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Propriedade intelectual e a moda: a ascensão do Fashion Law

Escrito por

8 de agosto de 2016

Imagem: Carsten Frenzl

Nas últimas décadas, a moda vem despontando com um dos mais relevantes fenômenos sociais e econômicos das sociedades contemporâneas. Difundido pelos veículos de comunicação da “era da informação”, o apelo das tendências e das novidades da moda estimula um mercado que, em 2014, movimentou US$ 1,4 trilhão em todo o mundo; no Brasil, é o setor que mais cresce, faturando R$ 126 bilhões e sendo responsável pela manutenção de mais de 726 mil postos de trabalho.

Como consequência de seu franco crescimento, tal setor vem atraindo a atenção de juristas no Brasil e no mundo, que começam a esboçar os primeiros traços de um novo campo de estudo no Direito – o chamado “Direito da Moda” ou Fashion Law.

Tendo por objeto as relações jurídicas estabelecidas no campo da moda, o Fashion Law busca apresentar respostas e soluções às demandas envolvendo toda a cadeia produtiva do fashion business, tratando desde questões acerca do direito de imagem de modelos nas passarelas e catálogos de moda, até problemas como o trabalho escravo nas indústrias têxteis. Dentro desse novo ramo, contudo, vem merecendo especial preocupação dos pesquisadores os dilemas concernentes à proteção jurídica da criação de moda.

No consumo de moda, a exclusividade é elemento de desejo, que agrega valor aos artigos fashion. Por essa razão, a contrafação de modelos – seja por meio da falsificação (“pirataria”), seja pela concorrência desleal decorrente da cópia de designs – faz com que marcas sofram enormes prejuízos financeiros e morais pela desvalorização de seus produtos. Estima-se que, somente no Brasil, a indústria sofra perdas anuais de R$ 1,8 bilhão em decorrência da comercialização de artigos de moda pirateados.

Nesse contexto, o estudo da aplicabilidade dos institutos da propriedade intelectual vem tomando espaço prioritário nas discussões do Fashion Law, através da análise da viabilidade da proteção dos designs e marcas por meio da propriedade industrial e/ou dos direitos autorais. Além disso, como será abordado adiante, novos meios de proteção das criações de moda vêm sendo desenvolvidos, para além dos institutos clássicos da propriedade intelectual.

Propriedade intelectual

Segundo a Convenção da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), a propriedade intelectual consiste no conjunto de direitos inerentes à produção intelectual nos campos industrial, científico, literário e artístico. Classicamente, a propriedade intelectual se subdivide entre os Direitos de Autor e os direitos de Propriedade Industrial.

Os direitos autorais têm por objeto as criações humanas de caráter científico, artístico ou intelectual, que a priori não possuem um caráter utilitário, industrial. No Brasil, os direitos de autor são disciplinados pela Lei nº 9.610/98, e garantem ao autor direitos e prerrogativas de caráter moral e patrimonial.

A propriedade industrial, por sua vez, “tem por objeto as patentes de invenção, os modelos de utilidade, os desenhos ou modelos industriais, as marcas de fábrica ou de comércio, as marcas de serviço, o nome comercial e as indicações de proveniência ou denominações de origem, bem como a repressão da concorrência desleal” (artigo I, 2, da Convenção de Paris). Atualmente, a propriedade industrial é regida pela Lei nº 9.279/96, e concede aos titulares o exercício exclusivo, mas condicionado, das criações de aplicabilidade industrial e/ou comercial.

No campo da moda, os direitos de autor e os direitos de propriedade industrial vêm sendo os principais mecanismos utilizados para a tutela das criações de moda, como mecanismos capazes de coibir a reprodução desautorizada dos produtos e marcas por eles tutelados.

Direitos de Autor para Chanel, Propriedade Industrial para Louboutin

Desde o início do século XX, a contrafação de criações de moda já era uma preocupação dos designers. Juntamente com estilistas como Jeanne Paquin e Madeleine Vionnet, Coco Chanel buscou preservar seus modelos das reproduções realizadas pelas “maisons de belles copies”, barrando a exibição de seus desenhos em revistas de moda. Além disso, foram intentadas ações judiciais com fundamento na Loi du 14 juillet 1909 sur les dessins et modèles, legislação francesa que conferia tutela jurídica aos modelos através do sistema dos direitos de autor.

Entretanto, apenas nos anos 2000 a discussão acerca da proteção da moda pelo direito chamou de fato a atenção dos juristas, quando o designer de sapatos francês Christian Louboutin moveu ação contra a também francesa Yves Saint Laurent na Corte Federal de Nova Iorque, em razão da produção de sapatos monocromáticos vermelhos que, segundo o designer, violariam seu direito de propriedade industrial. Ao caso é atribuído o advento do Fashion Law como disciplina jurídica.

Louboutin detém perante o USPTO (Unites States Patent and Trademark Office), desde 2008, o registro de trademark (“marca registrada”) dos solados vermelhos de calçados femininos, característica pela qual ficou mundialmente conhecido. A marca Yves Saint Laurent, contudo, já havia desenvolvido, desde a década de 1970, a concepção de sapatos monocromáticos vermelhos – o que, inevitavelmente, incluía a coloração vermelha das solas dos calçados. Diante do relançamento de sapatos monocromáticos na coleção primavera-verão de 2011, o designer da “Red Sole Mark” (“marca do solado vermelho”) acionou o judiciário norte-americano, sob a alegação de que a marca teria violado sua patente.

