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É preciso harmonia na regulação da internet

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11 de maio de 2020

Com teleconferências de trabalho, novos formatos de aulas, happy hours digitais, shows via live, a internet vem se mostrando – a quem tem acesso – uma grande ferramenta de resiliência. Para preservá-la com esse potencial, entretanto, iniciativas que buscam regulá-la ou usá-la para resolver problemas nesse “novo normal” devem respeitar sua tônica de funcionamento: a harmonia.

Mais importante que nunca 

Acesso à internet passou a significar, para muitos de nós, poder trabalhar, ter contato com a humanidade, fazer compras, utilizar diversos serviços. Nesse momento, em que estar fisicamente junto com seu círculo social é um risco, as formas de interação virtual que vão além de curtidas, compartilhamentos de memes ou comentários ganham mais espaço.

Também têm sido por meio da internet algumas das demonstrações de nosso potencial enquanto humanos para, apesar das adversidades, construirmos juntos. Ainda que não no mesmo espaço físico, diversos artistas, orquestras, especialistas, têm usado esse meio de comunicação para entrevistas, shows, apresentações conjuntas.

Por ser atualmente um meio mais seguro para interações sociais, para nos informarmos e conectarmos com o mundo, além de ser uma importante fonte de motivação e sentimento de pertencimento durante uma situação de isolamento, a internet está no centro da rotina pós-pandemia. 

O acesso à internet é direito fundamental e a exclusão digital já priva normalmente sujeitos de acessar diversas outras garantias, mas na pandemia ocorre um desamparo ainda maior. Entretanto, para quem não está no quadro de vulnerabilidades da falta de acesso, o uso repentino da internet em muitas tarefas cotidianas, e sem alternativa, também leva a maior suscetibilidade aos riscos que ela traz.

Na mira dos reguladores

A essencialidade da internet para atividades e situações nas quais antes ela era apenas uma alternativa também revela que as pessoas conectadas não estão exatamente amparadas ao usar essas soluções tecnológicas. 

Podemos listar muitas potenciais violações a direitos que se agravam com o intenso uso repentino da internet. Serviços de videoconferência em destaque tendo suas vulnerabilidades exploradas, dando acesso a câmeras e microfones e ameaçando a privacidade de usuários; cadastros fraudulentos se fazendo passar por entidades governamentais, coletando dados pessoais de população em situação de vulnerabilidade; promessas de curas, vacinas e métodos não comprovados de imunização sendo patrocinados com fins comerciais, promovendo a desinformação. Também emergem propostas de parcerias entre serviços que coletam dados e instituições governamentais que lidam com a crise da pandemia, e pressões pelo adiamento da implementação de medidas de proteção de dados, alegando seu alto custo frente às adversidades econômicas desencadeadas pelo cenário do isolamento.

Com tudo isso, reguladores e instituições governamentais têm voltado olhares à internet. Por um lado, emergem durante a pandemia propostas que buscam aliar estratégias governamentais a serviços digitais, alinhadas a um solucionismo tecnológico que talvez desconsidere as barreiras estruturais a esse caminho (como, por exemplo, a estratégia de governo digital, publicada no Decreto 10.322, em 29 de abril de 2020); por outro, propostas que reconhecem problemas trazidos pelo uso massificado, como a desinformação, e tentam conter os riscos de maneira criativa, reformulando localmente os padrões legais sobre certos atores da internet (como os projetos de lei PLC 1.429/2020 e PLS 1.358/2020, sobre desinformação).

Abrir mão de um sistema de proteção de dados efetivo, além de expor todos nós aos perigos do capitalismo de vigilância, pode excluir o Brasil da rota de serviços e transações com agentes europeus e outras potências que valorizam esse direito. Atribuir responsabilidades excessivas a intermediários de internet pode levá-los a adotar medidas proativas que mimetizam a censura para evitar perdas econômicas de serem responsabilizados judicialmente pelo conteúdo que trafega em seus meios, negociando direitos dos usuários.

Cada uma das iniciativas pode nos levar a maior ou menor coerência com a harmonização entre padrões locais e tônica global requerida pela internet, e portanto a uma maior ou menor possibilidade de seguir usufruindo dessa conectividade em todo o seu potencial. 

Harmonia

Eventos como o “One World: together at home”, em que vemos membros dos Rolling Stones, ou artistas em uma orquestra, tocando online, cada um em suas casas, um instrumento, mostram algo importante. Para que o objetivo seja alcançado e a música seja ouvida pelo público, existe uma coordenação, em que todos os artistas que irão tocá-la combinam que música será e agem de forma conjunta.

Desses episódios que nos inspiram e renovam os ânimos, também podemos aprender a importância de, quando trabalhando na construção de algo em comum, ter harmonia. A internet talvez seja uma das estruturas de comunicação que mais desafia nossa capacidade de coordenação, pois ela não pode ser pensada de forma segmentada por cidades, por estados, ou mesmo por países. Sua existência como a ferramenta de interconexão e de comunicação depende de contínuos esforços de diálogo entre os atores regulatórios e sua coordenação com parâmetros internacionais. Mais do que nunca, é essencial que estejamos juntos, ainda que distantes, mesmo nas iniciativas regulatórias.

Para entender mais sobre esse cenário regulatório e como funciona a governança da internet, veja este nosso post sobre o Internet Governance Forum (IGF).

As opiniões e perspectivas retratadas neste artigo pertencem a seu autor e não necessariamente refletem as políticas e posicionamentos oficiais do Instituto de Referência em Internet e Sociedade.

Ilustração por Freepik Stories

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Coordenadora de Pesquisa e pesquisadora no Instituto de Referência em Internet e Sociedade (IRIS), Doutoranda em Direito na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Mestra em Direito da Sociedade de Informação e Propriedade Intelectual pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Graduada em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

Membro dos grupos de pesquisa Governo eletrônico, inclusão digital e sociedade do conhecimento (Egov) e Núcleo de Direito Informacional (NUDI), com pesquisa em andamento desde 2010.

Interesses: sociedade informacional, direito e internet, governo eletrônico, governança da internet, acesso à informação. Advogada.

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