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Estamos seguros na internet?

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25 de fevereiro de 2019

Terminamos fevereiro de 2019, mês em que o Cristo Redentor, um dos maiores símbolos do país, ficou laranja pela causa da segurança da internet, com a pergunta: estamos seguros na internet? Como sociedade, é natural que compreendamos muitos fatos relacionados ao mundo online com preocupação e até temor. Mais importante do que “sim” ou “não” para a pergunta desse título, porém, é a resposta “como”.

Segurança na internet: ver para crer

2019 começou agitado para quem acompanha (ou tenta acompanhar) a pauta da internet no Brasil e no mundo. Celebramos o Dia da Internet Segura, conduzido no Brasil pela Safernet em 05 de fevereiro, já expressando algumas preocupações. A busca por uma internet mais positiva, lema da campanha deste ano, deu o tom das ações que procuraram, não apenas disseminar boas práticas relativas ao uso seguro, responsável e consciente da internet, mas também chamar atenção para a repercussão das condutas na rede em nossas vidas.

O aumento de 109,95% de denúncias dos crimes praticados pela internet, por si só, já chama a atenção. Mecanismos de denúncia e canais de ajuda são cada vez mais valiosos para a compreensão e combate de manifestações de racismo, xenofobia, neonazismo, violências de gênero, religiosas, entre outras formas de discriminação, que crescem na internet. Além disso, o alarmante número de vazamento de dados em todo o mundo, no contexto em cada vez mais dados são requisitados de indivíduos, sem sua devida informação ou consentimento, também indica um cenário futuro não muito otimista.

Já no segundo mês do ano, também foram relevados escândalos de abuso infantil por meio de aplicativos de relacionamento e do vazamento da localização de milhões de pessoas, despertando preocupação sobre as consequências de empresas privadas realizarem reconhecimento facial em lugares públicos. A sensibilidade de dados advindos do reconhecimento facial, além de informações como a hora e o local onde alguém de forma rotineira se encontra, podem ser usadas para fins ilícitos – que incluem desde o assalto a um local que fica vazio em determinado horário, por exemplo, até o uso de registros faciais para falsificação ideológica. Essas preocupações e a necessidade de uma política de segurança relativa a como, por quem e de que modo são coletados dados devem ser consideradas em projetos como o do Rio de Janeiro para as ruas do carnaval de Copacabana.

A segurança de dados dos usuários da internet também levou as grandes empresas da camada de aplicações a receberem questionamentos oficiais, nos Estados Unidos. E ainda, a exploração de crianças pela internet, fez com que o Youtube reagisse a canais de vídeo e comentários. A proteção de menores, aliás, assume uma importância cada vez maior em termos do cuidado necessário quanto ao conteúdo a eles, por e para eles veiculados online. Outro grupo que chama a atenção é o das mulheres, assim como a comunidade LGBTQ+,  que integram a maioria das vítimas de agressão de gênero pela internet.

O modo como as notícias são veiculadas e as medidas contra a desinformação também oferecem um cenário de incertezas quanto à segurança na rede. A ampla divulgação de áudios privados do atual presidente sugere pouca preocupação em relação à segurança das informações do novo governo. Ocupando o cenário brasileiro também estão as propostas contra as chamadas “fake news”, que traduzem amadorismo em relação ao tratamento da desinformação e ignoram as melhores práticas reconhecidas internacionalmente.

Considerando os impactos da internet na segurança e no exercício de direitos fundamentais, muitos são os aspectos a serem considerados para que seja efetivada uma relação saudável e responsável com as redes. Como podemos responder, como sociedade, à segurança na internet? Conseguimos acreditar em uma internet segura e vê-la sendo efetivada?

Leis poderão nos defender?

Desde a estruturação dos Estados nacionais e de seu aparato de exercício de poder, a sociedade comumente se volta para esse ator à espera de respostas sobre os fenômenos sociais. A internet e sua regulação, apesar de o Brasil adotar um modelo específico de governança multissetorial, que inclui, portanto, atores não-estatais, não são exceção a essa expectativa. Nesse sentido, Marco Civil da Internet foi uma das leis pioneiras no mundo sobre a internet e que estabelece, desde 2014, os valores, princípios e direitos na internet do Brasil. As garantias do Marco Civil vão desde a privacidade e a proteção de dados, cuja proteção fica mais robusta com a nova LGPD, até providências para a retirada mais rápida, pelos provedores de aplicação, de conteúdos de nudez divulgados sem autorização da vítima.

Sobre esse tema, também podem ser observadas outras leis no ordenamento brasileiro que buscam criminalizar a prática conhecida por “pornografia de revanche”, especialmente em casos envolvendo menores de idade, ameaça, ou invasão de algum dispositivo eletrônico. Aplicam-se aos crimes cometidos por meio da internet, então, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Código Penal Brasileiro e a Lei n. 12.737 de 2012. Esses são exemplos de que, provadas as condutas criminosas, o Brasil oferece leis para sua punição, ainda que existam, do ponto de vista prático, dificuldades para sua efetivação.  

