Loot boxes como jogos de azar: conflitos no Brasil e no mundo
Escrito por
Victor Vieira (Ver todos os posts desta autoria)
26 de março de 2018
Se você tem o costume de jogar online, ou conhece alguma pessoa que joga, há uma chance considerável de já ter ouvido falar das chamadas “loot boxes” – ou “loot crates” – presentes em alguns jogos. Este texto tem como objetivo apresentar um panorama geral sobre esse tema, explicando o porquê de as loot boxes serem uma prática tão criticada ultimamente, além de os motivos para elas serem confrontadas em diversos países e estarem em potencial conflito com as leis vigentes no Brasil.
O que são as loot boxes?
Para especificar o conceito de loot box, é interessante partir da ideia de microtransações em jogos eletrônicos. Microtransações são, essencialmente, funcionalidades adicionadas aos jogos eletrônicos – majoritariamente, nos que envolvem alguma espécie de interação competitiva dos jogadores via internet -, que permitem o intercâmbio de dinheiro real por créditos em um jogo específico. Esses créditos, posteriormente, podem ser utilizados pelo jogador para adquirir algo dentro do jogo – seja um personagem, um equipamento, um item estético, entre outros.
As microtransações em jogos eletrônicos já foram muito criticadas, principalmente em jogos competitivos, pois muitas vezes podem garantir uma vantagem injusta para jogadores que têm a disposição ou as condições para desembolsar valores mais altos nos jogos – prática que ficou conhecida popularmente como “pay to win”, ou “pague para vencer”.
As loot boxes, por sua vez, são, basicamente, uma subcategoria de microtransação. Assim como nas demais microtransações, há o intercâmbio de dinheiro real por créditos em um jogo específico. Há, contudo, o diferencial de que esses créditos não são usados diretamente para que o jogador adquira algo específico e determinado dentro do jogo. Ao invés disso, paga-se por um item “surpresa” – desconhecido -, como em uma máquina de caça níqueis.
Qual, afinal, o problema no modelo das loot boxes?
O problema principal gira em torno justamente de ser adquirida uma chance de se ganhar o que se quer dentro do jogo. Isso, juntamente com probabilidades excessivamente baixas de se ganhar o item desejado, corrobora para que os jogadores potencialmente gastem quantias cada vez mais elevadas nesses videogames, podendo facilmente superar o valor pago pelo jogo como um todo em busca de, por exemplo, um único personagem.
Recentemente, devido à revolta dos consumidores com relação a alguns jogos, nos quais a implementação de loot boxes era excepcionalmente nociva aos jogadores, passou-se a discutir mais ativamente sobre essa prática. Muitos defendem a necessidade de regulamentação das loot boxes como jogos de azar, afirmando que essa prática constitui verdadeiros “cassinos digitais”, e que, portanto deve ser submetida ao mesmo tratamento dos cassinos “reais”.
Isso implicaria, entre outras coisas, em campanhas de conscientização sobre os riscos envolvidos com as loot boxes, que incentivem que os jogadores sejam moderados com suas “apostas”. Esse modelo de negócios, afinal, conhecidamente gera nos consumidores uma vontade de continuar gastando dinheiro no serviço até que se obtenha o item desejado – o famoso impulso por “só mais uma rodada”.
Como consequência clara do risco das loot boxes, pode-se citar as reportagens que frequentemente circulam por veículos de notícias, expondo casos de pessoas que, compulsivamente, gastaram milhares de reais em jogos digitais, na tentativa obter vantagens frente a outros jogadores.
Outro fator que intensifica o problema é o fato de que os jogos que empregam o modelo de loot boxes, muitas vezes, têm como parcela significativa de seus jogadores ativos as crianças e os adolescentes. O reconhecimento das loot boxes como jogos de azar, portanto, envolveria, em grande parte do mundo, a regulação no sentido a impedir o acesso dessas pessoas não apenas aos jogos nos quais elas são implementadas, bem como para impedir que as campanhas publicitárias desses jogos alcancem esse público. O IRIS já realizou um evento voltado exclusivamente para a discussão acerca da proteção de crianças e adolescentes no meio digital, clique aqui para ter acesso à gravação integral!
