Lutando contra a discriminação de gênero na Internet
6 de agosto de 2018
“Os Estados Partes condenam a discriminação contra as mulheres sob todas as suas formas, acordam em prosseguir, por todos os meios apropriados e sem demora, uma política tendente a eliminar a discriminação contra as mulheres[…]”. Essa é a redação do art. 2º da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres ratificada pelo Brasil em 1984. Como se nota, é de interesse comum estabelecer medidas que promovam a igualdade entre homens e mulheres, no entanto, na realidade ainda estamos distantes de eliminar a discriminação contra as mulheres e de promovermos uma sociedade com igualdade de gêneros.
O dever de respeito à honra das pessoas encontra-se previsto no art. 5, inciso X da Constituição Federal brasileira/88 e é um dever geral aplicável a todas as pessoas, em todos os cenários, inclusive, a desobediência a esse dever legal de respeito pode acarretar na responsabilização civil (arts. 186 e 927 CC/02) e/ou criminal (arts. 138-140 CP/40). No entanto destaca-se aqui a importância de se atrair a atenção especial à honra das mulheres, sobretudo na Internet, porquanto elas têm sido as maiores vítimas desse tipo de conduta.
Enfrentamentos
Apesar de ativas – sócio e economicamente – as mulheres ainda são vítimas discriminação social e de violência simbólica, aquela perpetrada por meio de palavras, imagens e de discursos.
É imprescindível destacar que essas formas de violência somente se concretizam em razão da visão inferiorizada da sociedade acerca do que é ser mulher. Assim sendo, humilhações, exposição íntima, fatos difamatórios atingem não somente a esfera pessoal das ofendidas, mas também suas outras esferas de sua atuação, por exemplo, o cenário familiar, laboral e educacional.
Mas o que é honra?
A honra, para Damásio E. de Jesus (2010, p. 237), é um: “[…] conjunto de atributos morais, físicos, intelectuais e demais dotes do cidadão, que o fazem merecedor de apreço no convívio social.”
A violação da honra das mulheres é uma clara violação de direitos humanos, que afeta o apreço pessoal e social do indivíduo. Ela geralmente ocorre por meio de palavras e através da violação de direitos de imagem, por exemplo, com a associação de palavras depreciativas a imagem das mulheres ou com a divulgação de conteúdo íntimo.
Quando essas condutas ocorrem na internet, os danos pessoais e sociais são exponencialmente maiores, já que as consequências são intangíveis e atemporais.
Durante a Copa do mundo, assistimos perplexos, em mais de um episódio, brasileiros ridicularizando mulheres estrangeiras, induzindo-as a repetir palavras depreciativas a honra delas, sem que elas soubessem exatamente o que estavam dizendo. Os vídeos foram amplamente divulgados e alguns dos envolvidos foram identificados.
A Assembleia legislativa e a seccional da OAB de Pernambuco repudiaram os atos praticados no vídeo, no qual um advogado pernambucano aparece induzindo uma jovem estrangeira a repetir palavras que aludem desrespeitosamente à genitália feminina.
Uma característica lamentável no episódio da Rússia é que os envolvidos possuem um grau de escolarização elevado (educação superior, por exemplo), e possivelmente condições financeiras favoráveis (já que estavam prestigiando uma Copa do Mundo em outro país), no entanto nenhum desses fatores foi suficiente para que eles assumissem uma postura de respeito às mulheres. Como se nota, o desrespeito não possui cor ou classe social tanto entre os agressores quanto entre as vítimas.
A Internet, pela sua facilidade de produção e divulgação de conteúdo, é um ambiente fértil para propagação dessa cultura de discriminação. Um dos exemplos mais atuais é a prática de Revenge Porn que consiste na divulgação de conteúdos íntimos, em aplicativos de redes sociais, sites de material adulto, listas de e-mail e nos ambientes de convívio da vítima.
O Revenge Porn além de ser uma prática muito cruel para vítima por si só, também desencadeia várias outras consequências devastadoras na vida das mulheres afetadas.
