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Inteligência Artificial no Brasil: a Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial (EBIA) e o Projeto de Lei nº 21/2020

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5 de outubro de 2021

A sociedade está passando por um período de importantes mudanças de aspecto tecnológico, sendo a transformação digital uma das protagonistas do século XXI. O ambiente virtual tem se integrado aos diferentes aspectos da vivência humana, dos negócios às relações afetivas, da cultura ao lazer e todas as demais manifestações, tipicamente, off-line. Isso tem causado diversos impactos à nível social, econômico e político. Dentro do escopo da transformação digital está a Inteligência Artificial (IA). Nessa direção, surge o questionamento: “mas, afinal, quais os limites e os parâmetros do uso da IA por parte das empresas e do governo?”. Se você quer conhecer um pouco mais sobre a recente aprovação do Projeto de Lei (PL) nº 21/2020 na Câmara dos Deputados e descobrir alguns pontos importantes da Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial (EBIA), siga a leitura!

Inteligência Artificial e seus impactos na sociedade: pandemia de covid-19

Seja a partir de chatbots, mecanismos que sugerem opções adequadas às suas preferências ou ferramentas que auxiliem na tomada de decisões, a IA está cada vez mais presente na vida das pessoas. O seu uso impacta tanto a vida dos cidadãos quanto o cotidiano de  empresas e do setor governamental. Esse é um dos motivos pelo qual aumenta a preocupação em relação ao estabelecimento de  princípios éticos em relação ao uso da IA.

No que diz respeito à conceituação da tecnologia, não existe consenso sobre o significado. Existem vários aspectos a serem valorados em relação a sua análise, como, por exemplo, se tal tecnologia se trata de um sistema integrado à outro ou se trata de uma máquina autônoma capaz de tomar decisões com base na análise de dados, bem como baseando-se em suas experiências pretéritas para pautar ações futuras, como os veículos autodirigíveis e drones.

No entanto, é necessário se atentar mais aos impactos que a IA pode causar na vida das pessoas do que propriamente a exatidão do seu conceito. Atenção especial deve estar presente no que tange a presença e utilização da IA pelo mercado e setor público, observando as consequências (positivas e negativas) aos cidadãos.

Sem dúvida, os desembaraços da pandemia de covid-19 aceleraram e fortaleceram o uso das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) em diversas partes do globo. Nessa direção estão os resultados do estudo da IBM realizado pela Morning Consult, publicado em maio de 2021. 

No que diz respeito à IA, em países da América Latina, como Argentina, Chile, Peru, Colômbia e México, apenas cerca de 21% dos profissionais da área da Tecnologia da Informação (TI) afirmam utilizar IA nas empresas onde trabalham, enquanto no Brasil essa taxa chega a  40%. Ainda segundo o estudo, cerca de 37% das empresas brasileiras utilizam este tipo de solução direcionada ao atendimento de clientes,  35% para a automatização de processos e 28% para a segurança. 

Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial (EBIA)

Em abril de 2021, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, vinculado ao Governo Federal, apresentou a Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial (EBIA) com o objetivo de traçar um plano de desenvolvimento do país neste âmbito. O documento  norteará a atuação do poder executivo brasileiro no que diz respeito ao desenvolvimento de ações que estimulem a pesquisa, a inovação e o desenvolvimento de soluções em IA, bem como o uso consciente, ético e em prol de um futuro melhor. A EBIA foi construída colhendo visões diversas e setoriais, inclusive considerando experiências internacionais. 

Nesse sentido, cabe destacar que, em 2018, a Comissão Europeia de Eficiência da Justiça publicou a “Carta ética europea sobre el uso de la inteligencia artificial en los sistemas judiciales y su entorno”, por meio da qual foram elencados cinco princípios para promoção e preservação da ética: de respeito aos direitos fundamentais, com a proposta de observância a uma ética no design; da não-discriminação, o que guarda relação com a tendência dos dados representarem padrões de discriminação; da qualidade e da segurança, com o uso de fontes certificadas; da transparência, imparcialidade e justiça, para que se alcance um processamento de dados acessível e compreensível, submetido a auditorias externas, e o princípio “sob controle do usuário”, garantindo que os usuários sejam atores informados. Além disso, em janeiro de 2021, aprovou-se o documento “Inteligencia artificial: cuestiones de interpretación y de aplicación del Derecho internacional” o qual cita diversos outros diplomas legais aprovados pelo Parlamento Europeu e que fazem referência ao uso da IA.

