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O 5G será mais um elefante branco no Brasil?

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1 de fevereiro de 2021

Imagine um renomado chef, dono de inúmeros restaurantes sofisticados. Um dia ele decide oferecer um banquete completo – com 2 entradas, 2 pratos principais e sobremesa – para alguém com poucos recursos financeiros e uma rotina alimentar pobre. Quando a oferta é feita, seu cliente não é informado sobre qual será o custo da refeição, tampouco sobre qual a forma correta de comer aquelas refeições.

Essa breve historinha pode ilustrar parte dos questionamentos que envolvem a implementação do 5G no Brasil. Assim como o preço da refeição da narrativa acima não é informado ao beneficiário, ainda não se sabe ao certo qual o custo para o Estado brasileiro fornecer condições para que as empresas ofereçam o uso do 5G à população. Também não se sabe qual será o próprio custo dos  usuários para desfrutarem dessa nova forma de navegar na web. A falta de ensino sobre as formas de consumir a refeição da historinha é análoga à negligência que se tem para com outros eixos da inclusão digital tão importantes quanto o acesso: a alfabetização digital e a apropriação tecnológica

Este texto pretende tecer algumas notas sobre dilemas que colocam em questionamento o interesse de diversos setores da sociedade na implementação do 5G no Brasil.

Quem vai pagar a conta do 5G?

De acordo com a pesquisa Cetic Domicílios 2019, cerca de 33% dos brasileiros que não tem acesso à internet não o tem por falta de disponibilidade de conexão no seu local de domicílio. Isso significa que ainda falta infraestrutura de transporte da informação entre o terminal do usuário e o primeiro ponto de acesso da rede para grande parte da população brasileira. A infraestrutura necessária para que uma mínima conexão à internet exista inclui prédios, torres de transmissão, sistema de aterramento, refrigeração e sistema de energia. Destaco abaixo algumas das principais infraestruturas necessárias para tal implementação:

  • Antenas

Uma outra questão de base importante é a disponibilização da frequência para que não haja interferência nas ondas do 5G. Para garantir que os aparelhos de radiocomunicação funcionem bem, agências reguladoras como a Anatel definem faixas de frequência para cada tecnologia. Entretanto, como explica o engenheiro de soluções Everton Souza, quanto maior a frequência, menor sua propagação e maior necessidade de antenas mais próximas. Por isso a rede 5G exige uma infraestrutura de antenas bem maior do que as outras frequências de velocidades mais baixas também. 

  • Novo espectro

A infraestrutura do 4G poder ser compartilhada com a do 5G – o que é chamado de compartilhamento dinâmico de espectro (DSS) -, característica que diminui esforços e custos para criar uma rede 5G do zero. Entretanto, o compartilhamento não permite o pleno alcance das potencialidades do 5G. Para que o “5G de verdade” seja oferecido, é necessária a realização de novo leilão de frequências, com data prevista para o segundo semestre de 2021.

  • Fibra óptica

Por fim, destaca-se a importância da expansão da fibra óptica para a conexão e escoamento de dados de aplicações específicas e complexas. Essas aplicações envolvem muitos dados, como as de segurança envolvendo reconhecimento facial, inviabilizando o armazenamento em nuvem e o tráfego ao longo de muitos quilômetros e exigindo, portanto, a conexão com data centers via fibra óptica, como explica o vice-presidente de vendas e marketing da OFS, Pierre Marty.

De acordo com a consultoria McKinsey,  as operadoras móveis devem investir em todos os domínios de rede, incluindo a compra de espectro (que será feita no leilão citado anteriormente  e possibilitará o tráfego da informação na frequência do 5G), rede de acesso de rádio, infraestrutura, transmissão e núcleo central da rede.

Uma das grandes perguntas a ser feita é quem são os responsáveis por investir nos gastos de infraestrutura do 5G? E a resposta é: múltiplos atores.

Os principais investidores do 5G são empresas que oferecem equipamentos de infraestrutura, como a Huawei, Nokia e Ericsson. A Anatel estima que entre 86 mil antenas de rádio em operação no país, 70 mil utilizam equipamentos da Huawei nas tecnologias 2G, 3G e 4G. Além das antenas, a Huawei tem forte presença no mercado brasileiro de backbones, espinhas dorsais da rede. 

Esses equipamentos são adquiridos principalmente pelas chamadas operadoras de telecomunicação (por exemplo, Vivo, Claro e Tim). Tais operadoras, além de adquirirem equipamentos de infraestrutura, são as compradoras das frequências para o tráfego das micro-ondas do 5G. E quem vende as licenças para operar no espectro de frequência para o 5G? O Estado.

Para que as frequências do 5G sejam vendidas, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) deverá realizar um leilão com um edital que estabelece todas as regras e exigências que as operadoras compradoras devem preencher. Esse edital seria votado no dia 01/02/2021, mas o presidente da Anatel pediu vista do processo e prometeu trazer o voto até o dia 24 de fevereiro.

Como a frequência será leiloada, certos leitores podem pensar que o Estado brasileiro só tem a ganhar com o 5G, afinal receberá enormes quantias pelo leilão. Entretanto, a questão não é tão simples pois envolve: 1. o quanto o governo brasileiro está disposto a deixar de lucrar para conseguir efetuar o leilão nas condições que lhe são desejáveis e 2. o quanto o governo brasileiro está disposto a exigir das operadoras uma maior universalização do acesso à internet.

