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Sob a Perspectiva do Vale do Silício: por que a Educação Jurídica Precisa se Adaptar ao tecnológico Século XXI

Escrito por

31 de julho de 2017

Texto originalmente publicado aqui, em 10 de Julho de 2017, no blog do Le Lab Legalstart. Tradução autorizada e aprovada pelos administradores do blog e pelo autor.

Tradução publicada em 31 de Julho de 2017 – François Weidler-Bauchez

François se formou na Sciences Po de Paris e está, atualmente, cursando a Paris Bar School. Ele foi estagiário do CodeX (do Stanford Center for Legal Informatics) na primavera de 2016. O autor se apaixonou pelo espírito do Vale do Silício e pela energia incrível que se pode encontrar lá. Seguindo essa experiência no Stanford Center for Legal Informatics, ele compartilha suas ideias sobre o porquê de se adaptar a educação jurídica ao tecnológico século XXI.

A maioria dos sistemas de educação jurídica ao redor do globo ainda é conside ravelmente conservadora. Nesse contexto, escolas de elite, como a Sciences Po Paris, têm inovado ao empreender, por alguns anos, um projeto piloto: a Sciences Po Paris tem estabelecido as fundações da Faculdade de Direito da Sciences Po[1], com o objetivo de focar em metodologias pedagógicas mais interativas e modernas. No entanto, essa forma norte-americana de ensinar o Direito enfrenta, atualmente, diversos desafios e ainda precisa ser apropriada a exemplo de diversos centros inovadores de pesquisa em Direito no outro lado do Atlântico, especialmente a legaltech  de ponta desenvolvida no Vale do Silício. No CodeX[2], pesquisadores, advogados, empreendedores e especialistas em tecnologia trabalham lado a lado para avançar as fronteiras da tecnologia jurídica[3].

Durante minha estada no CodeX, tive a oportunidade de me envolver em vários projetos, incluindo o Smart Prosecution Project[4] no qual processamos e analisamos grandes quantidades de dados, por meio de técnicas de Machine Learning desenvolvidas pelo Stanford Artificial Intelligence Laboratory. Na Stanford Law School, cursei uma disciplina em Technological, Economic and Business Forces Transforming the Private Practice of Law (Forças Tecnológicas, Econômicas e Empresariais Transformando a Prática Advocatícia do Direito)[5]. Também compartilhei, em um dos Code X Weekly Meeting, minha experiência como estagiário do Legalstart.fr[6] ‒ o líder francês de serviços legais online para SMEs franceses. O que descobri dessas experiências é que precisamos impulsionar, em sala de aula, um modo de pensar mais colaborativo, com tino empresarial e baseado em dados empíricos.

Hoje em dia, o currículo das faculdades de Direito não reflete o fato de que as próximas duas décadas vão trazer mais mudanças para as instituições jurídicas e para os advogados do que o fizeram os dois últimos séculos[7]. O desencontro entre as grades curriculares dos cursos de Direito e as expectativas profissionais pode ser um grande problema nos próximos anos. Enquanto “a profissão jurídica requer cada vez mais gerentes de projetos e especialistas que possam trabalhar com tecnologia aplicada ao Direito” (HARTUNG, M.), ao mesmo tempo, a digitalização poderá em breve tornar supérflua quase metade dos advogados júniors[8].

Ainda assim, as perspectivas oferecidas por faculdades de Direito têm se espelhado, nos dois últimos anos, em experiências estadunidenses, onde estudantes de Direito em potencial sopesam os benefícios de uma carreira jurídica face a seus custos de formação. De acordo com um relatório do Clayton Christensen Institute for Disruptive Innovation[9], somente 60% dos graduados do ano de 2014 estavam regularmente empregados dez meses após a formatura, em posições que a carteira da respectiva ordem dos advogados era necessária. Além disso, as matrículas em Faculdades de Direito diminuíram 40% entre 2005 e 2015. Na Austrália, somente 74,1% de estudantes de Direito à procura de emprego regular conseguiram conquistar essas posições em 2015, em comparação a 2005, quando esse índice foi de 88,4%. Mais perto da França, o Exame de Qualificação de Solicitors está prestes a eliminar, até 2020, o requerimento de que seus candidatos tenham estudado em uma Faculdade de Direito no país, aumentando assim o acesso às profissões jurídicas[10].

Devido ao fato de que um acesso mais fácil às informações por meio da internet mudou radicalmente o paradigma da área, estudantes de Direito, por sua vez, precisam de uma forma mais adequada ao século XXI de lidar com a informação. Em quando um artigo da New Scientist nos anos 1990 demonstrava que somente astronautas da NASA precisavam saber mais informações por período de termo que os candidatos da fase final do Exame de Qualificação de Solicitors[11], o novo exame pode trazer também a oportunidade de se adaptar a educação jurídica à nova era tecnológica[12]. O mesmo vale para informações médicas, já que a digitalização permite que dados sejam universalmente acessíveis e inteligíveis, dispensando advogados e médicos da guarda monopolística de conhecimentos jurídicos e médicos. Em outras palavras, quando as informações lineares começarem a ser acessíveis por todos, seu valor será próximo de zero. Atualmente, o segredo não é apenas ser capaz de lidar com o objeto (no caso, as leis), mas também com os processos que têm impactos sobre esse objeto.

