Se correr o tigrinho pega, se apostar ele come: BETS, lucratividade periférica e influencers digitais
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Luiza Dutra (Ver todos os posts desta autoria)
21 de maio de 2025
Na semana de 13/05, a CPI das Bets virou show: influencers, selfies com políticos e o lucro acima de tudo em plena política-espetáculo.
A explosão das apostas online escancarou uma nova fase do capitalismo digital, onde jogos de azar se misturam com marketing de influência e promessas de mobilidade social. Na semana de 13 de maio de 2025, a CPI das BETs virou espetáculo: influenciadores digitais com visual de “gente como a gente” lotaram os noticiários e os corredores do Congresso – posando para selfies com políticos como se tudo fosse entretenimento. Enquanto isso, segue a pergunta incômoda: quem lucra com a ilusão vendida às periferias conectadas?
O que são as Bets?
As Bets, de forma bem resumida, referem-se às plataformas digitais de apostas esportivas e jogos de azar que vêm crescendo exponencialmente no Brasil; essas plataformas permitem que usuários apostem dinheiro em resultados de eventos esportivos – principalmente partidas de futebol –, mas também oferecem cassinos online, roletas, slots e jogos como o famoso “tigrinho” (Fortune Tiger), que funcionam com base em algoritmos de probabilidade e risco. A partir de 2023, o governo federal iniciou um processo de regulamentação do setor por meio da Medida Provisória nº 1.182/2023 e, posteriormente, da Lei nº 14.790/2023, visando estabelecer regras fiscais, proteger consumidores e conter atividades ilícitas associadas às apostas, como lavagem de dinheiro e evasão fiscal. É importante destacar que, antes de 2023, o setor de apostas começou a operar com base na Lei 13.756/2018, que autorizou os jogos, mas permaneceu por cinco anos sem regulamentação específica, o que contribuiu para a formação de um cenário desorganizado e propício a irregularidades.
O crescimento desse mercado tem sido impulsionado por campanhas publicitárias milionárias, com presença massiva em camisas de clubes de futebol, patrocínio de eventos esportivos e, sobretudo, pelo engajamento de influenciadores digitais. Muitos desses influenciadores promovem as plataformas como caminhos fáceis para enriquecer, sem alertar sobre os riscos de endividamento, vício em jogo ou perda patrimonial. Essa publicidade agressiva tem atingido especialmente públicos jovens e periféricos, tornando as Bets um fenômeno de massa, mas também uma preocupação de saúde pública e justiça social. Te explico a seguir.
A lucratividade periférica
Diversos estudos e reportagens apontam que o modelo de negócios das Bets no Brasil se baseia na exploração de públicos vulnerabilizados, especialmente jovens e pessoas das periferias urbanas. Uma pesquisa demonstrou que 63% dos apostadores comprometem parte da renda para jogar, com dados do Banco Central indicando que beneficiários do Bolsa Família destinaram cerca de R$ 3 bilhões para apostas online em agosto de 2024. Além disso, uma pesquisa do Instituto Locomotiva (2024) mostrou que 86% das pessoas que apostam têm dívida e que 64% estão negativados na Serasa. Esses dados evidenciam que, ao invés de gerar inclusão financeira, as BETs aprofundam desigualdades ao vender uma promessa ilusória de mobilidade social através da sorte.
Esse sistema é reforçado por influenciadores digitais que lucram diretamente com a perda dos seus seguidores, por meio de esquemas de comissionamento vinculados às plataformas de apostas. Ou seja, quanto mais os usuários perdem dinheiro, maior o ganho dos divulgadores — o que cria um conflito ético grave e uma lógica perversa de monetização da miséria. Influencers com milhões de seguidores promovem os jogos como formas de “ganhar dinheiro fácil”, muitas vezes omitindo que são pagos por clique, cadastro ou porcentagem das perdas dos usuários indicados. Reportagens da Intercept Brasil revelaram contratos entre influenciadores e casas de apostas que chegam a R$ 50 mil por mês, fora bônus variáveis conforme o prejuízo dos apostadores que chegam por seus links de afiliado.
Resumidamente, como funciona o ciclo das BetS?
- Plataformas lançam jogos e sistemas de apostas online: As casas de apostas criam aplicativos e sites com visual chamativo, promessas de bônus e mecanismos pensados para induzir o vício. Jogos como o “tigrinho” (Fortune Tiger) usam sons, animações e resultados rápidos para prender o usuário. Esses sistemas funcionam com algoritmos que favorecem a casa, ou seja, o lucro das plataformas é garantido — a perda do apostador é estrutural, não acidental.
- Influenciadores digitais divulgam os jogos: Influencers, muitos com milhões de seguidores, divulgam as Bets como se fossem oportunidades fáceis de “mudar de vida”. Usam uma estética próxima das periferias e da juventude para parecerem acessíveis, mas estão inseridos em contratos que os recompensam não pelo sucesso dos seguidores, e sim pelas suas perdas. Quanto mais as pessoas perdem, mais o influenciador ganha — criando um sistema perverso de monetização da miséria.