Quanto ao primeiro ponto, o CTIO da TIM, Leonardo Capdeville, já afirmou ao Teletime que 

“Se não forem bem dosados o valor do espectro e as obrigações estipuladas no leilão, vai faltar dinheiro para o 5G. (…) Sabemos da dificuldade de caixa (do governo), mas o 5G será motor para a solução dos problemas, por isso o leilão não pode ser meramente arrecadatório”. 

Esse tipo de comentário já demonstra uma tendência das operadoras de querer negociar os valores praticados pelo governo para a aquisição das frequências. Portanto, é possível que a necessidade de arrecadação do governo – cujo “lucro” poderia ser repassado para solucionar outros problemas sociais – tenha que ser reduzida para que o interesse comercial das operadoras no leilão seja favorecido.

Uma das obrigações mais severas que o edital a ser votado pela Anatel dispõe é construção de redes inteiramente novas – puramente de 5G (standalone) – que exigirão investimentos pesados das companhias. Além destas obrigações, outros compromissos são estabelecidos no edital com objetivo de garantir que zonas rurais e regiões que não são tão interessantes comercialmente às operadoras tenham acesso à rede 5G. Abaixo destaco alguns compromissos levantados pelo Teletime:

Compromisso para os vencedores da faixa de 700 MHz

1) 100% das localidades sem 4G (a serem atendidas pelas prestadoras vencedoras da faixa de 700 MHz)

2) Rodovias federais sem cobertura móvel 4G (a serem atendidas pelas vencedoras da faixa de 700 MHz)

Compromisso para os vencedores da faixa de 2,3 GHz

3) 100% dos municípios com menos de 30 mil habitantes que ainda não tenham 4G (meta a ser atendida pelos vencedores da faixa de 2,3 GHz)

Essas obrigações parecem um bom sinal de que a arrecadação que o governo vai abrir mão será recompensada pelo oferecimento de acesso à internet a áreas subvalorizadas. Entretanto, a efetivação dessas obrigações é um assunto um pouco mais complexo.

Em 2016 a Anatel iniciou um processo de retomada da frequência de 450MHz, nas mãos das operadoras de telecomunicação desde 2012, pois as operadoras não cumpriram com a obrigação do edital de oferecer acesso à internet a zonas rurais. 

Mais recentemente, de acordo com a Olhar Digital, em 2020 certas operadoras não haviam cumprido meta e por essa razão 47 mil brasileiros ainda estariam limitados a conexão 2G.

O novo Plano Geral de Metas de Universalização (PGMU V), publicado no Diário Oficial em 28/01/21, determina que até 2025 as operadoras deverão implementar redes de fibra óptica em todos os municípios brasileiros. Esse novo Plano é uma das estratégias governamentais para sanar o problema da desigualdade digital. Entretanto, com o histórico contínuo de interrupção de políticas governamentais de inclusão digital, como identificado no livro Inclusão Digital como Política Pública – elaborado pelo IRIS -, a concretização do PGMU V só poderá ser auferida efetivamente no final de 2025.

Então o 5G é a solução para a desigualdade digital no Brasil?

Oferecer acesso à internet de qualidade é apenas um dos elementos necessários para garantir inclusão digital. Os novos processos de virtualização da estrutura do 5G, somado a sua alta velocidade, possibilitará que essa tecnologia chegue a lugares longínquos e a menores custos. Entretanto, isso não é suficiente.

Lembra da história do início do texto sobre o chef renomado que ofereceu um banquete a alguém que não sabia como utilizar os talheres e tampouco quais eram aqueles alimentos? Então, oferecer apenas o acesso à internet sem dar condições para alfabetização digital e apropriação tecnológica para os usuários pode ser similar a uma experiência gastronômica ruim. Pode ser, na verdade, uma experiência social ruim.

Quando uma tecnologia é oferecida a determinado usuário sem uma construção conjunta das potencialidades daquela tecnologia, é possível que o usuário a utilize de acordo com os interesses comerciais do próprio fabricante da tecnologia. Um uso crítico da internet é essencial para o combate à desinformação, para o desenvolvimento econômico, político e cultural do cidadão, além de ser essencial para a própria segurança do usuário.

Ainda assim, o discurso majoritário, especialmente capitaneado pelo atual governo e pelas operadoras de telecomunicação, é de que o 5G é a resposta que o Estado precisa dar à exclusão digital. Isso está bem nítido na afirmação do  CTIO da TIM, Leonardo Capdeville:  “A única forma de tirar o gap educativo do Brasil não será construindo mais escolas ou treinando milhares de profissionais, mas usando a tecnologia para que o conteúdo chegue na ponta”

Por isso, defendo que a tecnologia do 5G pode ser mais um elefante branco no Brasil. Podemos ter bilhões investidos em infraestrutura sem usuários empoderados e letrados o suficiente para fazerem pleno uso de tal investimento.

O IRIS tem uma linha de pesquisa dedicada a compreender os desafios e políticas de inclusão digital. Se você se interessou pelo assunto, leia nosso Glossário da Inclusão digital.

As opiniões e perspectivas retratadas neste artigo pertencem a seu autor e não necessariamente refletem as políticas e posicionamentos oficiais do Instituto de Referência em Internet e Sociedade.

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Diretora do Instituto de Referência em Internet e Sociedade. Bacharela em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Representante do IRIS no Grupo de Trabalho sobre Acesso à Internet e na Força-Tarefa sobre eleições na Coalizão Direito nas Redes (CDR). Membro suplente no Comitê de Defesa dos Usuários dos Serviços de Telecomunicações (CDUST) da ANATEL. Co-autora dos livros “Inclusão digital como política pública: Brasil e América do Sul em perspectiva” (IRIS – 2020) e “Transparência na moderação de conteúdo: Tendências regulatórias nacionais” (IRIS – 2021).

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