Indústria da atenção e o futuro da Internet
Escrito por
Odélio Porto Júnior (Ver todos os posts desta autoria)
27 de janeiro de 2017
Esse texto foi baseado na entrevista de Tim Wu ao jornal The Guardian.
“Em um mundo rico em informação essa riqueza significa escassez de outra coisa: a escassez daquilo que as informações consomem. O que a informação consome é bastante óbvio: a atenção dos destinatários. Desse modo uma riqueza de informação gera pobreza de atenção e a necessidade de se alocar eficientemente a atenção num cenário de abundância de fontes de informação que irão consumí-la.” [1]
O trecho acima é a transcrição de uma fala do ganhador do prêmio Nobel de economia Hebert Simon. Essa curta caracterização das consequências que uma sociedade rica em informação pode trazer aos seus membros parece se referir diretamente ao contexto atual da Internet. Contudo, ela foi proferida em 1971, quando TV, rádio e jornal eram os principais meios de comunicação de massa.
E é com base na análise do desenvolvimento dos meios de comunicação que o professor de direito Tim Wu, responsável pelo termo “neutralidade de rede” [2], desenvolve a história da “indústria da atenção” em seu livro The Attention Merchants. Para o professor, essa modalidade de indústria teria como objetivo capturar a atenção humana, como uma espécie de commodity, para revendê-la em seguida para anunciantes. Apesar das diferentes formas que a indústria da atenção tomou ao longo do tempo e das peculiaridades de cada uma, ainda há continuidades e comparações válidas para o cenário atual de certos serviços da Internet.
Uma breve história
Um dos primeiros exemplos da indústria da atenção surgiu em 1833, com o jornal New York Sun, cujo modelo de negócios era criar uma circulação rápida de seus jornais com base em custos reduzidos e notícias falsas ou sensacionalistas. Para Wu, ele estabeleceu o principal modo de agir da indústria da atenção: oferecer serviços ou produtos “grátis” de forma a atrair a atenção das pessoas e então vendê-la.
Esse modelo se desenvolveu com o rádio nos EUA, com as novelas (soap operas) e na TV, principalmente por meio dos programas de quiz dos anos 1950. Hoje serviços gratuitos oferecidos por empresas como Facebook, Google, BuzzFeed atuam com lógica semelhante, buscando a atenção dos usuários em troca de dados pessoais que serão utilizados para marketing direcionado. Porém, diferentemente do marketing uniforme para as massas, hoje se observam propagandas personalizadas, direcionadas a peculiaridades de indivíduos, ou grupos sociais específicos.
Kill your television!
Wu também percebeu que surgiram resistências às formas de captação da atenção ao longo do tempo. Nos anos 1960, os movimentos da contracultura buscaram diminuir a influência da TV de massa, como o Kill Your Television [3]. Atualmente, resistência semelhante pode ser atribuída ao uso de programas como o Ad Block, no uso de softwares livres que não captem dados para fins de propaganda direcionada. Ou até mesmo no Netflix, cuja oferta de vídeos se traduz em uma experiência imersiva, sem propagandas, e controlada pelo consumidor.
Outra semelhança histórica interessante detectada por Wu é a de que as grandes tecnologias da comunicação do séc. XX e XXI normalmente tiveram um início de desenvolvimento mais aberto, criativo e caótico, o que garantia espaço para múltiplas iniciativas e inovações. Essa descrição parece mostrar como grande parte dos usuários vêem a Internet atualmente. Wu percebeu que, ao longo do tempo, as tecnologias da comunicação acabam sendo dominadas por interesses econômicos. Ele afirma que, a princípio, acreditava-se que a Internet poderia quebrar esse padrão, mantendo um ambiente aberto à competição.
No entanto, hoje grandes empresas estão dominando globalmente o mercado de certos serviços online, em que pequenas empresas têm pouco espaço para competir. Wu acredita que uma das causas que nos trouxeram a esse cenário deve-se a certo idealismo ingênuo do fim dos anos 1990, passando pelos anos 2000. Os netizens, cidadãos da internet, acreditaram que a cultura do mundo online era diferente daquela do mundo offline, supondo que as características positivas de abertura, inovação, liberdade de expressão e comunicação se manteriam por si mesmas. Mas subestimaram problemas como trollagem, roubo de dados, marketing invasivo, entre outros, acreditando que eles se resolveriam por si mesmos.
Admirável Internet Nova?
Para Wu, se a sociedade acredita que há certas características da Internet que possuem um caráter público importante, então deve-se garantir que elas sejam preservadas por meio de instituições sólidas. Não se deve, como inicialmente acreditou, esperar que sejam mantidas por si mesmas e que as pessoas ajam moralmente diferente na Internet, ou somente por meio de modelos de negócio sem fins lucrativos.
O trabalho de Tim Wu é essencial como alerta para aqueles que se preocupam em garantir uma Internet aberta e plural, pois ainda parece ser forte no imaginário social certa ingenuidade ao associar o ciberespaço como sinônimo de liberdade e igualdade entre usuários. Para que os aspectos públicos sejam preservados no mundo digital, ao mesmo tempo em que se garanta o desenvolvimento econômico e o respeito aos direitos humanos, deve-se buscar fortalecer os espaços de diálogo e a tomada de decisão multissetoriais. Assim, busca-se evitar que o desenvolvimento da rede não seja monopolizado somente por um setor.
É nesse sentido que se tornam essenciais espaços como o Internet Governance Forum (IGF), que busca criar um debate que seja aberto aos agentes interessados. Mas deve-se estar atento às diferenças de poder entre os participantes, buscando atenuá-las de forma a garantir um espaço o mais democrático possível.
[1] SIMON, Hebert A. Designing Organizations for an Information-Rich Wolrd. 1971. p.41.Tradução livre pelo autor deste texto. Disponível em: <https://goo.gl/SFGoso>. Acessado em: 25/01/2017.
[2] WU, Tim. Network Neutrality, Broadband Discrimination. Journal of Telecommunications and High Technology Law. Vol. 2. 2003. Disponível em: <https://goo.gl/j1VKwM>. Acessado em: 25/01/2017.
[3] ASSANGE, Julian; APPELBAUM, Jacob; MULLER-MAGHUN, Andy; ZIMMERMANN, Jérémie. Cypherpunks – Liberdade e o Futuro da Internet. São Paulo: Editora Boitempo. 2013. p.71.
Escrito por
Odélio Porto Júnior (Ver todos os posts desta autoria)
Pesquisador do Instituto de Referência em Internet e Sociedade, graduando em direito na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Cursou dois anos de ciência política na Universidade de Brasília. Membro do GNet. Foi membro da Clínica de Direitos Humanos (CDH) e da Assessoria Jurídica Universitária Popular (AJUP), ambos da UFMG.