A violência de gênero por trás da tela e na palma da mão: a continuação dos abusos contra meninas e mulheres na esfera digital
Escrito por
Juliana Roman (Ver todos os posts desta autoria)
9 de outubro de 2023
Nos dias de hoje, todas as pessoas que têm suas informações disponibilizadas no ciberespaço são vítimas potenciais. O vazamento de dados pessoais pode acontecer de diferentes maneiras, por exemplo, quando informações são indevidamente acessadas, coletadas e divulgadas na internet, ou repassadas a terceiros.
No entanto, o público feminino, devido à falta de igualdade de gênero ao redor do globo, torna-se um grupo ainda mais vulnerável diante de ataques e ameaças no ambiente online. A violência e abuso psicológico online contra as mulheres são uma continuação da violência diária que acontece fora da internet, sendo capaz de causar danos com a velocidade de um clique numa rede de impacto global. Vamos descobrir mais informações sobre práticas abusivas contra meninas e mulheres no ambiente digital? Siga a leitura!
Dados sobre abusos contra meninas e mulheres na esfera digital
De acordo com o estudo, Além do Cyberbullying.: A Violência Real Do Mundo Virtual, a principal violência que mulheres e meninas sofrem em ambientes digitais é o assédio nas interações virtuais (38%) e, na sequência, as ameaças de vazamento de imagens íntimas (24%). Para investigar a violência de gênero na internet, os responsáveis pela pesquisa analisaram mais de 286 mil vídeos, 154 mil menções, comentários e reações na forma de curtidas, compartilhamentos e repercussões que ocorreram em ambientes digitais, e mais de 164 mil postagens de notícias sobre o tema.
O levantamento identificou três formas de propagação de violência no ambiente digital. A descentralizada, que é a violência cometida diariamente contra mulheres e meninas. A ordenada, que ocorre a partir de grupos organizados de ataques, humilhações e exposições. Além da que resulta do ato de compartilhar conteúdos íntimos sem o consentimento ou a autorização dos envolvidos. Os pesquisadores observaram que as formas mais comuns de propagação de violências contra meninas e mulheres na internet são o assédio, o vazamento de nudes, a perseguição/stalking e o registro de imagens sem consentimento.
Formas de violência de gênero online
Para que estejamos protegidas no ambiente digital, precisamos saber a quais riscos estamos expostas. Muitas das práticas criminosas que afetam mulheres e meninas na internet são denominadas em língua inglesa, o que dificulta a população brasileira o entendimento sobre os seus significados e impactos. A seguir, vamos conhecer as principais formas de violência de gênero online:
Cyberstalking: configura-se como a perseguição e/ou ameaça repetitiva contra uma pessoa através da internet, seja a partir de aplicativos de mensagens ou redes sociais. O stalker, ou perseguidor, pode ou não ser uma pessoa conhecida da vítima. Esta prática pode causar sérias consequências físicas e psicológicas às vítimas.
Doxing: o agressor publica ou transmite dados pessoais ou identificáveis da pessoa, como nome completo, CPF, contato pessoal, endereço e, em alguns casos, são compartilhadas informações de amigos e familiares próximos à vítima. Os dados são adquiridos através de redes sociais ou banco de dados online e tem o objetivo de extorquir, constranger ou intimidar a vítima.
Revenge Porn: crime praticado através da exibição pública de imagens íntimas, fotos ou vídeos de terceiros de forma não consentida – ainda que as imagens tenham sido captadas com o consentimento da vítima. As imagens também podem ser obtidas a partir da invasão das contas da vítima em redes sociais.
Sextortion: configura-se como um tipo de extorsão em que o agressor ameaça compartilhar ou publicar material privado e sensível, a menos que a vítima envie imagens sexualmente explícitas, conceda favores sexuais ou ofereça quantia em dinheiro.
Slutshamming: fenômeno em que as mulheres são classificadas de forma pejorativa quando se comportam fora de um modelo considerado “aceitável”. Isso se aplica ao modo de vestir, ao comportamento ou à aparência física. As críticas constantes prejudicam a sanidade psicológica da vítima, afetando o seu bem-estar emocional, sua autoestima e sua liberdade de expressão.
O que diz a legislação?
No contexto legal, existem algumas legislações que podem ser aplicadas à temática, como o:
1) Marco Civil da Internet, que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil;
2) Lei Carolina Dieckmann, que diz respeito à invasão de dispositivos;
3) a Lei Lola, de investigação de crimes que indiquem a desqualificação de mulheres e discursos de ódio;
4) Lei 13.718/18, reconhecida por tipificar cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável e a previsão de aumento de pena se o crime for motivado por “pornografia de vingança” (ou revenge porn).
No entanto, importa ressaltar que a violência de gênero é algo que está atrelado à mentalidade da sociedade. Por isso, o fato da legislação ser manuseada por profissionais de diferentes áreas do sistema de justiça, sem que haja reconhecimento das raízes culturais da violência de gênero, pode ocasionar falha na interpretação e até mesmo uma nova violação às pessoas envolvidas.
Reconhecer, identificar e combater a violência de gênero
A internet e as redes sociais também são utilizadas para promover a violência de gênero, afetando milhares de mulheres, de diferentes faixas etárias, ao redor do globo.
Estimativas da Organização das Nações Unidas (ONU) indicam que 95% de todas as ações agressivas e difamadoras na internet têm as mulheres como alvos. É de extrema importância que mulheres reconheçam, identifiquem e saibam como agir para combater a violência nas redes, propiciando o debate e as denúncias de abusos e violência digital.
As opiniões e perspectivas retratadas neste artigo pertencem a seu autor e não necessariamente refletem as políticas e posicionamentos oficiais do Instituto de Referência em Internet e Sociedade.
Escrito por
Juliana Roman (Ver todos os posts desta autoria)
Líder de pesquisa em proteção de dados pessoais e pesquisadora no Instituto de Referência em Internet e Sociedade (IRIS). Mestre em Direito pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS 2022), vinculado ao Centro de Estudos Europeus e Alemães (CDEA). Realizou pesquisa de campo em Amsterdam, Holanda, durante o Mestrado para fundamentar estudo comparado realizado na dissertação. Especialização em Direito do Consumidor pelo Centro de Direito do Consumo (CDC) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (UC 2021). Pós-graduação (lato sensu) em Direito Digital na Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP 2021). Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS 2019). Colaboradora no projeto de pesquisa “Proteção de Dados Pessoais nas Américas”, idealizado em parceria pelo Grupo de Pesquisa CNPq “Observatórios da Lei Geral de Proteção de Dados e do Marco Civil da Internet”, vinculado a Universidade de São Paulo (USP), e pelo Grupo de Pesquisa CNPq “Mercosul, Direito do Consumidor e Globalização”, vinculado a UFRGS. Realizou período de mobilidade internacional na Universidad Internacional de Cataluña, Barcelona, Espanha (UIC 2017). Durante a graduação, realizou período de estudo de língua estrangeira em Vancouver, Canadá. Foi bolsista de iniciação científica do Programa de Bolsa Pesquisa – BPA (PUCRS 2016-2018). Prestou serviços de assessoria jurídica voluntária no Serviço de Assessoria Jurídica Universitária (SAJU UFRGS) – Direito do Consumidor (G7) – durante os anos de 2019 e 2022. Atua e pesquisa nas áreas de proteção de dados pessoais e privacidade, Direito da Informática, criptografia, Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) e Direito do Consumidor.