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Carros Autônomos: Desafios e Perspectivas

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15 de abril de 2017

Uma das tecnologias mais promissoras e potencialmente disruptivas desta década é a dos carros autônomos, ou carros auto-dirigíveis. Notícias a respeito de inovações, dilemas éticos ou mesmo dos primeiros acidentes envolvendo carros autônomos permeiam a mídia especializada. A Gartner Inc., empresa de consultoria em tecnologia da informação que desenvolve relatórios anuais sobre tendências e novas tecnologias, atualmente situa os carros autônomos na crista de seu gráfico de hype para inovações emergentes.

Um carro autônomo é um veículo capaz de identificar o ambiente à sua volta e navegar por ele sem qualquer input humano. Embora os primeiros experimentos envolvendo automação de veículos tenham se iniciado ainda na década de 80, foi só na década de 2010 que investimentos na tecnologia realmente se alavancaram, impulsionados por avanços na eficiência de sistemas de navegação, sensores e acesso à Internet.

Os carros autônomos são creditados como detentores de um grande potencial para reduzir acidentes de trânsito e congestionamentos e de aumentar o acesso ao transporte individualizado para classes baixas, idosos e crianças. Combinados com outras tecnologias emergentes como Internet das Coisas e Blockchains, os carros autônomos pouco a pouco se revelam como uma grande promessa da nova economia e da economia de compartilhamento.

A tecnologia também traz consigo desafios e dificuldades. Questões regulatórias, de segurança dos sistemas e de transparência dos algoritmos (Algorithm accountability) estão entre as principais menções. Assim como em todo setor possivelmente afetado por Inteligência Artificial, persiste uma preocupação a respeito do impacto de carros autônomos no mercado de trabalho: o setor de transportes de cargas e de pessoas é um dos que mais emprega no Brasil e no mundo, e a pressão econômica para que empregados humanos sejam substituídos por autômatos é muito grande.

Legislação

O Brasil não possui qualquer legislação que trate especificamente de carros autônomos, e sua legislação existente em relação a normas de trânsito tradicionais deixa dúvidas e controvérsias sobre a legalidade desta inovação. O Art. 28 do Código de Trânsito Brasileiro, por exemplo, estabelece que “o condutor deverá, a todo momento, ter domínio de seu veículo […]”. A interpretação do dispositivo e suas implicações para a legalidade dos carros auto-dirigíveis no Brasil deve ser discutida com maior profundidade e as possibilidades de uma reforma legislativa ou de uma legislação própria para carros autônomos não podem ser descartadas.

No entanto, uma alternativa é a Convenção de Viena sobre Trânsito Viário, da qual o Brasil é signatário, e que contém normas e padrões internacionais de trânsito. A Convenção recebeu recentemente uma emenda que permite a utilização de tecnologias de direção autônoma, além de eliminar restrições anteriores a piloto automático em velocidades maiores. Uma análise mais profunda sobre a questão é necessária.

Nos Estados Unidos, o estado de Nevada foi o primeiro a ter legislação especificamente direcionada à regulação dos carros autônomos. Seguiram-se então os estados da Califórnia, Flórida, Michigan, Havaí, Washington, Tennessee e o Distrito de Columbia. O Departamento de Transporte Americano também emitiu normas e padrões técnicos de segurança que ajudaram a trazer segurança jurídica e impedir o entrave da inovação no setor.

A legislação pioneira de Nevada chama atenção pelas definições adotadas e pela exigência de uma licença específica para o uso de carros autônomos. A lei define um carro autônomo como “qualquer veículo motor que use de inteligência artificial, sensores e coordenadas de GPS para se auto-dirigir sem a intervenção ativa de um operador humano” e define “Inteligência Artificial” como o “uso de computadores e equipamentos relacionados para permitir que uma máquina duplique ou imite o comportamento de seres humanos”. Estabelece também que o uso de um carro autônomo depende de um endosso específico para a carteira de motorista do operador, mesmo que o licenciado não vá ativamente operar o carro de qualquer maneira. Permanece incerto, então, se uma criança ou indivíduo sem carteira poderia utilizar, sozinho, um carro autônomo neste estado.

