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Liberdade de expressão e o Marco Civil da Internet: três anos de regulação

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24 de abril de 2017

No dia 24 de abril de 2017, o Marco Civil da Internet (MCI), completará três anos de sua promulgação. Com objetivo de comemorar essa data, este texto faz uma breve explicação da história de criação da Lei 12.965/14 e, em seguida, busca destacar como o MCI trouxe avanços na promoção da liberdade de expressão na internet do Brasil. Para isso, analisaremos quais os dispositivos legais de proteção estão presentes na lei, e, em seguida, citamos duas decisões dos tribunais que utilizam esse texto normativo de forma a promover uma internet mais livre e aberta.

Nascimento do Marco Civil da Internet: breve histórico

A ideia de uma lei civil para a internet surgiu, em parte, como uma forma de resistência à propositura de leis penais no Congresso Nacional para regular a internet no Brasil. Esses projetos apresentavam um forte caráter de vigilância digital, como o Projeto de Lei 84/99 (“AI-5 Digital), o que levou a reações de diversos setores da sociedade civil.

Em outubro de 2009, também influenciada pelo recém lançado decálogo de Princípios para a Governança e Uso da Internet no Brasil, criado pelo Comitê Gestor da Internet (CGI), a Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, em parceria com a Escola de Direito do Rio de Janeiro, da Fundação Getúlio Vargas, lança um projeto para a construção colaborativa de um Marco Civil da Internet brasileiro.

Na primeira fase do projeto, a consulta online buscou mapear quais temas a sociedade considerava que deveriam fazer parte da futura lei. Na segunda fase, em 2010, foi disponibilizado um anteprojeto, baseado nos temas da primeira consulta, para que os interessados pudessem comentar e discutir sobre os diversos dispositivos legais.

Em 2011, o Executivo Federal encaminha o Projeto de Lei ao Congresso Nacional. Por fim, em 2014, fortemente influenciado pelos vazamentos sobre a espionagem estadunidense ao governo e sociedade brasileira, divulgados por Edward Snowden em 2013, o Marco Civil da Internet é aprovado.

Recepção

Após a aprovação, a Lei 12.965 foi elogiada em diversas partes do mundo por ter implementado um Carta de Direitos para internet, por meio do estabelecimento de princípios e proteções gerais. Como declarou Tim Berners-Lee, cientista da computação e criador da World Wide Web (‘www’):

“[…]depois de um longo período de debate e consultas – vocês, brasileiros, reconheceram que para a Internet verdadeiramente beneficiar e empoderar a todos, certos fundamentos devem ser reconhecidos e protegidos. Eles incluem o direito de acesso à rede a preços acessíveis para todos, o direito de se expressar online livremente, o direito de se comunicar com segurança e privacidade, e a necessidade de assegurar que todo o conteúdo é tratado da mesma forma, sem priorização, bloqueio ou censura. Seu país tornou-se o primeiro a dar o passo corajoso para colocar em prática uma “Carta de Direitos” para a Internet – o Marco Civil da Internet. Esta abordagem visionária já teve impactos globais. Da Itália até a Nigéria, outros países estão tentando imitar o Brasil. E por isso, a Internet ama o Brasil.”

Liberdade de Expressão no Marco Civil da Internet

O corpo legal do MCI faz referência direta à liberdade de expressão em 4 artigos, de um total de 32. A partir de um viés mais principiológico, ele determina que a “disciplina do uso da internet no Brasil”, art. 2º e 3º, e o “exercício do direito de acesso à internet”, art. 8º, possuem ambos como base a garantia da liberdade de expressão. Assim a lei ecoa as garantias já estabelecidas na Constituição de 1988 e na Declaração Universal dos Direitos do Humanos, da qual o Brasil é signatário.

Além das garantias principiológicas da liberdade de expressão afirmadas nos artigos citados acima, o Marco Civil da Internet estabelece, no art. 19, como ocorrerá a responsabilização civil dos provedores de aplicação. Para o pesquisador Marcel Leonardi, ela é “a regra mais importante para tutela da liberdade de expressão online” do MCI.¹

A norma afirma que os provedores de aplicações de internet só serão responsabilizados civilmente caso não cupram ordem judicial específica que determine a remoção. O que evitou a adoção do mecanismo de “notice and takedown”, no qual o mero pedido de retirada obriga o provedor. Desse modo, o art. 19 evita a remoção arbitrária e possíveis censuras de conteúdos, já que aos provedores de aplicação está garantido maior segurança jurídica sobre quando devem retirá-los ou não.²

A discussão sobre liberdade de expressão e privacidade

O MCI enfatiza de maneira clara a promoção da liberdade de expressão online – a qual, por sua vez, foi fortemente combatida ao longo da história, muitas vezes em benefício da defesa de outros direitos, como o direito à privacidade.