A Corte Federal norte-americana entendeu, inicialmente, pela improcedência do pedido de Louboutin, sob a alegação da impossibilidade de apropriação de uma cor como trademark, determinando, ainda, o cancelamento seu registro perante o USPTO. Todavia, em sede recursal, foi acolhida a tese do designer de que a cor poderia ser elemento registrável, de modo que se manteve a proteção jurídica conferida aos solados vermelhos produzidos pela marca homônima.

Quanto a Yves Saint Laurent, a Corte manteve o direito de comercialização dos calçados, desde que esses fossem monocromáticos, de modo a não destacar o solado vermelho, marca registrada de Louboutin.

Apesar da grande distância temporal entre os litígios, observa-se que ambos os ordenamentos jurídicos trouxeram soluções do campo da Propriedade Intelectual capazes de tutelar a criação de moda: enquanto Chanel pautou-se na proteção pela via do direito de autor, o caso Louboutin solucionou-se com base no direito da Propriedade Industrial.

A propriedade intelectual e a proteção do design de moda no Direito brasileiro

No Brasil, não há consenso acerca de quais seriam os institutos da propriedade intelectual capazes de tutelar o design de moda.

No plano da propriedade industrial, o desenho industrial vem sendo apontado como um dos mecanismos mais eficazes e compatíveis para a proteção do design dos produtos criados pelos estilistas. Por meio da concessão do registro pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), o desenho industrial tutela a criação de formas originais, novas e distintivas de produtos aplicáveis ao campo industrial/comercial, concedendo a seu titular a prerrogativa de impedir que se reproduza a aparência desses objetos.

A proteção dos designs de moda pela via do desenho industrial vem sendo aceita pelo Instituto, sendo possível verificar o depósito e a concessão da proteção de croquis a uma série de produtos do vestuário, especialmente no campo de calçados. Todavia, vários pedidos vêm sendo indeferidos, em razão da não verificação dos requisitos para o registro, tais como a distintividade, originalidade e novidade.

Entretanto, vem se difundindo entre os estudiosos do ramo a possibilidade de proteção dos designs de moda pela via dos direitos de autor. Segundo esse entendimento, apesar de não haver menção expressa dos desenhos de moda no art. 7º da Lei nº 9.610/98 (que prevê as criações tuteladas pelos direitos de autor), seu rol não seria taxativo, de modo que as obras de arte aplicáveis (peças cuja natureza seria artística, mas que poderiam ter algum viés de utilidade), como as peças de moda, poderiam ser objeto de tutela pelos direitos de autor.

Tal entendimento foi acolhido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo no litígio travado entre a Hèrmes e a marca Village 284, tendo por objeto a discussão da violação de direitos de autor e da prática de concorrência desleal pela produção de bolsas que remeteriam a uma peça clássica da Hèrmes.

Segundo a marca francesa, esta seria detentora dos direitos de autor referentes à Birkin bag, bolsa criada em 1984 pelo então diretor-criativo, Jean-Louis Dumas, cujo processo produtivo é absolutamente artesanal e único. Dessa forma, a referida bolsa não teria um caráter meramente utilitário, mas teria a natureza de verdadeira obra de arte, sendo, portanto, um bem tutelado pelo direito de autor. Assim, no momento em que a empresa brasileira se utilizou do design da bolsa para a fabricação de suas peças, ainda que em material diferente (a Birkin bag é fabricada em couro, enquanto as Bolsas 284 eram feitas de moletom), ela teria violado os direitos de autor detidos pela Hèrmes.

Com base nesses fundamentos, deu-se provimento aos pedidos da empresa autora, condenando a Village 284 por concorrência desleal e violação de direitos de autor. Ironicamente, “I am not the original” (“eu não sou a original”) foi o nome da coleção em que as Bolsas 284 foram lançadas.

Outros mecanismos de proteção: o trade dress

Apesar da ausência de previsão no ordenamento brasileiro, o trade dress vem sendo apontado como um dos novos mecanismos de proteção das criações de moda. O trade dress é um mecanismo distinto dos clássicos direitos de Propriedade Intelectual, sendo aplicado com base nas disposições da Lei de Propriedade Industrial que vedam a concorrência desleal.

O trade dress, ou conjunto-imagem, é definido pelo conceito de uma determinada marca ou produto, isto é, a identidade visual que o torna distinto dos demais concorrentes.  A fim de evitar a confusão entre marcas do mesmo nicho, o instituto vem sendo especialmente utilizado no Brasil para a proteção do layout e a concepção de embalagens e de lojas (vide caso Mr. Cat versus Mr. Foot). A proteção do design através do trade dress, no entanto, já foi concedida a uma confecção de roupas infantis, conforme a leitura do Recurso Especial nº 1.498.106/SP.

Recentemente, foi ajuizada na Corte Federal de Nova Iorque ação da Aquazzura contra a marca homônima de Ivanka Trump, com fundamento na violação de trade dress e na concorrência desleal devido à reprodução do design de famosos sapatos da marca italiana pela filha de Donald Trump.

Conclusão

Por todo o exposto, constata-se que a propriedade intelectual em sua união com a moda vem dando origem a um estudo não completamente novo, mas bastante efervescente (e até polêmico) no campo do Direito. Tais estudos podem propiciar a proteção da indústria criativa das reproduções não autorizadas de marcas, produtos e seu design. Cabe, portanto, aos juristas compreender melhor a relação entre os fenômenos e traçar as melhores soluções para o combate à contrafação das criações de moda.

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