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IRIS oferece representação ao MP-MG sobre prática de coleta de dados em redes de farmácias

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15 de agosto de 2018

Recentemente, tem sido prática comum que redes de farmácias atuantes em  Belo Horizonte e em outras cidades brasileiras solicitem o número do Cadastro Nacional de Pessoas Físicas – CPF dos clientes para realizar qualquer compra em seus estabelecimentos. O fornecimento desse dado de identificação pessoal tem como alegada contraprestação ao consumidor a atribuição de descontos sobre produtos vinculados a uma promoção. A prática é atualmente adotada pelas mais diversas redes, inclusive algumas com atuação em várias partes do Brasil. O forte apelo por atrativos e descontos, contudo, diz muito pouco ao consumidor. Do inofensivo “Qual teu CPF, Sr/Sra?” ao canhoto impresso com reduções nos preços de alguns produtos, as farmácias se articulam diante de estratégias de concentração de informações valiosas e sensíveis diretamente extraídas de seus clientes.

Entenda os riscos

Diversos são os pontos problemáticos da prática. Por exemplo, nenhuma dessas redes de farmácias demonstra de forma transparente para os consumidores qual seria o propósito efetivo dos estabelecimentos em coletar e armazenar informações individualizadas sobre o histórico de compras de cada cliente. As poucas informações disponibilizadas sobre a campanha ou o programa de descontos não são suficientes para que o consumidor possa consentir de maneira clara e informada – como, inclusive, requer a nova Lei Geral de Proteção de Dados –  sobre a coleta de seus dados pessoais em troca de descontos.

Esses sintomas de uso injustificado de informações são ainda mais evidentes devido ao fato de que dados de consumo gerados em farmácias podem revelar aspectos muito significativos da vida de um consumidor. E podem levar a práticas abusivas incorridas por empresas pertencentes a grandes grupos econômicos sob o pretexto de modelos de negócio inovadores. Informações sobre quando uma pessoa adoece, se possui alguma infecção sexualmente transmissível (IST), doenças crônicas, distúrbios psíquicos, entre tantas outras informações sensíveis, expressadas pelas indicações nas categorias da Classificação Internacional de Doenças (CID) nos receituários, podem, por exemplo, ser inferidas a partir de dados relativos ao hábito de compra e/ou frequência de uso de medicamentos. Quando o consumidor fornece seu CPF no caixa, não lhe é informado o caminho ou destino de como seus dados podem ser ou são efetivamente utilizados.

A situação é ainda mais grave quando se considera que as farmácias sequer possuem termos de uso ou políticas de privacidade para os programas de desconto. E quando existem, como em formato de perguntas mais frequentes, são confusos e evasivos. Dessa forma, a falta de consentimento qualificado e de transparência sobre a coleta e uso dos dados pessoais do clientes – genericamente, o tratamento dos dados – viola diversas garantias constitucionais e direitos infraconstitucionais relativos à privacidade e proteção do consumidor.

A ausência de consentimento para uso desses dados pelas farmácias é, por si só, um fator extremamente preocupante. Ela tem sido prática conduzida por diversas dessas empresas atuantes no segmento das drogarias. Alia-se, ainda, a falta de determinação do tempo pelo qual os dados serão armazenados e da possibilidade ou não de remoção desses dados. A prática cria um cenário de incertezas e de falta de informações em relação ao real intuito do programa de descontos, comercialmente oferecido pela empresa.

Possíveis consequências

Exemplificadamente, seria possível visualizar o seguinte cenário: um cruzamento entre o CPF de um cliente e seu perfil de compras de remédios poderia mostrar para uma prestadora de plano de saúde que ele tem uma condição médica específica, como a discriminação positiva do consumidor/paciente em virtude do enquadramento de sua enfermidade na CID. Igualmente, a interpretação desses dados poderia reforçar perfilamentos discriminatórios, em um sistema financeiro, e revelar que o titular dos dados sofre de uma doença terminal. Desse modo, seria possível possibilitar a cobrança de juros mais elevados em contratos de empréstimo, em razão da informação sobre os riscos de saúde daquele cliente.

Consentimento informado e transparência de informações

A finalidade de recolhimento do dado, quais as limitações aplicadas ao tratamento, e eventuais repasses destes a terceiros são informações que devem ser expostas de maneira transparente ao consumidor, para que ele possa sopesar eventuais custos e benefícios em compartilhá-las. Assim, se a opção for pela manutenção do programa de descontos, a empresa deveria repassar de maneira mais clara as condições dos programas de benefícios por meio de CPF e criar mecanismos de transparência para demonstrar a real finalidade e uso desses dados, permitindo ao consumidor que faça uma escolha minimamente informada e consentida a respeito dos reais propósitos  da coleta.

O Instituto de Referência em Internet e Sociedade (IRIS) busca atuar em frentes de interesse da sociedade civil, representando interesses coletivos e difusos, e objetiva defender a manutenção de um ambiente de desenvolvimento tecnológico na sociedade que expanda direitos e não que os restrinja. É nesse sentido que o Instituto protocolizou sua representação à coordenação do PROCON e ao Ministério Público de Minas Gerais, com o intuito de postular maior transparência na coleta de dados por farmácias de Minas Gerais. A iniciativa também espelha outras frentes coexistentes no Brasil, como no Distrito Federal.

A representação do IRIS converge, assim, com relevantes ações do Ministério Público estadual já em curso de investigar violações de direito promovidas em relação aos dados de consumidores de redes de drogarias. O procedimento segue seu trâmite e poderá, nos próximos meses, culminar em sanções, caso seja comprovada a inadequação da coleta e uso de dados pessoais, de acordo com as garantias definidas no ordenamento brasileiro, para a proteção de consumidores e titulares de dados pessoais.

Em sua missão institucional, o IRIS também se prontifica a receber comentários de cidadãos e usuários da Internet sobre práticas semelhantes, de modo a fortalecer publicamente a tarefa de promoção de políticas de privacidade e proteção do consumidor nos ambientes digitais.

Para ler na íntegra a representação oferecida ao Ministério Público de Minas Gerais e ao PROCON, clique aqui.

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