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Responsabilidade civil dos provedores

Escrito por

2 de junho de 2016

Bruno Tavares e Francisco Rogério

O provedor é a pessoa natural ou jurídica responsável por oferecer serviços referentes à internet e seu funcionamento. A Lei nº 12.965/14, (Marco Civil da Internet) distingue os provedores em provedores de conexão e provedores de aplicação. Contudo, a doutrina utiliza distinções mais rigorosas, importantes por caracterizar com mais precisão a responsabilidade civil, a extensão do dano, assim como sua relação entre a vítima e os provedores envolvidos.

Provedores de internet

O provedor é a pessoa natural ou jurídica responsável por oferecer serviços referentes à Internet e seu funcionamento. Existem vários tipos de provedores, mas podem ser classificados sumariamente em dois: serviços a internet; e acesso a internet.  

Provedores de serviço

Permitem acesso a programas, aplicativos e arquivos como e-mail, hospedagem, bate papo, música e etc. São esses provedores que disponibilizam o conteúdo da internet.

Provedores de acesso de internet

São responsáveis pelo acesso a navegação da internet, zelando por seu funcionamento técnico, compondo o “esqueleto” ou “parte não visível da internet”. Como sua função se restringe a conexão e transmissão de informações, acabam agindo comumente como intermediários entre o cliente/usuário e a operadora contratada de serviços.

O avanço tecnológico, juntamente com a internet, facilita cada vez mais a propagação de informação. No entanto, é igualmente fácil a cópia e distribuição de materiais protegidos por direitos autorais. Além disso, no meio digital, crimes e condutas como calúnia, difamação, injúria, discurso de ódio, terrorismo, pornografia infantil, prostituição, tráfico de pessoas, invasão de privacidade, dentre outros, ganham um novo campo de atuação, levantando-se questões sobre qual a verdadeira extensão de responsabilidade dos provedores sobre essas condutas ou conteúdos.

Responsabilidade por omissão

Todos os provedores a seguir apresentados, com a exceção do provedor de backbone, podem responder por omissão. A omissão é caracterizada quando o provedor, após ser notificado de que um usuário está utilizando seus serviços para praticar atos ilícitos, nada fez para remover seu conteúdo ou impedi-lo.

Essa notificação pode variar conforme o caso e o tipo de provedor envolvido, desde denúncias feitas pelos próprios usuários, que serão analisados pelos moderadores do próprio provedor, até mandados emitidos por juízes. Esse último é comumente encontrado em situações onde não há duvidas quanto à atividade criminosa perpetrada pelo usuário.

A exceção do provedor backbone se dá em razão da natureza de sua função, que tem acesso apenas à informação sobre quais servidores estão utilizando seus serviços no momento, e não dos usuários específicos. Assim, uma medida contrária ao provedor de backbone afetaria vários consumidores que não cometeram qualquer ato ilícito.

Provedores e seus inúmeros web sites são responsáveis pela transmissão diária de notícias e informações. Assim como a televisão (e outros meios de comunicação, como o rádio e o jornal), a internet pode ser definida, de acordo com a jurisprudência, como um meio de informação e divulgação, devido a seu grande poder de difusão e propagação, estando sujeita à Lei 5.250/67 (Lei de Imprensa). Em seu artigo 12, ela especifica que meios de comunicação que abusem do exercício da liberdade de manifestação do pensamento e informação serão responsáveis pelos prejuízos que causarem.

Por essa razão, é muito importante haver um conceito exato sobre provedores, assim como regras claras quanto sua responsabilidade. Do contrário, teríamos um antigo problema, como antes da vigência do Marco Civil, segundo o qual provedores removiam mais conteúdo que o necessário, na tentativa de não serem responsabilizados conjuntamente pelo conteúdo de usuários que utilizavam seus serviços. Isso cerceia a liberdade de expressão, princípio protegido tanto pelo Marco Civil, quanto pela Constituição Federal.

Tipos de provedor

Provedor de backbone

O provedor de backbone, também conhecido como “tronco” ou “espinha dorsal” da internet, é o responsável pela transmissão massiva de dados entre inúmeros pontos de conectividade. Esse provedor concede a infraestrutura para que provedores de acesso conectem usuários particulares de internet.

Como sua função se retém a simples transmissor de informação, não é possível exercer qualquer atividade de edição de conteúdo, nem monitorar as informações que trafegam por seus equipamentos, apenas sendo capaz de informar quais provedores utilizaram suas estruturas em dados períodos.  

Entendendo a função do provedor de backbone, é automático o entendimento de que ele não pode ser responsabilizado pelo conteúdo transmitido por usuários ou empresas que utilizam seus serviços, uma vez que assim como um serviço de telefonia, sua função resguarda-se a criar o ambiente propício que permitirá a devida transmissão de informações entre pontos de conexão.