A privacidade individual sempre foi defendida muito veementemente em nossa sociedade. Analisando-se lado a lado cada um desses direitos, pode-se perceber um certo antagonismo existente entre os dois: a defesa total do direito à privacidade conflita diretamente com a liberdade de expressão, visto que acarreta na tese de que não deve existir a liberdade para se disseminar qualquer forma de informação ou opinião sobre um terceiro. Segundo esse mesmo raciocínio, a recíproca é verdadeira: a defesa de uma total liberdade de expressão é diretamente conflitante com o ideal da defesa da privacidade de cada indivíduo, uma vez que resulta na ideia de que qualquer informação pode ser disseminada, mesmo que viole a privacidade de terceiros.

Conclui-se, portanto, que é de fundamental importância que o direito à privacidade seja garantido de maneira equilibrada junto ao direito à liberdade de expressão.

Nesse aspecto, é possível apontar outra vitória por parte do Marco Civil da Internet. Em seu artigo 8º, o MCI enuncia: “A garantia do direito à privacidade e à liberdade de expressão nas comunicações é condição para o pleno exercício do direito de acesso à internet”. Ao garantir os dois direitos em um só enunciado, é estabelecida, acertadamente, a liberdade de expressão como direito de igual importância à privacidade, e isso se comprova em casos concretos.

O Marco Civil da Internet e a jurisprudência em benefício da liberdade de expressão
Desde a entrada em vigor do MCI, pôde-se observar que, em diversas decisões judiciais que envolvem essa Lei, conflitos entre a privacidade e a liberdade de expressão passaram a resultar em benefício desta última, coisa que não se era de esperar antigamente.

Pode-se citar, por exemplo a Apelação nº 0008251-57.2012.8.26.0011 do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP). Nesse caso, o ex-Presidente da República Fernando Collor pediu a remoção de críticas direcionadas à sua pessoa e às suas ações de um blog. O autor alegou se tratar de invasão de sua privacidade o fato de que alguém estava publicando amplamente informações referentes à sua atuação política ao tempo da publicação, considerada corrupta pelo moderador do blog. Essas informações, acompanhadas de duras críticas pessoais ao autor, segundo este, ultrapassaram os limites da liberdade de expressão do réu.

O pedido do ex-Presidente foi negado. O Tribunal decidiu que as críticas realizadas por Augusto, moderador do blog contra o qual foi dirigida a apelação, não ultrapassaram os limites da liberdade de expressão impostos pelo artigo 5º, IX, da Constituição Federal. Ainda, por se basearem em fatos, as informações incluídas nas críticas de Augusto ao ex-Presidente eram consideradas de interesse público, principalmente por se tratar de uma pessoa cujas ações, em decorrência de sua profissão, têm ainda mais relevância para a sociedade. Pode-se notar que, apesar de não enunciar um artigo específico do Marco Civil da Internet, essa decisão está de acordo com as determinações da referida Lei, uma vez que deixa bem clara a defesa do direito à liberdade de expressão na internet por parte do juiz, o que representa um uso importante deste princípio na prática.

Outro caso grande envolvendo o conflito entre a privacidade e a liberdade de expressão ocorreu na cidade de São Paulo. Trata-se do Agravo de Instrumento nº 2034460-86.2017.8.26.0000, também do TJ-SP. Uma tentativa de assalto a uma residência da Zona Norte da cidade resultou na morte de um dos invasores por autoria de um dos moradores do local. Ao noticiar o ocorrido, diversos veículos de comunicação passaram a disseminar imagens da fachada da residência, e informações sobre a situação financeira da família que lá residia foram mencionadas nas matérias. Isso resultou em um processo judicial em que a família moradora da casa pedia para que essas informações parassem de ser veiculadas, pois o desrespeito à privacidade a colocava em risco, podendo atrair mais assaltantes, interessados em vingar a morte de um companheiro, ou atraídos pelas informações de que a família possuía muito dinheiro.

Nesse caso, o Tribunal também deu preferência à liberdade de expressão dos veículos de comunicação, alegando que as informações veiculadas nas notícias referentes ao caso não foram suficientes para caracterizar uma violação à privacidade da família, enunciada pelo artigo 5º, IX, da Constituição Federal e pelo artigo 7º, I, do MCI, além de que, novamente, o direito à liberdade de expressão e disseminação da notícia, garantida pelo artigo 8º, caput, do MCI, deveria ser considerado como de interesse público, uma vez que se tratavam de fatos, sobrepondo-se às vontades dos autores.

Notas

1 – Maciel Leonardi “A Garantia Fundamental do Direito à Privacidade e à Liberdade de Expressão nas Comunicações como Condição ao Pleno Exercício do Direito de Acesso à Internet”. In: LEITE, George Salomão; LEMOS, Ronaldo. Marco Civil da Internet. São Paulo: Editora ATLAS. 2014. p. 628.

2 – Leornardi ressalta que o art. 19 “não diz – e nem poderia dizer – que qualquer remoção de conteúdo somente pode ocorrer por ordem judicial. Isso significa que cada provedor continua livre para implementar as políticas que entender pertinentes para a remoção voluntária de conteúdos. Essa possibilidade contudo deve ser balanceada com a própria garantia fundamental da liberdade de expressão, para se evitar casos de remoção arbitrária por parte do provedor de aplicação. Como exemplo cita-se o caso da foto de uma indígena brasileira que foi removida pelo Facebook por apresentar nudez

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