Regulação do e-commerce no Brasil
Escrito por
Luiza Brandão (Ver todos os posts desta autoria)
3 de junho de 2019
É bastante comum que empresas de outros países e também as nacionais optem pela prática do comércio eletrônico, também conhecido pela sigla em inglês como e-commerce, para atuar no mercado brasileiro. Muitos desses atores comerciais, principalmente os estrangeiros, têm dúvidas em relação às leis aplicáveis ao e-commerce no Brasil.
Apesar de o Brasil não ter uma lei específica sobre a matéria, existem várias previsões e instrumentos legais que formam a regulação dessa atividade. Confira algumas normas do sistema legal brasileiro importantes para o e-commerce!
Normas aplicáveis ao e-commerce no Brasil
Sendo o e-commerce uma atividade qualificada como relação de consumo, ela deve observar uma série de garantias do sistema de defesa e proteção ao consumidor. Ele compreende algumas normas, que têm como guia principal o
Código de Defesa do Consumidor (CDC).
– Código de Defesa do Consumidor (Law 8.078/90): o CDC fornece a base para qualquer relação de consumo, seja pela Internet ou não, por meio de conceitos relacionados às relações de consumo, bem como deveres e direitos. Legalmente, o Código é aplicado às relações de consumo, que podem incluir não apenas situações B2C (sigla em inglês para relações entre empresa e consumidor), mas também B2B (sigla para relações entre empresas). O conceito principal envolve a pessoa física ou jurídica que é o usuário final do bem ou serviço que está sendo fornecido. Ou seja, se um cliente de e-commerce é uma empresa (e não uma pessoa natural), também pode constituir uma relação de consumo, desde que seja o usuário final. Caso contrário, a relação é considerada comercial e segue o regime jurídico do Código Civil (Lei 10.406 / 2002).
Entre os direitos mais importantes do consumidor está o direito à informação (artigo 6 do CDC). Isso significa que o e-commerce deve fornecer informações específicas, transparentes e precisas sobre o produto ou serviço fornecido, a oferta, termos e condições. O código também proíbe expressamente a ação discricionária contra os consumidores (artigo 4).
– Decreto 7.962/2013 : essa é a única norma específica para o comércio eletrônico no Brasil. O decreto visava atualizar o CDC, que é de 1990, sem, no entanto, revogá-lo. Também estabelece informações obrigatórias para os sites de comércio eletrônico:
- Identificação do provedor (nome legal ou natural completo);
- Endereço físico e eletrônico;
- Como o CDC, exige informações claras e precisas sobre as ofertas, produtos, serviços, entrega e disponibilidade;
- Resumo dos pontos mais importantes do contrato (por exemplo, condições de pagamento e prazos);
- Contrato completo com informações detalhadas;
- Confirmação da compra;
- Informações sobre atendimento ao cliente por e-mail, chat ou telefone.
Um sistema de segurança para evitar violações de dados também é obrigatório de acordo com o Decreto e o consumidor também tem o “direito de se arrepender”. Isso significa que o consumidor pode dar fim ao contrato a qualquer momento antes de receber o produto e o cancelamento deve ser confirmado pelo fornecedor, ou após sete dias da data de recebimento. Em ambos os casos, o provedor deve comunicar à agência de pagamento imediatamente após o cancelamento, a fim de reverter a cobrança.
– Marco Civil da Internet (Lei 12.9655/2014): define os princípios para a regulação da internet no Brasil, que são, portanto, eles são aplicáveis ao comércio eletrônico. O Marco Civil estabelece a privacidade, a proteção de dados, o consentimento e a segurança da informação como direitos para os usuários da Internet (artigos 3, 7 e 16 da Lei).
Ainda, de acordo com o artigo 11, o sistema de leis brasileiras é aplicável a qualquer atividade, incluindo, portanto, comércio eletrônico internacional:
Artigo 11. Em qualquer operação de coleta, armazenamento, custódia e tratamento de registros, dados pessoais ou comunicações por provedores de conexão e aplicativos de internet em que pelo menos um desses atos ocorra em território nacional, a legislação brasileira e os direitos à privacidade, proteção de dados pessoais e a confidencialidade de comunicações e registros privados devem ser obrigatoriamente respeitados.
– Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD (Lei 13709/2018): A LGPD entrará em vigor em 2020 e destaca a relevância do consentimento, transparência e proteção de dados on-line. Portanto, o comércio eletrônico será uma das atividades que deve estar em conformidade com as novas regras gerais.
– Código de Processo Civil – CDC (Lei 13105/2015): De acordo com o CPC, os tribunais brasileiros são competentes para julgar casos envolvendo relações de consumo, se o consumidor estiver domiciliado ou tiver residência habitual no país (artigo 22, b, II). A regra baseia-se na proteção e interesse do consumidor, bem como no princípio de que o consumidor é o mais frágil, estabelecido pelo CDC. Portanto, os consumidores brasileiros têm a opção de processar uma empresa internacional de comércio eletrônico nos tribunais nacionais, mesmo que a empresa tenha sido constituída ou tenha sedes em diferentes países.
– Lei 10.962/2004: dispõe sobre as vendas e formas de exibir o preço de bens e serviços para o consumidor. A lei foi alterada pela Lei n. 13.543 / 2017, que estabelece que no e-commerce deve ser feito destacando seu preço em dinheiro em conjunto com a descrição do produto ou imagem do serviço, em fonte de fácil leitura e tamanho acima de doze.
Na prática, como a lei se aplica ao e-commerce?
A lei aplicável ao comércio eletrônico no Brasil baseia-se principalmente na proteção ao consumidor. É por isso que as empresas devem seguir regras relativas à informação, transparência e segurança. Existem regulamentos especiais para áreas específicas de comércio eletrônico, como os que envolvem saúde, alimentos, marketing e sistemas de crédito. Regras sobre direitos de propriedade intelectual, principalmente marcas registradas e direitos autorais, também devem ser observadas.
A competência para fiscalizar as relações de consumo no Brasil é do Ministério Público, de acordo com o artigo 129, III da Constituição Brasileira. A Procuradoria de cada estado federal no Brasil possui um programa administrativo de defesa e defesa do consumidor, denominado PROCON. O PROCON (Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor) é responsável por receber reclamações de consumidores e investigar práticas contra os direitos dos consumidores. Se o procedimento do PROCON indicar violação da lei, o Promotor do Estado cobra legalmente a empresa pela infração, em justiça criminal ou civil, dependendo da natureza da regra violada.
A maioria dos litígios sobre o consumo é adjudicada pelos Juizados Especiais de cada estado. Os Tribunais Especiais são competentes para julgar casos cujo valor seja de até 20 salários mínimos, sem assistência de advogado, ou até 40 salários mínimos, se as partes do processo forem assistidas por advogados. O salário mínimo no Brasil atualmente é de R $ 998,00 reais.
Considerando que, na prática, muitas empresas não cumprem as regras de consumo, existe um grande número de casos no Judiciário brasileiro. De acordo com o relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o consumo foi o terceiro campo que teve mais novas disputas para a Justiça no Brasil em 2018 – com 365.309 novos casos (entre um total de 2.623.354 novos casos de todos os campos cobertos pela Justiça Estadual) em comparação com o número de casos em 2017.
Como adequar meu e-commerce?
A atividade de e-commerce deve seguir as regras mencionadas neste post e ainda se atentar para as regulações setoriais – principalmente aquelas de ordem sanitária.
De forma geral, alguns atores, como o SEBRAE, oferecem cursos e materiais de apoio a quem busca adequar o comércio eletrônico ao sistema brasileiro. Um desses manuais, que também serviu de referência para este post é o manual legal, disponível aqui.
As opiniões e perspectivas retratadas neste artigo pertencem a seu autor e não necessariamente refletem as políticas e posicionamentos oficiais do Instituto de Referência em Internet e Sociedade.
Escrito por
Luiza Brandão (Ver todos os posts desta autoria)
Fundadora e Diretora do Instituto de Referência em Internet e Sociedade, é mestre e bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais.
Fundadora do Grupo de Estudos em Internet, Inovação e Propriedade Intelectual – GNet (2015). Fellow da Escola de Verão em Direito e Internet da Universidade de Genebra (2017), da ISOC – Internet and Society (2019) e da EuroSSIG – Escola Europeia em Governança da Internet (2019). Interessa-se pelas áreas de Direito Internacional Privado, Governança da Internet, Jurisdição e direitos fundamentais.