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Free basics, neutralidade de rede e desafios da inclusão digital no Brasil

Escrito por

12 de julho de 2016

 Lucas Costa dos Anjos e Marcos Henrique Costa Leroy

Inicialmente lançado sob o nome Internet.org, o projeto do Free Basics se pretende como ampliador do acesso à Internet pelo mundo, especialmente em países em desenvolvimento, como o Brasil. Segundo a pesquisa Tecnologias de Informação e Comunicação em Domicílios 2014 (do Comitê Gestor da Internet), 92% dos domicílios brasileiros possuem tecnologias de informação e comunicação. Apesar disso, o acesso à Internet ainda é bastante limitado, como no caso da região Norte, onde apenas 35% dos domicílios possuem acesso à Internet, enquanto essa taxa é de 60% na região Sudeste. Boa parte da inacessibilidade nas regiões menos integradas à rede se deve ao alto custo do acesso. Nesse sentido, iniciativas que promovem o acesso gratuito são extremamente relevantes.

Apesar do aumento da acessibilidade, há preocupações em relação à manutenção de padrões mínimos de neutralidade de rede no país. Em algumas jurisdições, considera-se que limitações ao tipo de conteúdo acessado pode corroborar cerceamentos à liberdade de expressão, prejudicar a livre concorrência e favorecer limitações a direitos civis importantes, considerados essenciais ao uso da Internet.

As características do Free Basics

De acordo com o site do Internet.org, essa é uma iniciativa que visa a agregar os esforços de organizações sem fins lucrativos, líderes, comunidades locais e experts em tecnologia para levar acesso à Internet a dois terços da população mundial, que ainda não está conectada. O projeto ajudaria a superar barreiras como infraestrutura, acessibilidade de custo e conhecimentos técnicos sobre o tema.

A capacidade de acesso do Free Basics é reduzida a uma versão simplificada do Facebook, com notícias selecionadas e serviços de parceiros na iniciativa. Ainda assim, apoiadores da iniciativa afirmam que essa seria uma maneira de aumentar o acesso à Internet em áreas sem serviços privados de provedores de acesso, sem iniciativas de inclusão digital pelo governo, nem mesmo interesse econômico substancial de exploração de mercado. O Facebook e seus parceiros alegam que o Free Basics aumentaria a conectividade ao redor do globo, aprimoraria a eficiência dos serviços de Internet e promoveria o desenvolvimento econômico em diversos setores, principalmente para pessoas com acesso digital limitado ou inexistente.

Esse projeto sofreu críticas em alguns países onde foi implementado, como a Índia. Considerou-se que o sistema era muito “fechado”, não permitindo um mínimo de inovação e liberdade para que usuários fizessem modificações e aprimorassem seu uso. Depois das críticas negativas na Índia, o Facebook permitiu que desenvolvedores criassem programas de computador e outros aplicativos compatíveis com o Free Basics.

O conceito de neutralidade de rede no Brasil

Neutralidade de rede é particularmente importante para que usuários se expressem livremente, protejam seus dados de ações ilegais de vigilância, identifiquem outros usuários com interesses semelhantes, entre outros aspectos. Ela também contribui para a competição livre de empreendedores online, sem discriminação e barreiras à entrada de novas empresas, nem o monopólio de mercados. Além disso, o conceito de acessibilidade é importante para a superação de déficits democráticos, ao prover cidadãos com mais informações sobre seus direitos, prerrogativas, meios de associação e protesto, etc.

No Marco Civil da Internet, a neutralidade está presente em seu artigo 9º, que prevê a discriminação de tráfego online apenas em casos excepcionais. Pacotes de dados não podem ser discriminados em razão de conteúdo, origem, destino, tipo de serviço, ou aplicação. O Decreto nº 8.771, de 2016, que regulamenta o Marco Civil, também explora a necessidade de preservar a neutralidade de rede no país. Segundo esse decreto, “a discriminação ou a degradação de tráfego são medidas excepcionais, na medida em que somente poderão decorrer de requisitos técnicos indispensáveis à prestação adequada de serviços e aplicações ou da priorização de serviços de emergência” (Art. 4º).

No caso do Free Basics no Brasil, o acesso à Internet se daria pelo viés gratuito para as pessoas que não possuem acesso a Internet. Contudo, elas estariam condicionadas ao conteúdo disponibilizado pelo Facebook, promovendo um acesso limitado à Internet, o que impede obtenção de informações por outros meios internos digitais e fere o princípio da neutralidade de rede – tendo que refletir sobre as vantagens do investimento em um política de alto valor, com grande possibilidade de desenvolvimento da região e pouco interesse governamental, dos provedores e de empresa em contrapartida dessa possível limitação de liberdade de expressão, direitos civis e problemas econômicos-consumeristas, que veremos a seguir.