- Público vulnerabilizado é cooptado: As promessas de lucro rápido atingem principalmente jovens e pessoas em situação de vulnerabilidade. Dados de 2024 mostram que R$ 3 bilhões do Bolsa Família foram parar em casas de apostas, revelando que recursos destinados à sobrevivência — alimentação, aluguel, saúde — estão sendo sugados para sustentar um mercado bilionário. Além disso, 30% dos jovens entre 16 e 24 anos já apostaram online em 2025, muitas vezes sem real consciência dos riscos financeiros e emocionais envolvidos.
- Influenciadores e plataformas lucram com a perda: A lógica é direta, o fracasso do apostador vira lucro para o sistema. Plataformas aumentam sua base de usuários e arrecadação, enquanto influenciadores recebem comissões baseadas em perdas. Estima-se que 23 milhões de pessoas apostaram online apenas em 2024, gerando um ciclo constante de endividamento para uns e enriquecimento para poucos. O sofrimento vira conteúdo, e a crise, oportunidade de negócio.
Ou seja, as apostas online deixaram de ser apenas uma “diversão” para se tornarem um problema de saúde pública. Segundo análise da Folha de S.Paulo com base em dados do SUS, o número de atendimentos ambulatoriais relacionados à dependência em jogos de aposta aumentou sete vezes entre 2020 e 2024. A explosão no uso das plataformas, somada à ausência de campanhas de conscientização e políticas públicas eficazes, acentua o quadro de vício e sofrimento psíquico, especialmente entre jovens e pessoas em situação de vulnerabilidade.
Por trás da promessa de lucro fácil está uma rede de contratos milionários entre casas de apostas, influenciadores e artistas. Essas figuras, com alcance massivo, vendem uma estética de sucesso baseada no consumo e na ideia de que apostar é “fácil e divertido”. Mas o que está em jogo é um modelo de monetização da miséria: quanto mais pessoas perdem, mais os influenciadores lucram. O estímulo inicial geralmente vem em forma de crédito gratuito, o famoso “bônus de boas-vindas”, vinculado a links promocionais monitorados pelas plataformas. O cadastro, que parece inofensivo, é o primeiro passo para um ciclo potencial de vício e endividamento.
A regulamentação das apostas online pelo governo federal pode ter trazido formalidade ao setor, mas não resolveu a crise ética, social e econômica que ele representa. O lucro bilionário das Bets não se reverte em proteção social — e a legalização não significa ações mais justas. A chamada “valsa dos jogos lucrativos” continua girando em torno das perdas dos apostadores, que financiam o sistema com suas frustrações, esperanças e vulnerabilidades.
O que a CPI nos mostra?
A CPI das Bets, instalada no Senado em novembro de 2024, escancara que as apostas online não são apenas uma “moda digital”, mas um negócio bilionário que opera sem transparência, fiscalização efetiva ou responsabilidade social. Ao convocar influenciadores e representantes de plataformas, a comissão tem revelado contratos publicitários milionários, ausência de critérios éticos na promoção dos jogos e uma cadeia de lucros diretamente ligada ao endividamento popular. A própria existência da CPI confirma que o problema ultrapassou o campo individual — trata-se de uma questão pública, com impactos reais sobre famílias brasileiras, especialmente as mais pobres.
Mais do que apurar crimes, a CPI também levanta um debate essencial: quem deve ser responsabilizado pela financeirização da miséria? Influenciadores que lucram com a perda alheia? Plataformas que se instalam em paraísos fiscais? Governos que permitem a exploração de públicos vulneráveis sem regulação adequada? O trabalho da CPI ainda é limitado, mas já evidencia que o ciclo das BETs não é casual — trata-se de um esquema altamente lucrativo com uma capa de passatempo.
Tá na hora de entender que…
…as Bets representam uma das faces mais cruéis do capitalismo digital: a transformação da miséria em commodity. Ao explorar o desespero econômico e a esperança legítima de milhares de brasileiros por uma vida melhor, o sistema das apostas online monetiza a pobreza, o desemprego e a falta de perspectivas. Não se trata de azar ou decisão individual, mas de um projeto estruturado para lucrar com a angústia alheia. Enquanto milhões perdem o que têm — inclusive o dinheiro da comida dos filhos —, uma elite de influenciadores e investidores engorda contas bancárias. É a financeirização da esperança, onde a roleta gira, mas só o topo ganha. E ganha com a fome, a dívida e o silêncio.
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Luiza Dutra (Ver todos os posts desta autoria)
Luiza Correa de Magalhães Dutra, doutoranda e mestra em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade do Rio Grande do Sul. Especialista em Segurança Pública, Cidadania e Diversidade pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Bacharela em Ciências Sociais pela UFRGS, com período sanduíche realizado no Science-Po Rennes, França, e Bacharela em Direito pela PUCRS. Pesquisadora.