Em razão do grande volume de conteúdo, torna-se difícil uma devida fiscalização desses dados. Contudo, em casos de falha de prestação de serviço causado pelo provedor de backbone aos provedores de serviço sofridos pelo usuário final, responderá pelos danos causados com base no art. 931 do Código Civil, uma vez que a relação entre provedores de backbone e provedores de serviço não caracteriza relação consumerista, em razão do usuário não possuir vínculo direto de contrato com o provedor de backbone.

Provedor de acesso/conexão

O provedor de acesso é a pessoa jurídica capaz de oferecer acesso de conexão a seus usuários. O provedor de acesso, ao se conectar com um provedor de backbone por meio de uma linha, revende essa conectividade a outros provedores menores, instituições e usuários, agindo como uma espécie de “varejista” de conexão a internet.

O provedor de acesso pode ser tanto comercial, quanto gratuito, tendo o usuário como destinatário final do serviço, sujeitando-se, consequentemente, ao Código de Defesa do Consumidor. Nota-se ainda que contratos estabelecidos entre usuário e provedor são geralmente de adesão. Não é incomum que provedores de acesso, além de oferecerem conexão, também ofereçam a seus usuários serviços como e-mail, bate papo, notícias e etc.  

É função do provedor de acesso garantir conexão estável, segura e contínua ao cliente. Assim, lhe caberá responsabilidade quando houver falhas de conexão, queda de velocidade de transmissão de dados, interrupção de conexão e impossibilidade de conexão momentânea ou permanente de determinados websites, ou de serviços a acesso livre de internet.

Sua responsabilidade é objetiva, ou seja, independe de dolo de culpa, conforme o art. 14 e 20 do Código de Defesa do Consumidor, ainda que eventual problema de conexão sofrido pelo cliente tenha origem no provedor de backbone utilizado pelo provedor de acesso, conforme art. 25 § 2º do CDC. Nessa situação, caso a empresa sinta-se prejudicada, cabe a ela entrar com direito de regresso contra o provedor de backbone a qual aluga conexão.

Provedor de correio eletrônico

O provedor de correio eletrônico permite ao usuário, por meio de um sistema informático e uma senha de acesso, o envio, armazenamento e recibo de mensagens eletrônicas. O provedor é capaz de definir o limite de espaço que o usuário terá para o armazenamento destas mensagens, assim como oferecer sistemas de segurança antivírus, filtros, bloqueadores de mensagens e cópias de segurança automáticas.

O serviço pode ser tanto oneroso quanto gratuito. Os contratos estabelecidos são comumente de adesão, tendo como destinatário final do serviço o usuário, portanto esses provedores também estão sujeitos ao Código de Defesa do Consumidor.

O provedor de correio eletrônico, assim como o serviço de correspondência, tem o dever de assegurar sigilo das mensagens, permitindo somente ao destinatário o acesso às mensagens, por meio de senha e conta exclusivas. Também é igualmente responsável pela impressão, gravação para utilização posterior, reenvio e privacidade. A correspondência eletrônica tem tratamento similar ao de correspondência convencional, sendo também resguardado pelo art. 5º, inciso XIII da Constituição Federal quanto a seu sigilo.

Como o provedor de correio eletrônico possui dados cadastrais do usuário para que usufrua de seus serviços, deve o provedor responder por quaisquer danos causados em casos de divulgação dos dados do usuário/consumidor sem sua autorização, desde que as alegações sejam devidamente provadas.

Por fim, como o provedor de correio eletrônico não possui poderes de edição quanto ao conteúdo das mensagens eletrônicas, acaba por não responder pela responsabilidade do conteúdo das mensagens. Igualmente, em casos de spam, ocasião onde o usuário acaba por receber uma quantidade excessiva de mensagens de  propaganda, lhe causando transtorno ou frustrações, os danos deverão ser compensados pela empresa ou pessoa que enviou as mensagens.

Provedor de hospedagem

O provedor de hospedagem oferece o armazenamento de arquivos em determinado servidor (cessando espaço de um determinado disco rígido em acesso remoto), assim como a possibilidade de acesso a esses arquivos, conforme condições previamente acordadas pelo provedor de conteúdo, que é capaz de definir quais pessoas ou não poderão ter acesso aos arquivos.

Esses provedores também podem oferecer outros serviços, como registro de domínio, cópias periódicas de seguranças do web site armazenado, locação de equipamentos e servidores, sistemas de segurança, entre outros.  

Basicamente, o provedor de hospedagem é capaz de oferecer ao usuário um espaço para divulgação de informações e conteúdo, podendo ser em duas modalidades: de armazenamento e possibilidade de acesso. Portanto, é de sua responsabilidade a manutenção do serviço, seja ele gratuito ou pago, assim como o devido funcionamento e conexão do web site do usuário e o público.