Retornando à estratégia brasileira, ressalta-se que a EBIA tem como objetivos: contribuir para a elaboração de princípios éticos para o desenvolvimento e uso de IA responsáveis; promover investimentos sustentados em pesquisa e desenvolvimento em IA; remover barreiras à inovação em IA; capacitar e formar profissionais para o ecossistema da IA; estimular a inovação e o desenvolvimento da IA brasileira em ambiente internacional; e promover ambiente de cooperação entre os entes públicos e privados, a indústria e os centros de pesquisas para o desenvolvimento da lA. No documento, são estabelecidos 9 eixos temáticos e um conjunto de 74 ações estratégicas. Além da EBIA, estão sendo criados 8 centros de IA no Brasil.

 A ideia é que as diretrizes da estratégia sirvam como parâmetro para a elaboração de leis que impliquem a IA. Importa ressaltar que a utilização dessa tecnologia pelos atores sociais necessita alto nível de transparência e acesso às informações utilizadas no processo. Sendo de suma importância a transparência das políticas que visem estabelecer e regularizar as tecnologias atreladas à IA, isso significa oferecer aos cidadãos a garantia do exercício do controle social sobre a administração pública e sobre o setor privado. Nesse mesmo sentido, cabe mencionar o Projeto de Lei nº 21/20, o qual estabelece princípios, direitos e deveres em relação ao uso da IA no Brasil.

Projeto de Lei nº 21/2020 e o Congresso Nacional

O Projeto de Lei (PL) nº 21/2020,  aprovado pela Câmara dos Deputados no dia 29 de setembro de 2021, prevê a criação de regras para o uso de IA no Brasil, visando estabelecer direitos e deveres sobre o uso da IA pelo poder público, por empresas, entidades diversas e pessoas físicas, criando uma espécie de marco legal do desenvolvimento e uso da IA no Brasil. Atualmente, a matéria está sendo analisada pelo Senado Federal.  

O texto estabelece princípios, direitos, deveres e instrumentos de governança para a IA. Dentre os seus fundamentos está o respeito aos direitos humanos, à igualdade, à pluralidade, à não-discriminação, à livre iniciativa e à privacidade. O documento aponta a importância da transparência no uso de IA, a partir da divulgação do seu modo de funcionamento. No entanto, cabe ressaltar que o PL não está livre de críticas, na verdade, em diversos dispositivos legais é possível constatar caráter genérico e a falta de embasamento técnico.  Tal caráter amplo pode não vir a ser útil em relação a proteção de dados pessoais ou mesmo no que tange aspectos éticos e na aplicação da IA por parte de empresas e do governo. Devido aos impactos severos que a utilização dessa tecnologia pode causar na vida de indivíduos e de grupos de indivíduos é necessário que haja regulamentação robusta e eficaz, não apenas um texto de lei que não seja aplicável à realidade.

O texto do PL também tem pontos positivos como os “princípios para o uso responsável de inteligência artificial no Brasil” (art. 6º), que, mais tarde, podem vir a ser complementados por leis específicas. Devido ao célere desenvolvimento tecnológico na área, uma legislação muito específica poderia correr o risco de estar desatualizada em pouco tempo, facilitando que empresas e o setor público pudessem escapar de responsabilizações jurídicas.