É por isso que a Faculdade de Direito de Stanford firmou parcerias com a Faculdade de Design de Stanford (formando o Legal Design Lab[13]), ou com o Departamento de Ciência da Computação (formando o já mencionado CodeX, ou o Stanford Center for Legal Informatics). A turma da disciplina de Informática Legal[14] da Faculdade de Direito de Stanford  se apóia no gerenciamento das informações como um todo, desde o design da base de dados, até o gerenciamento dos projetos.

Existem muitas conversas sobre a aprendizagem de programação para advogados, mas essa é apenas uma de várias outras habilidades técnicas. Já que preparar estudantes para serem desenvolvedores de primeira linha nada tem a ver com as faculdades de Direito, há muito o que aprender do campo de estudo da edtech. Na 42, uma escola livre de programação apoiada pelo empreendedor francês Xavier Niel, não há disciplinas, nem professores: é uma pedagogia de aprendizado peer-to-peer (colega-a-colega)[15]. É verdade que Direito pode até não ser código (em oposição à perspectiva de Lawrence Lessig sobre o tema[16]), mas o fluxo unidirecional de informações entregues em quase todas as disciplinas de Direito não está nem próximo de ser um processo de aprendizado inovador.

Presumindo que o lema de Marc Andreessen’s seja aplicável a qualquer campo do business[17] ‒ uma proporção considerável de negócios jurídicos será digitalizada em médio prazo; por hora, é preciso que faculdades de Direito introduzam tecnologia nas salas de aula, bem como colaborem com empresas de legaltech  e centros de pesquisa que as auxiliem com sua expertise.

Este artigo foi escrito por François Weidler-Bauchez, baseado nas pesquisas que conduziu como estagiário do CodeX Stanford e em colaboração com o Lab Legalstart, uma iniciativa que visa a promover legaltech  na França e explorar temas de Direito e Tecnologia.

Texto Traduzido por Lucas Anjos: Fundador e Vice-Presidente do Instituto de Referência em Internet e Sociedade, é Doutorando, Mestre e Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. É também Professor da Universidade Federal de Juiz de Fora. Especialista em Direito Internacional pelo CEDIN (Centro de Direito Internacional). Foi bolsista CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e estagiário docente dos cursos Relações Econômicas Internacionais, Ciências do Estado e Direito, da Universidade Federal de Minas Gerais. Advogado, é também membro da Associação Brasileira de Relações Internacionais (ABRI).

 

[1] Jamin, C. (2012), La cuisine du droit – L’Ecole de Droit de SciencesPo : une expérimentation française, L.G.D.J.

[2] CodeX / Overview, CodeX, accessible at https://law.stanford.edu/codex-the-stanford-center-for-legal-informatics/

[3] Legal technology as the use of software to facilitate the digitization and automation of legal work processes

[4] Shanahan, N. (2016), The CodeX Smart Prosecution Project, CodeX, accessible at https://law.stanford.edu/2016/02/11/the-codex-smart-prosecution-project/

[5] Yoon, J. (2016), Stanford Law School, accessible at https://law.stanford.edu/courses/technological-economic-and-business-forces-transforming-the-private-practice-of-law/

[6] Legalstart.fr, accessible at https://www.legalstart.fr/

[7] Susskind, R. (2017), Tomorrow’s Lawyers: An Introduction to Your Future – Second Edition, OUP Oxford

[8] Digitalization Could Soon Make Almost Half of Junior Lawyers Superfluous, ELTA, accessible at http://legal-tech-association.eu/report

[9] Pistone, M., & Horn, M. (2016), Disrupting Law School: How disruptive innovation will revolutionize the legal world, Clayton Christensen Institute, accessible at https://www.christenseninstitute.org/publications/disrupting-law-school/

[10] Reidy, T. (2017), What does the new solicitor super-exam mean for trainees?, accessible at The Guardian, https://www.theguardian.com/law/2017/may/02/what-does-the-new-solicitor-super-exam-mean-for-trainees

[11] Turner, S. (2016), We Must Redesign Legal Education for Better Tomorrow, LegalTrek, accessible at https://legaltrek.com/blog/2016/10/we-must-redesign-legal-education-for-better-tomorrow/

[12] Training for Tomorrow work streams, Solicitors Regulation Authority, accessible at https://www.sra.org.uk/sra/policy/training-for-tomorrow/work-streams.page#Collection_1

[13] The Legal Design Lab, accessible at http://www.legaltechdesign.com/

[14] Genesereth, M., & Vogl, R. (2017), Stanford Law School, accessible at https://law.stanford.edu/courses/legal-informatics/

[15] 42 US / Peer-To-Peer Learning, 42 US, accessible at https://www.42.us.org/our-philosophy/pedagogical-innovation/peer-to-peer-learning/

[16] Lessig, L. (2000), Code Is Law – On Liberty in Cyberspace, Harvard Magazine, accessible at http://harvardmagazine.com/2000/01/code-is-law-html

[17] Andreessen, M. (2011), Why Software Is Eating The World, The Wall Street Journal, accessible at https://www.wsj.com/articles/SB10001424053111903480904576512250915629460

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