O provedor de conteúdo é o usuário final, cabendo o provedor de hospedagem responder por eventuais danos causados pelas falhas de conexão e acesso. Como o provedor de hospedagem é um fornecedor de serviços, sujeita-se ao Código de Defesa do Consumidor com usuários que o contratam. Contudo, não possui responsabilidade pelo conteúdo das informações, exceto em casos de omissão, conforme mencionado anteriormente.

Provedor de conteúdo

O provedor de conteúdo, tanto na doutrina jurídica, quanto na literatura cibernética, é comumente usado como sinônimo de provedor de informação. Embora intimamente ligados, é importante distingui-los, pois dependendo do caso, o provedor de conteúdo pode ou não ser o provedor de informação/autor das informações que disponibiliza.

O provedor de conteúdo é o responsável por disponibilizar informações criadas pelos provedores de informação, como sites de blogs. O provedor de informação, por sua vez, é o autor propriamente dito do conteúdo, que será disponibilizado por um provedor de conteúdo.  

Em sua maioria, provedores de conteúdo possuem poderes de criação e edição sobre informações que pretendem divulgar, decidindo sobre o conteúdo que será apresentado antes de permitir seu acesso aos usuários.

Eles também decidem quem terá a permissão para acessar essas informações, podendo disponibilizar para todas as pessoas por meio de um serviço gratuito, ou a título oneroso, onde apenas pessoas devidamente cadastradas, mediante pagamento único, período ou mensal, podem ter acesso ao conteúdo.  

O mero acesso ao web site ou à página da internet não é o suficiente para caracterizar relação de consumo, não podendo qualificar o provedor de conteúdo como fornecedor e o usuário que acessou a página como consumidor, que é livre para buscar a informação que lhe for conveniente em inúmeros provedores de conteúdo. Porém, quando essas informações são cobradas a título oneroso, condicionando o seu acesso mediante pagamento prévio ao usuário, fica então estabelecida uma relação consumerista.

Por vezes, ambas as situações podem ocorrer, em determinados web sites de provedores de conteúdo nos quais parte das informações possuem acesso irrestrito e gratuito, enquanto que páginas específicas somente mediante pagamento. Nessas ocasiões, o acesso a informações gratuitas do web site não caracteriza relação de consumo, enquanto que o conteúdo com acesso mediante a título oneroso estabelece a relação de consumo.

Os provedores de conteúdo e informação respondem diferentemente, dependendo da existência ou não de controle editorial prévio no conteúdo fornecido. Caso exista controle editorial prévio, o provedor tem responsabilidade pelo conteúdo da mensagem divulgada assim que ela for disponibilizada para acesso. A existência de “moderadores” não é suficiente para responsabilizar o provedor, uma vez que eles fazem um controle posterior, e não prévio, do conteúdo.  

Na ocasião de não existir controle prévio de edição, como na rede social do Facebook, e o provedor, ainda que notificado pela vítima, não retirar o conteúdo de circulação, poderá o mesmo responder por omissão, depois de judicialmente analisado o caso.

Em caso de provedores de conteúdo que são responsáveis por disponibilizar anúncios de vendas de produtos em seu web site (conhecidos como páginas de “leilão virtual/eletrônico”, porém seriam mais autenticamente chamá-los de “e-market, em razão de não exercerem atividade de leilão, mas sim como classificados de compra e venda de produtos), o provedor terá responsabilidade quanto ao dano causado a terceiros.

Como o provedor de conteúdo serviu de mediador entre a empresa e o usuário, além de auferir parte do lucro, seja com a cobrança de anúncios, comissão, propagandas ou outros serviços pagos que ajudem na mediação entre o cliente e a empresa, o provedor com base no art. 942 do Código Civil, assumirá os riscos do negócio. Assim, assume responsabilidade juntamente com a empresa, em razão de ter oferecido ao cliente uma propaganda enganosa ou empresa não confiável em sua vitrine virtual.

Por fim, em situações nas quais o provedor obtiver lucro em razão de prática criminosa diretamente relacionada a conduta de seus usuários, ficará obrigado pelo Art. 932, V, do Código Civil, a responder pela reparação do dano, ainda que sem culpa (vide art. 933 do mesmo diploma legal), na medida dos ganhos obtidos.

Sobre os autores

Bruno de Pinheiro Tavares é bacharel em direito pela Universidade da Amazônia (UNAMA). Membro do Grupo de Estudos Internacionais em Internet, Inovação e Propriedade Intelectual (GNeT-UFMG). Tem interesse de pesquisa nas áreas de Direito Internacional Público, Cooperação Internacional, Direito Econômico, Direito Cibernético, Governança Global da Internet e Propriedade Intelectual.

Francisco Rogério Moreira Campos é graduando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais e membro do Grupo de Estudos Internacionais em Internet, Inovação e Propriedade Intelectual (GNet-UFMG). Tem como áreas de interesse em pesquisa: Direito Internacional Público, Direito Humanitário, Direito Penal Constitucional e Direito Penal Informático/Cibernético.

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