 O PL nº 21/2020 prevê a figura do “agente de IA”, que poderá ser tanto aquele que desenvolve e implanta um sistema de IA, ou seja, nos termos do projeto de lei, o “agente de desenvolvimento”, como aquele que o opera, ou “agente de operação”. Os agentes de IA terão uma série de deveres, como responder legalmente pelas decisões tomadas por um sistema de IA e assegurar que os dados utilizados respeitam a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

Outra inovação do projeto é a criação do relatório de impacto de IA, um documento elaborado pelos agentes de IA com a descrição da tecnologia, incluindo medidas de gerenciamento e contenção de riscos. A publicação do relatório poderá ser solicitada pelo poder público que também poderá recomendar adoção de padrões e melhorias na tecnologia. De acordo com a proposta, a divulgação será realizada pelo “agente de IA”, no entanto, de acordo com especialistas no tema, os artigos que fazem referência ao relatório são incipientes e demasiado genéricos, o que não é desejável em legislação específica sobre a temática. O texto também prevê que o poder público estimule a adoção de IA nos serviços públicos, preferencialmente no formato livre e aberto, apoie a pesquisas na área, capacite pessoas para que se adaptem à nova realidade tecnologia e crie mecanismos de governança.

Amarrando os pontos, conclui-se que…

O Brasil ainda não conta com um marco regulatório sobre IA. O PL nº 21/20, que estabelece os fundamentos e princípios para o desenvolvimento e a aplicação da IA no país, está em trâmite legislativo no Congresso Nacional.  Em relação ao PL, existem preocupações com lacunas e pontos genéricos apresentados no corpo do texto. A EBIA configura como um importante documento no sentido do desenvolvimento e utilização da IA no Brasil, no entanto, o país ainda está dando os seus primeiros passos em relação ao tema. O documento também é genérico, apresentando, entre outros tópicos, diretrizes de uso da tecnologia.

Além do PL  nº 21/20 e da EBIA, existem outros textos normativos no ordenamento jurídico brasileiro que podem dialogar com o tema, como, por exemplo, a LGPD e o Código de Defesa do Consumidor (CDC).  

Devido ao fato de ainda não haver regulação específica sobre IA no Brasil, seus impactos levantam uma série de questionamentos ético-jurídicos. Sendo assim, os limites e parâmetros do uso da IA por parte das empresas e governos ainda é incerto, o que pode causar impacto nos direitos dos cidadãos.

O uso da IA deve ser harmônico com os direitos garantidos aos cidadãos, sejam aqueles consagrados na constituição nacional ou pela Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH). A utilização de novas tecnologias pelo mercado ou pelos Estados devem sempre estar alinhadas com o bem estar social e com a promoção de uma vida digna.

As opiniões e perspectivas retratadas neste artigo pertencem a seu autor e não necessariamente refletem as políticas e posicionamentos oficiais do Instituto de Referência em Internet e Sociedade.

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Líder de pesquisa em proteção de dados pessoais e pesquisadora no Instituto de Referência em Internet e Sociedade (IRIS). Mestre em Direito pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS 2022), vinculado ao Centro de Estudos Europeus e Alemães (CDEA). Realizou pesquisa de campo em Amsterdam, Holanda, durante o Mestrado para fundamentar estudo comparado realizado na dissertação. Especialização em Direito do Consumidor pelo Centro de Direito do Consumo (CDC) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (UC 2021). Pós-graduação (lato sensu) em Direito Digital na Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP 2021). Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS 2019). Colaboradora no projeto de pesquisa “Proteção de Dados Pessoais nas Américas”, idealizado em parceria pelo Grupo de Pesquisa CNPq “Observatórios da Lei Geral de Proteção de Dados e do Marco Civil da Internet”, vinculado a Universidade de São Paulo (USP), e pelo Grupo de Pesquisa CNPq “Mercosul, Direito do Consumidor e Globalização”, vinculado a UFRGS. Realizou período de mobilidade internacional na Universidad Internacional de Cataluña, Barcelona, Espanha (UIC 2017). Durante a graduação, realizou período de estudo de língua estrangeira em Vancouver, Canadá. Foi bolsista de iniciação científica do Programa de Bolsa Pesquisa – BPA (PUCRS 2016-2018). Prestou serviços de assessoria jurídica voluntária no Serviço de Assessoria Jurídica Universitária (SAJU UFRGS) – Direito do Consumidor (G7) – durante os anos de 2019 e 2022. Atua e pesquisa nas áreas de proteção de dados pessoais e privacidade, Direito da Informática, criptografia, Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) e Direito do Consumidor.

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