IRIS no I Congresso Internacional de Direito e Tecnologia
Escrito por
Kadu Mourão (Ver todos os posts desta autoria)
4 de dezembro de 2017
Organização
O Tribunal Superior do Trabalho, em Brasília, foi palco do I Congresso Internacional de Direito e Tecnologia. O evento, organizado pelo Grupo de Pesquisa e Desenvolvimento em Direito e Tecnologia – DireitoTec/UnB e pelo Legal Labs, ocorreu entre os dias 23 e 24 de novembro e contou com mais de 700 congressistas. Na ocasião, houveram stands de apresentação das principais Lawtechs no mercado brasileiro e foi lançada, também, a coletânea de artigos selecionados pela comissão científica do Congresso, chamada “Tecnologia Jurídica e Direito Digital”, que se propõe a ser a primeira obra de peso sobre Tecnologia Jurídica no Brasil.
O evento
Ao longo dos dois dias de Congresso, palestrantes do mundo inteiro fizeram exposições sobre os pontos de encontro entre o Direito e as novas tecnologias de informação e comunicação. Representantes da academia, governo, sociedades de advogados, departamentos jurídicos e empresas de tecnologia debateram sobre os impactos dessas inovações em suas determinadas áreas.
Os debates foram muito aprofundados e diversos, entretanto, pode-se entender por comum a todos os participantes o entendimento de que o contexto de mudanças exponenciais que a tecnologia tem promovido nos modelos de negócios e nas relações de trabalho também atinge diretamente o Direito.
As aplicações de algoritmos de inteligência artificial e da tecnologia de blockchain, além de suas consequências para a classe jurídica como um todo, foram os principais eixos temáticos abordados pelos expositores do evento. Também foram levantadas a mudança de mentalidade da nova geração de juristas que estão se formando (que são muito mais adeptos às novas tecnologias), a revolução educacional exigida pelo avanço das inovações tecnológicas, e a possível transformação da própria cultura jurídica a partir da maior utilização de dados e de blockchain.
Inteligência Artificial no Direito
A ciência de dados tem se mostrado cada vez mais essencial para todos os setores. Em um contexto de crescimento no número de usuários da internet e de dispositivos conectados à rede, aumenta também a quantidade de dados produzida todos os dias. Segundo o IBM, são gerados 2,5 quintilhão de bytes de dados diariamente, sendo que 90% de todos os dados já produzidos foi gerada apenas nos últimos dois anos. Ainda assim, baseando-se nos avanços significativos das tecnologias de processamento e tratamento de dados, há quem diga que o próprio termo Big Data já tem ficado ultrapassado.
Em sua palestra por video-conferência, Meirelle Hidelbrandt, da Vrije Universiteit Brussel – Bélgica, trabalhou o conceito de Data-Driven Law. A principal ideia por trás desse novo paradigma do direito é que a utilização cada vez mais intensiva de dados pode ser considerada um fator muito mais importante para as relações jurídicas (e, consequentemente, para a prestação de serviços jurídicos) do que os próprios elementos textuais do direito. Essa utilização abriria espaço para previsões mais confiáveis acerca de decisões judiciais, sendo que tal utilização dos dados traria mais segurança do que a própria análise interpretativa de leis, decisões judiciais e peças jurídicas elaboradas por advogados ou representantes do poder público como um todo.
Previsão de comportamento a partir de redes sociais, criação de árvores de decisão com o cruzamento de dados, utilização de processamento de linguagem natural para identificação de padrões, automação de documentos e a utilização de todas essas tecnologias para realizar a chamada jurimetria também foram destaques do evento. Ao longo do Congresso, foram citados vários exemplos de implementação dessas tecnologias, como o CaseCrunch, a Dr. Luzia e a Lex Machina. Ainda no final do primeiro dia de congresso, foi lançado também o Instituto Brasileiro de Inteligência Artificial, composto por pesquisadores e desenvolvedores que visam produzir estudos aprofundados sobre o tema e aplicar essas novas tecnologias aos setores jurídico, financeiro, agrônomo, energético e de saúde.
