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Tecnologias e Mulheres disruptivas

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7 de março de 2018

Adianto que este texto não é uma publicação de louvor aos avanços das políticas de empoderamento feminino. Exemplificar a existência de liderança feminina no mercado tecnológico pela CEO da Yahoo, Marissa Mayer, e COO do Facebook, Sheryl Sandberg serem mulheres é cometer um erro metodológico, pois estas personalidades são casos de exceção, não a regra. Pretendo apontar um dos embargos para a efetivação da presença de mulheres na ecosfera tecnológica: a necessidade de romper com papeis sociais impostos e adentrar campo apoderado pelo masculino.

Duas Premissas fundamentais

  • Atribuição histórica-social do domínio da tecnologia ao gênero masculino

A partir das décadas de 1960/70, quando as mulheres começam a se organizar e reclamar por direitos publicamente, o estudo sobre a opressão vividas pelas mulheres passa a “trazer contribuições importantes ao entendimento da sociedade”, conforme relatado por Albertina Costa, em 1985, e a questão do gênero adentra a agenda de estudos acadêmico. Guacira Louro aponta que o conceito de gênero é então entendido como uma construção histórico-social que busca “acentuar o caráter social das distinções baseadas no sexo”. Assim, considerando que homens e mulheres recebem estímulos e passam por processos diferentes, e estes processos são essenciais à construção de suas identidades e interesses, voltemo-nos para a construção do gênero no campo das tecnologias.

Desde 1984, com o lançamento do primeiro Macintosh, os computadores começaram a aparecer nos lares e pesquisa feita na década de 90, por Jane Margolis, aponta que essas máquinas eram predominantemente nos quartos dos meninos. Os filmes da década de 80 que foram fundantes da cultura geek possuíam como enredo um garoto que utiliza da tecnologia para superar obstáculos e cativar a menina. Dentro da indústria dos jogos digitais também foi instituído, principalmente após a crise de 1983, os homens como público consumidor dos jogos mainstream, violentos e sexistas.

Assim, ao demonstrar com experiências dentro da própria tecnologia, artes e entretenimento, podemos afirmar que até em conteúdos infantis, os símbolos que compõem o imaginário masculino têm grandes referências e incentivos à dominação do gênero masculino às tecnologias.

  • Concordância do atual desequilíbrio entre os gêneros

Caso você não esteja certo de que desigual participação de homens e mulheres em instituições e empresas tecnológicas persiste, podemos desenhar.

  1. Sistemas da Informação: Desde 2001 o Stack Overflow circula um questionário para desenvolvedores de programas para estabelecer parâmetros de preferências e perfis dos profissionais. Abaixo gráficos da pesquisa de 2017, realizada em Janeiro com 64.000 desenvolvedores e que mostram resultados alarmantes de disparidade entre homens e mulheres.
    Pesquisa de 2017 da StackOverflow mostra resultados alarmantes de disparidade entre homens e mulheres.

    Pesquisa de 2017 da StackOverflow mostra resultados alarmantes de disparidade entre homens e mulheres.

  2. Startups: Segundo pesquisas encontradas nos bancos de dados da Techcrunch (Crunchbase), site referência em assuntos envolvendo startups, os investimentos de riscos são majoritariamente direcionados à Startups com fundadores homens.
    startups-mulheres

    Pesquisa realizada pela Techcrunch (Crunchbase)

  3. Pesquisa Científica: Segundo pesquisa feita pelo próprio CNPq, há discrepância entre a concessão de bolsas de Produtividade Científica entre mulheres e homens.
    Concessão de bolsas de Produtividade Científica

    Concessão de bolsas de Produtividade Científica

A dupla disruptura

A primeira disruptura a que se refere este texto se assemelha a noção de desconstrução social. Ou seja, para escolher cursar Engenharia de Telecomunicações, uma mulher precisa inicialmente desconstruir o estereótipo de que tal espaço é unicamente destinado à homens, ethos masculino.

Uma das dificuldades para tal desconstrução é que os atributos da mulher são considerados imutáveis, por estarem fundamentados na natureza. A reprodução, qualidade biologicamente imutável, é socialmente considerada qualidade prímária da mulher. Assim como um smartphone pode desempenhar inúmeras funções (tirar fotos, navegar na web, enviar mensagem), mas primariamente faz ligações, as mulheres foram por anos (e ainda são) consideradas primariamente reprodutoras. Desta forma, os preconceitos que foram construídos -a noção de mulher amorosa, sensível, doadora, frágil- tem por base a reprodutibilidade e sua imutabilidade. Assim, por lógica se considera que os atributos da mulher também são imutáveis.

Por estarem desempenhando papel social diferente daquele socialmente atribuído -protagonizando o cenário tecnológico- comumente as mulheres têm um caminho a mais para percorrer, pois há um sentimento comum dentro de empresas e institutos da capacidade das mulheres: a desconfiança. Denise Segura, professora da Universidade da Califórnia, publicou um artigo sociológico com o título “Você Precisa se Provar Mais”, se referindo às mulheres descendentes de mexicanos (“Chicanas”) que trabalham nos Estados Unidos em posições como de gerência e administração. Para estabelecerem-se profissionalmente, as Chicanas precisam demonstrar mais habilidades que homens norte-americanos.

Isso também acontece na ecosfera tecnológica quando programadorAs, engenheirAs, empreendedorAs são bombardeadas de perguntas técnicas. Como em uma sabatina, são realizadas diversos questionamentos que A profissional deve responder de maneira precisa e direta, caso contrário ao seu conhecimento ou interesse não é dada credibilidade. Esta prática machista vem recebendo o nome de pedágio nas redes sociais.

A outra disruptura a que nos referimos é relacionada à tecnologia. Inteligência artificial, Internet das Coisas, Cibersegurança, Realidade virtual, Blockchain, Drones. Estas e outras tecnologias estão revolucionando a maneira como o mundo é visto, aprendido, tocado, sentido. A CEO do Mastertech, Camila Achutti,  quando diz “programe ou seja programado” sintetiza bem a intrínseca mudança que as novas tecnologias trazem: ou, de forma ativa, você colabora com a criação de tecnologia, ou, de forma passiva, é impactado pela criação.

Para as mulheres, mesmo que sejam necessárias lutas e tempo para adaptação da sociedade, está a disrupção das estruturas machistas e a criação de tecnologia disruptivas.

O IRIS está participando da campanha #MulheresNaGovernança. Se você se interessou pelo tema, assista o vídeo de apresentação da campanha aqui.

As opiniões e perspectivas retratadas neste artigo pertencem a seus autores e não necessariamente refletem as políticas e posicionamentos oficiais do Instituto de Referência em Internet e Sociedade.

 

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Diretora do Instituto de Referência em Internet e Sociedade. Bacharela em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Representante do IRIS no Grupo de Trabalho sobre Acesso à Internet e na Força-Tarefa sobre eleições na Coalizão Direito nas Redes (CDR). Membro suplente no Comitê de Defesa dos Usuários dos Serviços de Telecomunicações (CDUST) da ANATEL. Co-autora dos livros “Inclusão digital como política pública: Brasil e América do Sul em perspectiva” (IRIS – 2020) e “Transparência na moderação de conteúdo: Tendências regulatórias nacionais” (IRIS – 2021).

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