Impactos no contexto econômico

A plataforma Free Basics tem como seu principal alvo as pessoas que vivem em locais de difícil acesso e de pouca ou inexistente conectividade com a Internet. A promoção dessa política econômica e social atingiria um mercado livre e aberto, cuja sociedade não possui, ou se possui escassos, meios de acesso ou de conteúdo informacional sobre o funcionamento, direitos e deveres no ambiente digital. Assim, o espectro dessa ferramenta do Facebook tende a criar, a partir de um conjunto de fatores, um mercado altamente concentrado, portanto, tendente ao monopólio da empresa.

Isso porque, primeiramente, não há barreiras de regulamentação à sua entrada, ou seja, não há impedimentos ou dificultadores para a implementação da prática, seja por lei ou qualquer outro controle governamental. Essa nova forma de acesso a Internet, que também é uma atividade comercial mesmo que gratuita, possui baixo controle e limitação por parte do aparato estatal, principalmente em termos de especificidade legislativa.

Também refere-se ao Marco Civil da Internet para observar que, em consonância com a Constituição Federal, essa Lei tem como objetivo a promoção do direito de acesso a todos a Internet, garantindo direitos e deveres no seu uso e diretrizes de políticas para os entes federados. Nesse último ponto, cabem a eles a promoção da expansão e uso da Internet no Brasil com a otimização da infraestrutura de redes sem prejuízo à abertura, à neutralidade e à natureza participativa (vide artigo 24 incisos II e VII). Isso mostra que a nova ideia do Facebook atingiria o que é previsto como uma política governamental, tendo esta pouca margem para balizas em termos de um acesso restrito à Internet, indo na contramão das premissas do Free Basics.

Em seguida, apesar de não haver barreiras por meio da regulamentação, o capital financeiro despendido para bancar um projeto de tamanha magnitude e pouca rentabilidade direta afasta de forma expressiva qualquer possibilidade de rivalidade contra o Free Basics. Isso, porque não haveria produtos substitutivos para o mercado consumidor (mercado relevante material restrito); atingiria um mercado relevante geográfico amplo e de difícil acesso; e com o pouco interesse rentável de provedoras de Internet a longo prazo, e ao não se vislumbrar, nem mesmo em escala global, outra empresa com projetos que poderiam gerar concorrência, criaria um mercado relevante temporal de difícil alteração.

Essa forma de estruturação complexa e inicialmente muito onerosa envolvida nessa plataforma gera forte poder econômico a empresa devido a sua grande participação no mercado e a um poder dominante pela falta de rivalidade. O Free Basics, contudo, deve ser analisado sopesando sua eficiência devido sua inteligente economia de escala e escopo que garantiria um panorama benéfico ao consumidor, principalmente pelo oferecimento de conteúdo de forma gratuita.

Em uma análise mais objetiva, observa-se, por exemplo, que a região norte no Brasil possui grande defasagem de acesso a Internet comparada as outras regiões pela falta de disponibilidade do serviço na área (que também é muito impactante na área rural) e até mesmo por questões de segurança, privacidade e contato com conteúdo perigoso conforme pesquisa TIC Domicílio de Proporção de Domicílios Sem Acesso à Internet, por Motivos para a Falta de Internet.

Deve-se ressaltar que o Facebook, apesar de demonstrar a existência de um interesse social nessa iniciativa, vai obter algo de grande interesse na era digital: dados pessoais. Em razão disso, uma informação anteriormente indisponível na Internet terá uma ou poucas empresas com acesso a seu conteúdo, dando novas possibilidades e atingindo em larga escala o mercado de “data” digital, mas estaria minando o ambiente concorrencial e promovendo o monopólio.

Por isso, ao refletir sobre esses aspectos relatados, deve-se pautar pelo interesse do consumidor em ter acesso, principalmente levando em consideração a precariedade ou inexistência de outra forma de acesso, com a busca de um mercado de concorrência que garanta uma competição entre diferentes agentes econômicos no futuro para que haja meios de informação diferentes dentro da Internet e evitar dois tipos de falhas de mercados.

Assim, a promoção da conectividade e a geração de desenvolvimento econômico e social nas áreas sem acesso digital é algo a ser buscado e protegido por todos, mas deve-se nutrir de um acesso que de fato garanta liberdade de expressão e bem-estar consumerista futuro para que não haja deturpação de um projeto de grande impacto social em um produto exclusivamente financeiro e mercadologicamente usurpável. Portanto, deve-se procurar fomentar o livre acesso que suscite o crescimento da região e integração das pessoas ao importante novo modelo de relação econômica e social: a Internet.

Sobre os autores

Lucas Costa dos Anjos é mestre e bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com formação complementar pela Baylor University School of Law. Especialista em Direito Internacional pelo Centro de Direito Internacional (CEDIN). Bolsista CAPES e membro do Grupo de Estudos Internacionais de Propriedade Intelectual, Internet e Inovação (GNet).

Marcos Henrique Costa Leroy é bacharelando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Pesquisador do Grupo de Pesquisa em Direito Econômico (GPDE) e do Grupo de Estudos Internacionais em Internet, Inovação e Propriedade Intelectual (GNet), ambos da FDUFMG. Estudou na Université de Lille II – Droit na França temas como Direito Autoral, Analise Econômica do Direito e Análise Econômica do Crime e Delito.

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