mais informação em relação aos das gerações mais antigas, os filhos estão (ou ao menos pensam que estão) um passo à frente.

Como viver em família, também na internet?

Se, por um lado, os pais querem mais “olho no olho” e segurança, por outro, os filhos também querem liberdade para poder aproveitar o potencial da internet – e por que não balancear? A família é lugar onde vivemos em conjunto, e conviver é sempre uma negociação: o que podemos ou não fazer, dizer e também acessar? Essas perguntas surgem e as respostas devem ser dadas em conjunto, para que uma relação de confiança se estabeleça através do diálogo – tanto on quanto offline. Que tal conversar com a sua família sobre usar a internet, para além das mensagens de bom dia?

Para encerrar, deixo aqui um guia para pais e responsáveis sobre a segurança de crianças e jovens na internet, e também uma postagem da Luíza, diretora do IRIS, sobre como anda a questão da segurança na internet.

As opiniões e perspectivas retratadas neste artigo pertencem a seu autor e não necessariamente refletem as políticas e posicionamentos oficiais do Instituto de Referência em Internet e Sociedade.

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Coordenador de comunicação do Instituto de Referência Internet e Sociedade. Graduado em Publicidade na UFMG, desenvolve atividades de design gráfico, audiovisual, ilustração e marketing. Designer e ilustrador freelancer, fez parte da equipe criadora da chatbot da campanha #MulheresNaGovernança e foi bolsista do programa Youth no Fórum da Internet no Brasil de 2018. Tem interesse nas áreas de inclusão digital, usabilidade em ambientes digitais e Design Transmídia. Também foi pesquisador do IRIS de 2019 a 2021 e autor dos livros “Glossário da Inclusão Digital” e “Inclusão digital como política pública”.

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