O Crowdfunding nas eleições
Escrito por
Felipe Gallo (Ver todos os posts desta autoria)
26 de fevereiro de 2018
Um dos temas mais debatidos na política é o financiamento das campanhas eleitorais. A lógica é simples, o candidato para se eleger deve, entre outros fatores, divulgar a sua imagem ao maior número de eleitores possível, para convencê-los de que suas propostas são melhores do que os demais candidatos. O dinheiro para custear essa propaganda, tradicionalmente, poderia ser arrecadado por intermédio de financiamentos privados (doações de empresas ou pessoas físicas) ou pelo financiamento público (através de quantias advindas do Fundo Partidário ou do recente Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC).
A lógica tradicional, porém, modificou-se com uma decisão judicial, pois o STF compreendeu, na ADI 4650, ser inconstitucional a doação de Pessoas Jurídicas em campanhas eleitorais. Diante da perda de uma fonte de financiamento que representava uma porcentagem significativas das doações eleitorais, o Congresso Nacional aprovou uma medida que representa uma inovação nas eleições, o Crowdfunding.
O Crowdfunding, ou financiamento coletivo (como diz a prescreve a lei eleitoral), é basicamente a criação de uma plataforma online e centralizada de arrecadação de recursos (geralmente de valores pequenos) que visam atingir determinadas meta, caso a quantia desejada não seja alcançada, todo o dinheiro arrecadado é devolvido. Em geral, as plataformas existentes são amplamente transparentes com informações sobre quem doou, qual quantia e como o material arrecadado será gasto.
Histórico na política
A importância da internet nas eleições, mas principalmente do financiamento online se tornou bastante visível com a eleição de Barack Obama para a presidência dos Estados Unidos em 2018. Com a média de 80U$ por doação, a equipe conseguiu arrecadar impressionantes 600 milhões de dólares ao longo da campanha presidencial. Apesar de não utilizar necessariamente uma plataforma de Crowdfunding, com a devida transparência dos doadores e da quantia doada, a campanha de arrecadação demonstrou a viabilidade de um candidato popular arrecadar uma soma expressiva de dinheiro sem depender de doações de maior porte.
Nas eleições europeias de 2014 o partido PODEMOS da Espanha utilizou uma plataforma amplamente transparente, com metas, prestação de contas em tempo real e especificações sobre a destinação dos valores arrecadados. No final do processo, o partido arrecadou cerca de 1,2 milhão de euros, auxiliando o custeio de metade da campanha eleitoral. A campanha presidencial de Peeka Havisto na Finlândia em 2012 e as campanhas de arrecadação para o Partido Verde no Reino Unido demonstram que esse fenômeno da utilização do Crowdfunding vem crescendo ao longo dos últimos anos.
O sucesso dessas empreitadas permitiu a criação de novas plataformas de Crowdfunding não apenas para políticos, mas também para bandeiras ou projetos específicos. Nessa seara, temos exemplo da campanha contra o Gerrymandering, capitaneada pelo ator e político Arnold Schwarnegger, ou mesmo, da estratégia política do partido Democrata dos Estados Unidos em reconquistar cadeiras nas eleições estaduais através do projeto flippable.
Regras no Brasil
A partir de uma reforma legislativa em 2009, permitiu-se que candidatos e partidos políticos pudessem arrecadar por meio de site próprio e via cartão de crédito para as eleições. Contudo, quando consultado se as campanhas poderiam ser financiadas por intermédio do Crowdfunding, o TSE respondeu negativamente em 2014 e em 2016. O grande impedimento na visão do tribunal esteve relacionado às empresas intermediadoras que realizam o serviço, pois, em tese, a legislação não permitia o repasse das quantias arrecadadas pelas empresas aos candidatos ou partidos políticos.
Com a impossibilidade de as pessoas jurídicas efetuarem doações para as eleições, o Congresso Nacional buscou alternativas criativas para o financiamento das campanhas e, por isso, adotou e regulou o Crowdfunding a partir do ano de 2018.