A recepção das loot boxes pelo mundo: críticas e barreiras legais
A seriedade da discussão acerca desse tema se comprova pelo fato de, em alguns países, já ter sido expedida por autoridades a opinião de que as loot boxes são ilegais. Na Bélgica, por exemplo, a Comissão Belga de Jogos já declarou sua aversão ao modelo, e o ministro da justiça do país, Koen Geens, complementou: “misturar jogos de azar e videogames, especialmente para os mais jovens, é perigoso para a saúde mental das crianças.”
No Japão, complementarmente, já existe, desde 2012, uma lei que proíbe jogos que empreguem o modelo de negócios conhecido como “kompu gacha”, que nada mais é do que um modelo de loot boxes mais exacerbado. Os jogos que se utilizam do kompu gacha costumam incentivar fortemente o investimento de quantias pequenas de dinheiro para a obtenção de itens aleatórios, prometendo que quando (e se) os jogadores conseguirem completar sua coleção desses itens, obterão um “grande prêmio”.
Como último exemplo, cabe citar que na China, em maio de 2017, também entrou em vigor uma regulação que obriga as empresas responsáveis pelos jogos que fornecem serviços de loot boxes a discriminar, verdadeira e efetivamente, todas as probabilidades envolvidas com o serviço. Em outras palavras, o governo chinês obrigou essas empresas a serem transparentes quanto às chances de os jogadores conseguirem cada tipo de prêmio com as loot boxes.
As loot boxes como jogos de azar: o que isso significa para o Brasil
A necessidade de discussão acerca da natureza das loot boxes no Brasil se intensifica por um motivo simples: no nosso país, diferente do que acontece nos citados anteriormente neste texto, os jogos de azar não são apenas fortemente regulados – eles são proibidos em sua totalidade.
De fato, está tramitando no país o PLS 186/2014, que visa legalizar os jogos de azar (jogos de fortuna) no Brasil, mas, independente do resultado desse processo legislativo, não se pode ignorar que a falta de diálogo acerca da realidade das loot boxes representa um problema importante para o país. Afinal, mesmo com a aprovação do projeto de lei – e apesar de ele incluir previsões para os denominados “cassinos online” -, não regulamentar as loot boxes significa ignorar uma grave lacuna no nosso ordenamento jurídico. Isso, como já afirmado antes, mostra-se ainda mais grave quando nos lembramos que parcela significativa dos afetados por essas práticas de mercado são os menores de idade.
Dessa forma, fica clara a importância de se colocar o tema em pauta em nosso país, assim como está acontecendo ao redor do mundo. Caso o consenso seja de que, de fato, a prática das loot boxes seja prejudicial, um posicionamento definitivo sobre o tema por parte de um país populoso e relevante no cenário internacional como o Brasil representa forte incentivo para que as empresas responsáveis pela produção de jogos reconsiderem suas práticas de mercado. Nesse sentido, vale lembrar que o Brasil foi classificado pela Newzoo como o 13º maior mercado para jogos digitais no mundo em 2017.
Em resumo, pode-se dizer que a recente intensificação no uso de loot boxes em jogos digitais representou um choque legal no cenário internacional por uma série de motivos. Algumas respostas a esse fenômeno já ocorreram ao redor do mundo, mas a atualidade do tema exige que maiores discussões sejam travadas a respeito, para que a prática seja coibida por completo ou que, caso contrário, ao menos seja realizada de maneira consciente e não danosa para os jogadores.
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As opiniões e perspectivas retratadas neste artigo pertencem a seus autores e não necessariamente refletem as políticas e posicionamentos oficiais do Instituto de Referência em Internet e Sociedade.
Escrito por
Victor Vieira (Ver todos os posts desta autoria)
Victor Vieira é bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pós-graduando em Proteção de Dados Pessoais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). É pesquisador e encarregado de proteção de dados pessoais no Instituto de Referência em Internet e Sociedade (IRIS) e advogado. Membro e certificado pela International Assosciation of Privacy Professionals (IAPP) como Certified Information Privacy Professional – Europe (CIPP/E).
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