No Brasil ainda não há uma legislação específica que criminalize esse ato, sendo este punido como crime contra a honra. O PL 5.555/13 – Lei Rose Leonel visa promover alterações na legislação brasileira, a fim de dar a atenção e a punição necessárias a essa conduta covarde.
Apesar disso, a Internet, justamente pela sua universalidade e liberdade, também é a principal linha de frente do enfrentamento à desigualdade de gênero.
Fui vítima, o que devo fazer?
- ·A primeira medida é não se calar. No Brasil a central de atendimento à mulher responde no telefone 180. O Ligue 180 é gratuito e serve como canal de orientação sobre direitos e serviços direcionados a população feminina. Desde 2014 tornou-se também um hábil canal de denúncias;
- Busque a jurisdição! A violação à honra das mulheres acarreta, para o responsável, punição tanto na esfera cível quanto na criminal;
- Solicite a remoção do conteúdo da plataforma em que ele esteja sendo divulgado. As grandes plataformas de aplicação, geralmente, dispõem de mecanismos, muitas vezes dispostos nos seus termos de uso, os quais permitem a denúncia e a consequente remoção de conteúdos ofensivos;
- Várias ONGs e entidades civis dispõem de profissionais, como advogados e psicólogos que estão à disposição das vítimas, para ajudá-las no enfrentamento pessoal, social e jurídico contra seus agressores ou agressoras, um exemplo de ONG com esse perfil é a ONG Marias da Internet, que auxilia mulheres vítimas de exposição de conteúdo íntimo. Essa conduta, atualmente, no Brasil, é enquadrada como crime contra honra, quando as imagens divulgadas foram obtidas com consentimento da vítima, sem sua permissão para divulgação;
- Por fim, tenha em mente que você vale muito e que não está sozinha. Você não é que disseram ou mostraram a seu respeito e isso não deve definir quem você será e o que você pode alcançar.
A educação é sempre um caminho
Apesar de a igualdade de gênero e a erradicação das discriminações almejadas na Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres serem objetivos ainda não realizados, importantes mudanças positivas de comportamento ocorreram devido ao empoderamento feminino, os movimentos sociais e educação a respeito de direitos.
A educação é sempre um caminho viável no combate à discriminação. Por meio dela, podemos empoderar as pessoas vulneráveis e conscientizar os possíveis agressores. Nesse passo a Internet é uma grande aliada, já que muitos produtores de conteúdo podem semear, na rede, palavras de acolhida e de orientação. Além disso, as vítimas podem se encontrar e prestar ou receber suporte mútuo, por meio de canais online, formando assim a principal linha de resistência e de promoção de respeito.
Referências
BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal brasileiro.
______. Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil Brasileiro.
Central de atendimento à Mulher. Secretaria de nacional de políticas para mulheres. Acesso em: 17 de julho de 2018. Disponível em: http://www.spm.gov.br/ligue-180
Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres (1979). Unicef Brasil. Acesso em: 17 de julho de 2018. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/pt/resources_10233.htm
Cruz, Frank Ned Santa. PL 5.555/13 – Lei Rose Leonel. Acesso em: 17 de julho. disponível em:http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI254877,101048-PL+555513+Lei+Rose+Leonel
Cunha, Lia Calegari da. Revenge Porn e seus aspectos jurídicos Acesso em: 17 de julho. disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/revenge-porn-e-seus-aspectos-juridicos-18032017
Direitos das mulheres estão sob risco no mundo todo, dizem especialistas da ONU. ONUBR. Acesso em: 17 de julho. disponível em: https://nacoesunidas.org/direitos-das-mulheres-estao-sob-risco-no-mundo-todo-dizem-especialistas-da-onu/
JESUS, Damásio E. de. Direito penal: parte especial – dos crimes contra a pessoa a dos crimes contra o patrimônio. São Paulo: Saraiva, 2010.
ONG Marias da Internet.Acesso em: 17 de julho. disponível em: http://www.mariasdainternet.com.br/
Senra, Ricardo; Passarinho, Nathalia. Novos vídeos mostram brasileiros ridicularizando russos durante a Copa. BBC News Brasil. Acesso em: 17 de julho. disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-44549369