As principais atribuições pelas quais as empresas que pretenderem prestar esse serviço devem estar atentas são: (1) Registrar a empresa perante o TSE e garantir total transparência das taxas cobradas por cada transação; e (2) cadastrar informações completas dos doadores (CPF e nome completo), permitindo o acompanhamento em tempo real de todas as doações realizadas com transparência, bem como pela emissão de recibo eleitoral.
Os pré-candidatos podem, ainda, antecipar a arrecadação eleitoral a partir do dia 15 de maio do ano eleitoral, mas somente podem ter acesso aos recursos arrecadados após o registro de sua candidatura no TSE e com o início das campanhas eleitorais no dia 15 de agosto.
O Crowdfunding é viável no Brasil?
A grande pergunta que nos resta fazer é se as plataformas de financiamento coletivo serão amplamente utilizadas pelo eleitorado brasileiro ou se ocuparão uma posição de menor destaque em detrimento de outras fontes (em especial do FEFC).
Apesar dessa previsão ser difícil de se realizar, temos alguns fatores que podem influenciar, tanto para a grande utilização dessa ferramenta, quanto para a sua pouca significância no financiamento eleitoral. Vamos então ao seguinte quadro esquemático:
Fatores que podem incentivar a utilização de Crowdfunding no Brasil |
Fatores que podem desincentivar a utilização do Crowdfunding no Brasil |
A vedação do financiamento de pessoas jurídicas abriu um espaço para financiamentos alternativos. | Falta de cultura política de doação de pessoas físicas. |
Tendência global de utilizar o Crowdfunding para incentivar candidaturas. | Criação do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), que permite que candidatos que possuam forte influência partidária, recebam maiores valores dos repasses. |
Termômetro para o candidato averiguar o potencial eleitoral de acordo com o número de doadores que conseguir obter. | 41% dos brasileiros não possuem acesso à internet, tal quantidade é superior no Nordeste que alcança o patamar de 60%. O que indica que o Crowdfunding poderia beneficiar apenas candidatos com um eleitorado com maior poder aquisitivo. |
Possibilidade de realizar propaganda paga na internet e permitir o maior acesso da campanha de arrecadação aos eleitores. | A pessoa física poderá declarar apenas 10% do rendimento bruto declarado no Imposto de Renda no ano anterior. Dessa forma, qualquer valor acima de R$ 2.855,97 doado via Crowdfunding, poderá ensejar uma doação irregular e multa ao doador. O que pode afastar que eventuais doadores contribuam com maiores parcelas às campanhas de arrecadação. |
Empresas de Crowdfunding, de outras modalidades, pretendem investir nesse mercado, o que demonstra a eventual viabilidade do negócio. | Até o momento, não existe limite para o autofinanciamento de candidatos, o que pode incentivar que candidatos com maior poder aquisitivo utilizem de próprios recursos em detrimento do financiamento coletivo. |
Temos inclusive alguns exemplos de que o crowdfunding pode funcionar no Brasil. Caso em que foram arrecadados R$ 100 mil para uma caravana do Lula em Minas Gerais no final de 2017. Ou quando Marcelo Freixo arrecadou cerca de R$ 400 mil para as eleições de 2016. |
O brasileiro possui menor poder aquisitivo do que países como os EUA, Finlândia, Espanha e Reino Unido, que foram citados no presente texto como cases de sucesso para os Crowdfunding. |
Portanto, provavelmente as campanhas de Crowdfunding terão uma atuação tímida nas eleições de 2018. É claro que candidatos majoritários com forte apelo popular ou aqueles que possuem uma grande visibilidade em plataformas virtuais de comunicação podem se beneficiar em alguma medida com financiamento coletivo. O fiel da balança, porém, é saber se tais estruturas poderão concorrer, em pé de igualdade, com candidatos com grande poder aquisitivo ou que detém a máquina partidária.