A reinvenção da advocacia e administração da justiça
Escrito por
Thiago Costa (Ver todos os posts desta autoria)
16 de dezembro de 2019
Advogados são indispensáveis à administração da Justiça. Este princípio, encontrado nas mais diversas legislações ao redor do mundo ainda que de forma mais ou menos explícita, costuma balizar as ações e justificar a necessidade dos advogados. Porém, ainda que seja esta uma garantia ao exercício da profissão, aquele princípio deriva de uma das mais admiráveis funções em uma democracia: a de propiciar e garantir a defesa das liberdades públicas de todo e qualquer cidadão.
Contudo, nestes tempos em que alguns afirmam com veemência o fim dos advogados, estaria próximo também o fim da garantia ao exercício da Justiça? Em um momento no qual se afirma que o exercício da advocacia será substituído por robôs, a quem caberá o oficio da administração da Justiça?
Reinventar é preciso!
Não é necessário ser um especialista em transformações digitais para afirmarmos com total certeza que, em relação à advocacia tradicional, em até bem pouco tempo encontrávamos senhoras e senhores bem vestidos, austeros, sentados em cadeiras confortáveis quase como tronos monárquicos e então ditos donos da verdade, sempre cercados por livros empoeirados e pilhas de processos, esta sim já goza do estado de extinção.
Por outro lado, aos escritórios e advogados corporativos caberá a sublime tarefa da reinvenção. Quase que por seleção natural, aqueles que conseguirem se adaptar e buscar a conformidade legal e ética das suas já históricas características em conjunto com as novas habilidades cognitivas, comportamentais e aquelas impostas por novos e revolucionários sistemas trazidos pela revolução 4.0 – e com ela fusão dos mundos físico, digital e biológico -, estes sim sobreviverão. Da mesma forma, aqueles que negarem ou se atrasarem a se reinventar se perderão em meio à poeira dos seus vade-mécuns.
Ao contrário do que se via há pouco, e assim como acontecem com pacientes que predizem diagnóstico antes mesmo da análise dos seus casos pelos profissionais da saúde, mesmo as mais simples ferramentas de buscas garantem a qualquer um a antecipação não apenas da análise dos seus casos jurídicos, mas até mesmo das suas sentenças. Ou seja, basta “dar um Google” para que qualquer um subitamente se transforme em rábula e seus processos tenham chance de êxito quase inapeláveis, graças à análise imediata das jurisprudências por meio de robôs, na maioria das vezes de forma gratuita.
Novas e Necessárias Formas de Trabalho
É inegável que serviços padronizados que não necessitam de grande esforço técnico ou intelectual – os quais eram comumente terceirizados para profissionais em início de carreira – serão transferidos a sistemas operacionais que, customizados, poderão a chegar a análises impensáveis para um grupo infinito de profissionais, até mesmo para os mais experientes. Não estamos falando apenas de ferramentas de jurimetria, mas também sobre as novas e proeminentes tecnologias trazidas pela inteligência artificial.
Caberá ao advogado, então, lidar com temas estranhos à sua zona de conforto e às ciências humanas, uma vez que seremos chamados a atuar com novos conceitos e práticas de programação, algoritmos, inteligência artificial, smart contracts, blockchain, criptmoedas, novas formas de constituição de sociedades de advogados, lawtechs e tribunais virtuais. Atuaremos um ambiente de infinita interconexão, exposição e, em alguns casos, de forçoso exibicionismo da privacidade à percepção, à interpretação e aos julgamentos públicos. Ainda, esbarraremos em limites do mapeamento dos nossos hábitos de consumo, do uso de nossas informações pessoais e em temas tão poucos discutidos como a governança algorítmica – ou seja, um novo mercado se abre àqueles que queiram aceitar este desafio.
Mesmo diante a tantas tecnologias, não esqueçamos que o Direito é uma Ciência Humana!
Por fim, acredito que cabe uma reflexão, pois nenhuma nova tecnologia será capaz de afastar o advogado do seu exercício e da garantia da justiça. Assim como a justiça passará por adaptações e reinterpretações, o profissional do Direito, como tão explanado nas linhas acima, também deverá passar por tal renovação. No entanto, é importante enfatizar que, mesmo em uma nova era de reinvenção da profissão, o advogado ainda que bem preparado nunca deve se esquecer de que o principal capital competitivo e diferencial desta profissão é trazer à relação com nossos clientes o toque humano, garantindo a sua dignidade nas mais diversas searas jurídicas – este sim, insubstituível e inalcançável, nem mesmo pela mais moderna tecnologia ou o algoritmo mais bem programado.
As opiniões e perspectivas retratadas neste artigo pertencem a seu autor e não necessariamente refletem as políticas e posicionamentos oficiais do Instituto de Referência em Internet e Sociedade.
Escrito por
Thiago Costa (Ver todos os posts desta autoria)
Gerente Jurídico Corporativo – Norks Hydro, graduado em Direito pela PUC-MG, pós-graduado em Relações de Comércio Internacional pela mesma instituição e em Direto Tributário pela Faculdade Milton Campos – MG. Mestrando em Gestão de Negócio pela FIA-SP. Certificação em Contratos Internacionais pela Hague Academy of International Law, em Arbitragem e Contratos Internacionais pela London School of Economics and Political Science, além de certificações no Brasil em Gestão de Crise e Reputação pela ESPM-Escola Superior de Propaganda e Marketing e em Proteção de Dados e Privacidade pelo Insper.