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Direito tributário e internet

Escrito por

20 de junho de 2016

Anna Flávia Moreira e Flaviano de Oliveira

O direito incide sobre os fatos sociais e, se os fatos sociais mudam, o direito também precisa se adequar a eles para manter sua relação de eficácia sobre os novos horizontes da realidade. Nesse sentido, a sociedade em rede, baseada no paradigma econômico-tecnológico da informação, traduz-se não apenas em novas práticas sociais, mas também em alterações da própria vivência do espaço e do tempo como parâmetros da experiência social.

Por essa razão, a passagem dos meios de comunicação de massa tradicionais para um sistema de redes horizontais organizadas em torno da internet e da comunicação sem fio introduziu uma transformação cultural fundamental à medida que a virtualidade se tornou uma dimensão essencial da nossa realidade, como ressalta o professor coordenador do Núcleo de Estudos Fiscais da FGV, Eurico Marcos Diniz de Santi.

Pela combinação do novo paradigma tecnológico da informação (sociedade em rede) e o conhecimento teórico e prático produzido e acumulado, tem-se incalculáveis mudanças operadas no direito, inclusive na dogmática do Direito Tributário.

Questões práticas

Com o advento da internet, surgem novas plataformas que influenciam o Direito Tributário, fato que se constata pela interação desse ramo com a tecnologia da informação, com o sistema bancário e com as administradoras de cartões de crédito que fornecem dados sobre o contribuinte. O Sistema Público de Escrituração Digital (Sped), por exemplo, é espelho da realidade dentro de um grande sistema compartilhado por União, Estados e Municípios.

No mesmo sentido, essas novas plataformas abrem o debate para a análise de questões práticas, como a recente discussão sobre o impacto das novas regras para o recolhimento do ICMS sobre o comércio eletrônico. Além dessa, mostra-se válida também a discussão sobre a tributação da cloud computing, decorrente da necessidade de tributar uma atividade que surgira de forma assustadoramente rápida e que gerou grande quantidade de riqueza, bem como externalidades de diversas ordens.

A partir dessa nova realidade, portanto, deve-se repensar as relações de tributação e democracia, especialmente pela quantidade e qualidade de informações e obrigações acessórias que estão em posse do Fisco, em decorrência do novo paradigma tecnológico da informação.

Implicações do novo ICMS sobre o comércio eletrônico

Para aprofundar o debate, toma-se a Emenda Constitucional nº 87, de abril de 2015, que alterou a sistemática de incidência do ICMS nas vendas de mercadorias e nas prestações de serviços a consumidores finais localizados em outros Estados. Essa nova regra do ICMS afeta transações não presenciais feitas por telefone ou pela internet entre vendedores ou prestadores de serviços e consumidores ou tomadores de serviços de entes federativos diferentes.

A medida decorre da explosão do comércio eletrônico pelo Brasil. Antes da EC 87/2015, o Estado de residência do comprador, ou de destino da mercadoria, não tinha qualquer participação no imposto cobrado, beneficiando as unidades da Federação mais desenvolvidas. A Emenda surgiu, então, para corrigir uma distorção tributária que permitia o recolhimento de todo o ICMS somente pelo Estado onde está a sede da loja virtual, com a pretensão de repartir o imposto recolhido, gradativamente, com o Estado de destino da venda do produto ou da prestação do serviço.

Desse modo, ela garante a divisão da arrecadação do ICMS entre os Estados remetente e destinatário, cobrado sobre produtos e serviços adquiridos à distância, pela internet e por telefone. Trata-se, por essa razão, de uma tentativa de compensar Estados que não sediam centros de distribuição, mais concentrados nas regiões Sul e Sudeste do país.

Na prática, a complexidade gerada pela EC 87/2015 tem como consequências o aumento do custo e do tempo gastos com a contabilidade das empresas e um maior número de erros contábeis e fiscais, que por sua vez acarretam mais autuações por parte do Fisco. Consequentemente, aumenta o número de contenciosos administrativo-judiciais entre contribuintes e a Fazenda.

A Emenda Constitucional tornou ainda mais complexo o manejo do imposto que já é conhecido pela sua complexidade de apuração. Por essa razão, a Confederação Nacional do Comércio (CNC), o Sebrae e as instituições ligadas ao comércio eletrônico recorreram ao STF contra a Emenda Constitucional que alterou a cobrança do ICMS nas vendas interestaduais para e-commerces. O Supremo, inclusive, concedeu liminar que suspende determinados efeitos da EC/87. A principal queixa das lojas virtuais que vendem para outros Estados, cuja rotina fora alterada pela nova regra do ICMS, reside na ampliação da carga tributária e, sobretudo, na burocracia em negócios optantes pelo Simples Nacional.

Tratamento tributário da computação em nuvem

Já em relação ao tratamento tributário da cloud computing – tecnologia que permite ao usuário executar programas, trabalhar variados arquivos e ter acesso a diversos tipos de informação sem necessidade de manter nenhum desses itens guardados na memória do próprio computador –, tem-se uma incógnita para tributaristas e economistas pelo mundo. A cloud computing, ou computação em nuvem, permite o acesso a uma gama de recursos configuráveis de computação (redes, servidores, plataformas de armazenamento, aplicações e serviços).

Sendo assim, o usuário acessa seus arquivos remotamente, na “nuvem”, embora, na verdade, esses dados estejam todos alocados em discos rígidos em algum lugar do planeta – na maioria das vezes, fracionados entre discos rígidos instalados em diversas localidades. O que interessa ressaltar, para o propósito deste curso, é que o Fisco e os contribuintes brasileiros estão atentos e curiosos sobre o melhor tratamento tributário a ser dado a essa tecnologia.

A partir do conjunto de tributos e obrigações acessórias que compõem o sistema tributário brasileiro, a forma mais adequada parece ser taxar a atividade por meio do ISSQN. O Imposto Sobre Serviços, de competência municipal, incide, como o próprio nome já diz, sobre a prestação de serviços de qualquer natureza, sejam eles fornecidos ou usufruídos dentro do território nacional, ou mesmo que sua prestação seja proveniente do exterior ou lá tenha sido iniciada.

Simples seria, portanto, adequar os serviços prestados por meio da tecnologia de computação em nuvem ao escopo de incidência do ISS não fosse o art. 1º da LC 116/2003, que dispõe sobre o imposto. A lei deixa clara a necessidade de constar da lista a ela anexa a hipótese fática sobre a qual se pretende cobrar o Imposto Sobre Serviços, mas não há previsão para a cobrança sobre serviços disponibilizados “em nuvem”. A dificuldade na escolha do ISS como meio para taxar a atividade nem entra na seara da discussão sobre se as atividades trabalhadas com cloud computing reúnem ou não características próprias de uma prestação de serviço, simplesmente porque a atividade nem mesmo consta da lista anexa à LC 116/2003.

Sobre os autores

Anna Flávia Moreira Silva é aluna de graduação em Direito na Universidade Federal de Minas Gerais e atuante no grupo de pesquisa e estudos internacionais em Internet, Inovação e Propriedade Intelectual (GNet). Tem como áreas de atuação e interesse em pesquisa: Direito Financeiro e Tributário, Direito Internacional Privado, Direito da Internet.

Flaviano de Oliveira Santos Neto é aluno de graduação em Direito na Universidade Federal de Minas Gerais e participante do Grupo de Estudos em Processo Tributário. Tem como áreas de atuação e interesse em pesquisa: Direito Tributário, Financeiro, Societário e Direito da Internet.

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