Apesar da importância da punição das condutas criminosas realizadas por meio da internet ser indiscutível e necessária, é preciso notar que a criminalização, em si, não torna a internet mais segura, sendo apenas mais um dos instrumentos para inibição dessas condutas. Isso porque, como já notamos no caso da criminalização das notícias falsas, o Direito Penal não tem propósito educativo. Este deve ser conduzido por políticas públicas, com a participação ampla da sociedade, rumo a uma internet mais segura. Os investimentos de esforços, por diversos setores, devem ser concentrar na conscientização sobre as potencialidades da rede e seu uso responsável, bem como na formação cidadã e consciente sobre comportamento online e suas consequências para a vida offline.

A internet não vem de Marte

A ideia de que a internet não é uma invenção extraterrestre é uma alegoria para o fato de que ela não é uma tecnologia que não pode ser regulada, ou que seus usos não podem ser moldados e transformados pelos fenômenos sociais e os atores que no seu contexto interagem. A crença em uma internet totalmente independente, que foi difundida nos primórdios da tecnologia, não mais se aplica. Isso porque os efeitos da internet sobre a vida humana são irreversíveis e deixaram de ser opcionais, pois se impõem a grande parte das pessoas.

Os planos e estratégias para uma internet segura devem considerar também o contexto social em que ela está inserida. Esse contexto envolve, como não poderia deixar de ser em qualquer comunidade, também uma cultura. Uma cultura de segurança para a internet está ligada à ideia de que privacidade e segurança não são contrárias, mas intrinsecamente complementares.

Segurança e privacidade não podem ser entendidas como polos opostos.

Isso quer dizer que os diversos atores – estatais e não-estatais – devem se preocupar com a segurança, na perspectiva de proteção também da privacidade, seja por meio das melhores técnicas para resguardar as tecnologias no contexto do Big Data, ou pela consolidação, pelas autoridades, da observância de direitos dos usuários, como realizado pelo MP-MG no caso da coleta de dados por drogarias.

A formação para o uso da internet é urgente

Além de medidas como promulgação de leis e controle pelas autoridades, uma cultura de segurança da internet tem como atores muito importantes os próprios usuários. Nesse sentido, a inclusão digital deve considerar não apenas o acesso à tecnologia, mas também as maneiras pelas quais ela é utilizada. Também chamada de letramento digital, essa parece ser uma preocupação distante do Brasil, em termos de políticas para a internet. No entanto, diversos atores têm se mobilizado para promoção de uma internet segura, por meio campanhas de conscientização, formação de educadores, desenvolvimento e distribuição de material educativo e realização de eventos que proporcionam diálogo sobre a segurança da internet.

O Nic.br, por exemplo, mantém a campanha “#Internet com Responsa”, com material específico para educação digital de crianças, adolescentes e idosos, além de guias informativos sobre comportamento seguro na rede. A Safernet Brasil, além dos canais de denúncia e ajuda anteriormente mencionados, também se dedica a educar, especialmente crianças e adolescentes, por meio de diferentes meios e linguagens, sobre a importância de um ambiente online seguro, de modo a combater ciberbullying, sextorsão, compartilhamento indevido de conteúdo, e diferentes formas de discriminação. A Coalizão de Direitos na Rede, da qual o IRIS faz parte, também se dedica à promoção dos direitos digitais e humanos, entre eles o de uma internet segura para todos, assim como outras instituições.

Ainda que responder “sim” para a pergunta sugerida neste texto possa parecer uma realidade complexa e distante, existem caminhos sendo percorridos nos quais precisamos insistir. Investir na ideia de que a internet não é um mundo à parte e que devemos tomar os mesmos cuidados do contexto que a circunda é um passo muito importante, por exemplo. Engajar-se nas estratégias de educação digital, a fim de participar da construção de uma internet mais segura – e positiva – passa por cada um de nós, terráqueos.

Você pode ver mais sobre esse tema no blog do IRIS, assim como no programa “Conexão” do Canal Futura, do dia 08/03, às 20h.

As opiniões e perspectivas retratadas neste artigo pertencem a seus autores e não necessariamente refletem as políticas e posicionamentos oficiais do Instituto de Referência em Internet e Sociedade.

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Fundadora e Diretora  do Instituto de Referência em Internet e Sociedade, é mestre e bacharel  em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais.

Fundadora do Grupo de Estudos em Internet, Inovação e Propriedade Intelectual – GNet (2015). Fellow da Escola de Verão em Direito e Internet da Universidade de Genebra (2017), da ISOC – Internet and Society (2019) e da EuroSSIG – Escola Europeia em Governança da Internet (2019). Interessa-se pelas áreas de Direito Internacional Privado, Governança da Internet, Jurisdição e direitos fundamentais.

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