Blockchain: criptomoedas, smart contracts e outras aplicações
A tecnologia que desafia os modelos tradicionais de validação de transações e de documentação também teve seu espaço garantido no I Congresso Internacional de Direito e Tecnologia. Trabalhou-se o histórico dessa tecnologia, cujas raízes se encontram na ideologia “cypherpunk”, que pregava que toda forma de centralização de poder seria abusiva e que todo governo é corrupto. Esse movimento, que surgiu na década de 80 e se fortaleceu com os avanços da criptografia da época, era calcado na ideia libertária de fim de intermediários nas transações. Dessa forma, buscava-se empoderar de fato os cidadãos, conferindo à eles mais poder sobre as suas decisões – principalmente relacionadas a transações de valores.
As exposições acerca do tema focaram-se tanto na utilização do blockchain para as criptomoedas, em especial o Bitcoin, quanto nas possibilidades de implementações para controle de fluxos de dados em geral e para os chamados smart contracts. Blockchain, devido ao seu caráter imutável e distribuído, é considerada uma tecnologia capaz de sanar problemas de confiança em instituições, além de conferir mais segurança às transações feitas através de seu banco de dados.
Em meio da crise financeira de 2008, muitas instituições financeiras caíram no descrédito perante a população. Pesquisas feitas à época apontaram que bancos e governo eram as instituições mais odiadas. Nesse cenário, surgiu o Bitcoin, uma ferramenta criada para funcionar como unidade monetária que registraria todas as transações em uma base de dados pública e auditável, a partir da tecnologia de blockchain. Desde então, criptomoedas têm ganhado cada vez mais espaço no sistema financeiro internacional, chegando a 1320 moedas diferentes com um valor total de capitalização de mercado de cerca de 320 bilhões de dólares no final de novembro de 2017.
Os smart contracts, por sua vez, consistem em programas de computador que atualizam informações de tokens localizados na base de dados do blockchain automaticamente. Em outras palavras, são contratos autoexecutáveis que, a partir da autenticação dos usuários envolvidos nas determinadas transações, realizam as operações de maneira autônoma. Dessa forma, garante-se o pagamento e o cumprimento do contrato de maneira segura e rápida. Entretanto, devido a imutabilidade do blockchain, existe o risco de se executar repetidas vezes algum comando indevido caso haja algum erro na programação do sistema. Além disso, essa característica pode prejudicar a reparação de algum dano ocorrido por eventual vício no contrato, como, por exemplo, uma autenticação feita sob ameaça.
Outra aplicação do blockchain apresentada foi a de autenticação e controle de dados. Para exemplificar essa aplicação, Gabriel Aleixo, do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro – ITS Rio, falou sobre o Mudamos, programa desenvolvido para facilitar a criação de Projetos de Lei de Iniciativa Popular. O projeto, que contou com o apoio da Open Society Foundation e do Instituto Arapyaú, utiliza da tecnologia de blockchain para facilitar tanto a criação quanto a coleta de assinaturas de projetos de lei a nível municipal, estadual e federal.
Tecnologia e o poder público
Cabe ainda ressaltar a receptividade desses debates pelo poder público, que surpreendeu grande parte dos congressistas presentes. Representantes da área de TI do Superior Tribunal Federal, do Conselho Nacional de Justiça, do Tribunal de Contas da União e do Tribunal Superior do Trabalho falaram não só da importância, desafios e perspectivas da informatização completa do judiciário brasileiro, como também do interesse de se desenvolver melhor a conexão entre inteligência artificial, blockchain e o Direito.
Em sua exposição, Rodrigo Carvalho, secretário de TI do STJ, ressaltou computação em nuvem, dados/algoritmos abertos, big data e aprendizado de máquina como tendências a serem exploradas pelos tribunais brasileiros. No mesmo painel, Wesley Vaz, do TCU, falou sobre o projeto Análise de Licitações e Editais – ALICE, que notifica auditores diariamente de todos os processos licitatórios e pregões que possuem indícios de fraude, e sobre o Sistema de Orientações sobre Fatos e Indícios para o Auditor – SOFIA, que auxilia na fiscalização de obras com informações geográficas.
Além das exposições sobre os projetos atuais e futuros de atualização nos tribunais, reforçou-se a necessidade de colaboração e de integração interna (entre os próprios tribunais) e externa (tribunais, academia e setor privado) para um real avanço tecnológico dessas instituições.
A transmissão completa dos painéis do Congresso está disponível no canal do Youtube do Tribunal Superior do Trabalho. Para mais informações sobre inteligência artificial e blockchain, acesse os outros textos que já escrevemos aqui no blog.