Geoeconomia e Tecnologia: a disputa pela vanguarda da inteligência artificial
Escrito por
Pedro Vilela Resende Gonçalves (Ver todos os posts desta autoria)
18 de fevereiro de 2019
Estudiosos do Direito Internacional, da Economia e das Relações Internacionais afirmam que o mundo se encontra em um período de transição para uma nova ordem econômica mundial, a chamada Ordem Geoeconômica. Diferente da ordem precedente, baseada numa separação entre interesses geopolíticos e interesses econômicos, a nova ordem Geoeconômica é caracterizada por uma maior convergência entre os interesses econômicos e os interesses políticos e de segurança nacional dos Estados. Em outras palavras, Estados têm usado de instrumentos econômicos (Corporações multinacionais, tratados de comércio, investimentos, crédito, entre outros) para defender interesses nacionais e produzir resultados geopolíticos benéficos para si.
Edward Luttwak, criador do termo “Geoeconomia”, descreve o processo de transição da antiga ordem econômica internacional para a nova ordem geoeconômica da seguinte forma:
“Os métodos de comércio estão substituindo os métodos militares – capital disponível substituindo poder de fogo, inovação civil substituindo avanços técnico-militares, penetração em mercados substituindo bases e guarnições militares.”
A tecnologia e a economia digital são alguns dos domínios nos quais a mudança de paradigma se mostra mais clara e evidente. Grandes potências econômicas, como Estados Unidos, China e União Européia, tem disputado uma corrida acirrada pelo domínio e pela vanguarda de algumas tecnologias consideradas vitais para seus interesses estratégicos, como Internet 5G, os semicondutores e a Inteligência Artificial. O protagonismo que essas tecnologias têm ganhado para os interesses estratégicos dos Estados é por si só uma evidência forte da emergência da ordem geoeconômica, e também um termômetro das relações geopolíticas entre as potências globais.
Estados Unidos e China: uma corrida tecnológica
Uma série de casos recentes ilustram essa relação entre a tecnologia e as crescentes tensões geopolíticas entre Estados Unidos e China, com especial ênfase para a corrente guerra comercial entre os dois países. Enquanto que na Guerra Fria as tensões entre EUA e União Soviética se originavam de movimentações de tropas ou posiconamento de mísseis, nos dias de hoje as grandes tensões entre as superpotências se originam em razão de tarifas de importação, aquisições hostis e disputas tecnológicas. A União Européia, embora venha tomando posições parcialmente alinhadas aos EUA, também tem debatido medidas cada vez mais enérgicas para garantir seus interesses econômicos, políticos e de segurança.
Os planos de Trump para IA
Em Março de 2018, o Presidente Donald Trump vetou a compra da gigante de semicondutores Qualcomm pela singapurense Broadcom, alegando justamente questões de segurança nacional. Trump havia vetado a compra de outra fabricante de chips americana por uma estatal chinesa em setembro de 2017. Em Dezembro de 2018, a Chief Financial Officer (CFO) da Huawei, uma das maiores fabricantes de celulares do mundo, foi presa no Canadá sob acusações de fraude – a Huawei teria usado uma de suas subsidiárias para violar sanções comerciais americanas contra o Irã. A Huawei é a mesma empresa condenada por FBI, CIA e NSA como perigosa para cidadãos americanos por seus laços com o governo chinês e por sua suposta capacidade de “roubar ou modificar informações maliciosamente”. A Huawei detém 15% do mercado de telefones europeu.
Dentre todas as tecnologias disputadas pelas potências, a Inteligência Artificial é provavelmente a mais relevante, em função de seu enorme potencial de disrupção econômica, social e política.
Um estudo publicado pela Boston Consulting Group mostra a China liderando com folga a corrida pelo domínio e pela vanguarda da Inteligência Artificial. O país, que traçou em 2017 um plano para se tornar líder inconteste em I.A. até 2030, já lidera em % de empresas que adotam a tecnologia para otimizar seus negócios: 32%. Os Estados Unidos vêm em segundo lugar, com 22%, muito em função do pré-existente ecossistema de inovação do país. Para reduzir o atraso, o Presidente Trump assinou em Fevereiro de 2019 uma ordem executiva que lança o plano oficial de desenvolvimento de I.A. do governo Americano. A chamada “American AI Initiative” redireciona financiamento, promove treinamento e disponibiliza recursos para pesquisadores em Inteligência Artificial, movendo a tecnologia para o topo das prioridades.
Os planos da União Europeia para inteligência artificial
A União Européia, segundo o relatório da BCG, bem como a opinião de diversos outros especialistas e entusiastas, tem ficado pra trás das outras duas potências, embora ainda permaneça um dos líderes. França e Alemanha têm taxas de adoção similares às Americanas, mas perspectivas negativas de crescimento. Um dos motivos para a liderança francesa no ramo é também justamente seu programa governamental de financiamento e promoção do desenvolvimento da tecnologia. Em 2018, o Presidente Emmanuel Macron anunciou que o Estado francês investiria $1.5 bilhões de euros (Quase 7 bilhões de reais) em inteligência artificial. O programa já tem dado certos resultado, com diversas multinacionais como Samsung, Fujitsu e Google, estabelecendo centros de desenvolvimento de Inteligência Artificial em Paris. Uma das controvérsias relacionadas ao programa, entretanto, era a forma como dinheiro público francês estaria sendo usado para qualificar profissionais franceses para trabalhar em empresas estrangeiras, principalmente americanas.
A disputa pelo hegemonia sobre a tecnologia da Inteligência Artificial é apenas mais um reflexo das disputas geoeconômicas entre grandes potências. Os próximos anos serão cruciais para a definição dos ganhadores e perdedores dessa corrida, bem como de diversas outras envolvendo diferentes tecnologias e aspectos da economia contemporânea.
As opiniões e perspectivas retratadas neste artigo pertencem a seus autores e não necessariamente refletem as políticas e posicionamentos oficiais do Instituto de Referência em Internet e Sociedade.
Escrito por
Pedro Vilela Resende Gonçalves (Ver todos os posts desta autoria)
Fundador do Instituto de Referência em Internet e Sociedade, é graduando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. É coordenador e pesquisador do Grupo de Estudos em Internet, Inovação e Propriedade Intelectual. Alumni da 2a turma da Escola de Governança da Internet do Brasil. Membro do Observatório da Juventude da Internet Society.