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Internet ou internets? A relação da world wide web com o “local”

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15 de agosto de 2016

Quando se pensa sobre o impacto social da internet no mundo, é comum a interpretação de que ela tem servido como um impulso ao processo de globalização homogêneo, dissolvendo fronteiras físicas por meio de uma facilitada comunicação e disseminação de conteúdos. Mas a internet esta realmente produzindo uma uniformização cultural global? Não é o que têm demonstrado as pesquisas do sociólogo francês Frédéric Martel. Sua hipótese é a de que apesar de usarmos redes sociais, plataformas, softwares e infraestruturas globais a maior parte do conteúdo produzido na internet acaba por ser regional. Ou seja, fatores como idioma, identidade cultural e fronteiras geográficas  ainda são elementos importantes na utilização da internet. Não existiria a Internet, com um “i” maiúsculo, mas sim uma “diversidade das internets”.

Martel corrobora sua hipótese por meio de uma pesquisa de campo qualitativa realizada por ele, a qual abrangeu cerca de 50 paises espalhados por 5 continentes, publicada em seu livro Smart em 2014. O pesquisador não nega que haja a difusão de uma cultura mainstream na internet, mas ressalta que ela não seria fenômeno dominante na rede. Pode-se tomar como exemplo o serviço de streaming Netflix, que em 2016 anunciou estar presentes em cerca 190 países. Num primeiro momento tal fato parece destacar a força da industria cultural americana, já que grande parte do conteúdo disponibilizado pela empresa foi produzido nos EUA. Contudo em certos mercados, como na Índia, o Netflix tem encontrado dificuldades de competir com serviços de streaming semelhantes que disponibilizam conteúdo produzido localmente. Assim afim de se estabelecer em mercados tão diversificados a empresa tem buscado implementar uma política de financiamento de produções regionais originais (think global, act local).

Assim a rede mundial de computadores não se traduziria imediatamente numa uniformização cultural e linguística  global. Sua conexão com o “território” não significa necessariamente um país específico, mas sim a ideia de um espaço físico ou abstrato ligado à uma comunidade que partilha ou uma língua, cultura ou subcultura (geeks, hip-hop, etc) comuns, ou até mesmo um movimento solidário internacional (#jesuischarlie). Tais semelhanças  é  que guiaram as trocas ou “conversas” realizadas na internet. Exemplo evidente é a rede social online Facebook, esta possui 1,59 bilhão de usuários, contudo as conexões e comunicações estabelecidas entre eles são determinadas pela inserção “territorial” dos usuários. Suas interações se dão majoritariamente com as pessoas que eles conhecem na vida real, na sua cidade ou trabalho, seu feed acaba por direcioná-los para seus gostos ou visões de mundo pessoais, assim raramente o usuário se verá interagindo com pessoas de outras culturas ou locais do globo. O qual criaria uma espécia de bolha ideológica. Um dos fundadores da companhia, Chris Hughes, evidencia a importância do local ao estabelecer como mantra da empresa: Keep it Simple, Keep it Local. Para Martel foi essa atenção às diferenças que fez com que serviços como Twitter, Google e Wikipedia se tornassem um sucesso global.

Outro exemplo de serviço no qual a “comunidade” se apresenta como fator fundamental são os aplicativos de relacionamento, JDate é um serviço especializado para judeus; o  Gaydar especializa-se em encontros para homossexuais; o Al Asira foca-se em encontros entre muçulmanos e afirma seguir os preceitos da charia (direito derivado da religião islâmica); o site bharatmatrimony.com busca formar casais indianos replicando as hierarquias de casta tradicionais; ou seja ferramentas globais das quais se esperava fossem enfraquecer as culturas locais, seja em seu sentido físico ou abstrato, acabam por fortalecê-las.

E este fenômeno também é observado em outras áreas como o e-commerce, marketing e publicidade online, e futuramente espera-se nas áreas da educação e saúde. É elucidativa a metáfora realizada por Martel entre a Internet e a Coca-Cola: a marca se caracterizava por ser um produto global e uniforme, contudo a partir de 1980 acaba por diversificar sua produção e sua publicidade focando em se adaptar a mercados regionalizados

Martel conclui que a Internet padronizada e a globalização digital sem fronteiras não se verificam na prática, mas sim as “internets” caracterizadas pela localização, comunidade, e customização das conexões entres os diversos grupos e indivíduos.

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Pesquisador do Instituto de Referência em Internet e Sociedade, graduando em direito na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Cursou dois anos de ciência política na Universidade de Brasília. Membro do GNet. Foi membro da Clínica de Direitos Humanos (CDH) e da Assessoria Jurídica Universitária Popular (AJUP), ambos da UFMG.

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