Seguindo os estados americanos, os governos do Reino Unido, França, Suíça e Cingapura adotaram legislações específicas para permitir o uso ou testes de carros autônomos em seus territórios. Este último país pretende iniciar testes de um sistema de táxis autônomos ainda em 2017.

Dilemas e problemas dos Carros Autônomos

O advento da tecnologia dos carros autônomos trouxe consigo notórios dilemas éticos, principalmente no que diz respeito à responsabilidade moral, penal ou material por eventuais acidentes. Um dos maiores dilemas envolve a decisão pela qual o carro autônomo deve ser programado para fazer num eventual contexto onde um acidente é inevitável: se deve favorecer a vida de seus passageiros ou de pedestres, por exemplo.

A discussão filosófica e moral envolvida nesta questão é virtualmente inesgotável, principalmente por lidar com um cenário muito específico e até mesmo altamente improvável. A principal vantagem dos carros autônomos é justamente de não incorrerem nos mesmos erros e defeitos de um condutor humano tais quais condução egoísta, lentidão de reflexos, violação de normas de segurança, sono e embriaguez. Alguns carros autônomos, como os da Tesla Motors, por exemplo, são capazes não apenas de evitar mas também de prever acidentes antes mesmo que aconteçam, para então tomarem as precauções necessárias com uma velocidade que os reflexos humanos simplesmente são capazes de igualar.

Quaisquer decisões morais não precisam, todavia, ser feitas pelo fabricante do carro ou pelo desenvolvedor do código: elas podem ser relegadas ao consumidor final, que optaria por uma ou outra decisão em uma pré-configuração do veículo antes de seu primeiro uso. A criação de seguros obrigatórios como solução paliativa material para casos como este também foi proposta.

Outra grande preocupação é a da segurança cibernética dos veículos. Assim como a Internet das Coisas, os carros autônomos inauguram novas possibilidades de realização de crimes e de outras condutas maliciosas através da invasão e comprometimento de seus sistemas. A vulnerabilidade desses sistemas, por uma negligência à segurança do código desde sua arquitetura, tem sido frequentemente mencionada. Experimentos com carros não-autônomos mas que já possuem algum nível de controle digital e que são conectados de alguma a Internet deixam claro os potenciais danos causados por agentes maliciosos capazes de se infiltrar nesses sistemas.

Uma outra grande preocupação é com o impacto no Mercado de Trabalho. No Brasil, o setor de transportes emprega quase 4 milhões de trabalhadores, cerca de 5% do total. A ampla adoção de tecnologias de automação tem um enorme potencial para criar ondas de desempregados da noite para o dia, causando impactos na estabilidade social e no mercado de trabalho impossíveis de serem previstos ou mesmo evitados.

Conclusão

Os desafios regulatórios, éticos e sociais da inteligência artificial, e não apenas seus benefícios, serão o centro das atenções na próxima década. Os carros autônomos serão apenas a vanguarda deste novo campo da tecnologia e do impacto disruptivo que poderão causar. O papel do regulador é vital não apenas para minimizar quaisquer danos causados mas também para garantir que a inovação não seja impedida por limitações jurídicas desnecessárias. Uma discussão sobre políticas públicas para carros autônomos deve se pautar sobre o princípio de permissionless innovation e de regulação ex post.

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Fundador do Instituto de Referência em Internet e Sociedade, é graduando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. É coordenador e pesquisador do Grupo de Estudos em Internet, Inovação e Propriedade Intelectual. Alumni da 2a turma da Escola de Governança da Internet do Brasil. Membro do Observatório da Juventude da Internet Society.

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1 comentário

  • Lahis says:

    Lendo o seu texto, na parte sobre a falta de regulamentação para carros autônomos e licenças para dirigir, fiquei me perguntando como ficam esses carros que fazem baliza automática (ou seja, você posiciona ao lado da vaga e ele estaciona sozinho), já usados aqui no Brasil. Mesmo sendo bem limitada a capacidade do computador, seriam eles um tipo de carro misto? Será que podem ser hackeados de alguma forma? Houve alguma discussão regulatória quando eles começaram a ser produzidos?

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