PLS 471/18: mais recente projeto de lei contra notícias falsas
Escrito por
Luiza Brandão (Ver todos os posts desta autoria)
17 de dezembro de 2018
Proposto no dia 05 de dezembro de 2018, o Projeto de Lei do Senado 471/18, de autoria do senador Humberto Costa (PT/PE), é mais uma tentativa de normatizar as chamadas “notícias falsas”, que têm ocupado a pauta do Congresso brasileiro. Com o mais recente, 14 projetos ocupam a pauta do Legislativo, conforme o levantamento divulgado aqui no blog do IRIS, no post “Para desinformação não ser lei: propostas contra “fake news”.
O que diz o PLS 471/18?
Em sua descrição, o PL 471/18 propõe alterações no Código Penal, no Código Eleitoral, bem como no Marco Civil da Internet, “para dispor sobre a definição das infrações penal, eleitoral e civil de criar ou divulgar notícia falsa, e cominar as respectivas penas.” No dia 14/12, o projeto foi encaminhado para a CCJ – Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania e, caso aprovado sem recurso de algum parlamentar, devido ao caráter terminativo, pula a etapa de votação do Plenário do Senado e segue diretamente para a Câmara dos Deputados.
Assim como em outras iniciativas legislativas, o PL recorre à criminalização da prática de divulgação das notícias falsas, embora essa não seja a prática internacionalmente recomendada contra a desinformação. No que se refere à técnica legislativa, também é possível apontar questões problemáticas, especialmente no que se refere à pouca precisão em que os termos são elencados, o que geraria insegurança jurídica, margem para discricionariedades e representaria um retrocesso para o Brasil no quadro da governança da internet, tendo em vista o caráter do Marco Civil da Internet.
Preocupação com direitos fundamentais
Para fins penais, o projeto considera notícia falsa como “[…] o texto não ficcional que, de forma intencional e deliberada, considerada a forma e as características da sua veiculação, tenha o potencial de ludibriar o receptor quanto à veracidade do fato”. A pena atribuída seria de detenção de seis meses a dois anos, caso não seja configurado crime mais grave. Na prática, como já apontado na análise de outro texto, não segue boa técnica legislativa, apresentando conteúdo vago e que viola garantias, como a legalidade – precisão como a matéria criminal deve ser tratada no ordenamento do Estado Democrático de Direito – ou a liberdade de expressão e manifestação de pensamento.
Além disso, considerado o direito penal como “ultima ratio”, quer dizer, a matéria a qual apenas se recorre nos casos mais graves, em que as demais soluções jurídicas e sociais não são suficientes, percebe-se, em tais projetos, um caráter de banalização das sanções criminais. Além disso, mais crimes significam mais esforços do Estado para apuração, processo, julgamento e eventual detenção, em uma estrutura já precarizada e que ficaria ainda mais abarrotada. É bom lembrar que o Direito Penal também não tem caráter educativo, mas sim repressor, o que não representa um meio eficaz, nem coerente com os anseios sociais contra a prática das chamadas “fake news”.
Marco Civil da Internet, notícias falsas e liberdade de expressão
O PLS 471/18 altera a lei 12.965/14. Além de incluir o mesmo conceito de notícias falsas para a aplicação do Marco Civil da Internet, também propõe incluí-las em um regime de responsabilidade para os provedores de aplicação, por meio das quais elas sejam veiculadas por terceiros. O texto, mais uma vez, adota expressões inexatas, sem deixar clara o que seriam medidas “eficientes” e “transparentes” para combater notícias falsas. Faz referência a uma “forma diligente” de denúncia de notícias falsas, sem, contudo, estabelecer parâmetros legais para tanto.
Além dos termos imprecisos e suscetíveis de divergências na aplicação da lei, as disposição do PSL 471/18 ainda refletem desconhecimento sobre o regime da internet no Brasil, seus princípios e fundamentos. Isso porque, ao estabelecer a obrigação de o provedor retirar o conteúdo denunciado em um prazo de 24 horas (art. 18, §2º, I), o PLS contradiz o modelo “judicial notice and take down”, adotado pela lei que, em seu processo legislativo, contou com modelo multissetorial e participação de diversos setores para sua produção. Medidas como essa geram preocupação, uma vez que a obrigação de remoção de conteúdo antes mesmo de uma ordem judicial coloca sobre os entes privados o papel de responder pela veracidade dos fatos ou ainda podem resultar em censura ao conteúdo que circula na internet.
A preocupação em garantir a liberdade de expressão e de manifestação de pensamento, bem como evitar mecanismos de censura fica clara também no fundamento da lei (art. 2º) e em seus princípios (art. 3º). Entre eles, destacam-se não apenas a liberdade de expressão, intrinsecamente relacionada com a inimputabilidade da rede – que consta no Decálogo da Internet no Brasil – mas também a garantia da natureza participativa da internet. Outra exigência imprecisa é a inserção da remoção de notícias falsas nas políticas de uso de aplicações da internet. Mais uma vez, o legislativo não adota a melhor técnica por não estabelecer parâmetros precisos sobre essa proposta, assim como não explica o motivo de ter adotado um critério de 2 milhões de usuários para a aplicação da lei aos provedores.
A exigência de relatórios sobre as remoções a órgão competente transfere para regulação posterior a definição sobre quem exerceria esse papel. Essa posição tão pouco contribui para a solução da problemática das notícias falsas, uma vez que eventual não criação dessa autoridade, a exemplo do que tem preocupado diferentes setores em relação à Lei de Proteção de Dados, comprometeria o sistema de transparência e controle previsto.
Projetos de lei e desinformação
Assim como os demais projetos de lei sobre as chamadas “notícias falsas”, o PLS 471/18 parece não compreender a realidade da governança da internet ao procurar normativizá-la. Afinal, atribui tratamento criminalizante aos fenômenos da sociedade da informação, trata de forma simplificada uma problemática complexa – a da desinformação -, ligada à própria ausência de formação para a era digital que a sociedade brasileira presencia. O projeto ainda desconsidera princípios e garantias do ordenamento brasileiro já assentados, tanto no que diz respeito à internet em si, quanto aos direitos constitucionais. Por fim, desconsidera as medidas apontadas por especialistas como adequadas para o enfrentamento da desinformação, como a superação das desigualdades digitais e a promoção do letramento para a sociedade da informação.
O caráter terminativo do PLS 471/18 faz com que, se aprovado pela CCJ, o projeto vá direto para Câmara dos Deputados, de acordo com o regimento interno do Senado (art. 91, §1º). Vale lembrar que a preocupação sobre a criminalização da internet é multissetorial, como discutido no VIII Fórum da Internet no Brasil, em painel disponível aqui. É importante, portanto, que a sociedade acompanhe o processo legislativo e opine sobre o projeto, por meio deste link!
As opiniões e perspectivas retratadas neste artigo pertencem a seus autores e não necessariamente refletem as políticas e posicionamentos oficiais do Instituto de Referência em Internet e Sociedade.
Escrito por
Luiza Brandão (Ver todos os posts desta autoria)
Fundadora e Diretora do Instituto de Referência em Internet e Sociedade, é mestre e bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais.
Fundadora do Grupo de Estudos em Internet, Inovação e Propriedade Intelectual – GNet (2015). Fellow da Escola de Verão em Direito e Internet da Universidade de Genebra (2017), da ISOC – Internet and Society (2019) e da EuroSSIG – Escola Europeia em Governança da Internet (2019). Interessa-se pelas áreas de Direito Internacional Privado, Governança da Internet, Jurisdição e direitos fundamentais.