Dilemas entre a Desinformação e a Democracia na era digital no contexto latino-americano
Escrito por
Lucas Samuel (Ver todos os posts desta autoria)
7 de novembro de 2022
A internet tem se consolidado como o principal meio de comunicação e informação da humanidade. O fluxo de dados diário é tão grande que não conseguimos ficar por dentro de tudo o que está acontecendo no mundo. Em paralelo a isso, a internet tem sido utilizada por pessoas, por grupos e por governos mal intencionados para disseminar desinformação (entre outros conteúdos nocivos, como discurso de ódio), o que prejudica a ordem social e as bases da democracia em uma sociedade cada vez mais conectada e dependente das ferramentas tecnológicas.
Tendo essa perspectiva, e na condição de Estagiário de Pesquisa do IRIS, eu, Lucas Samuel, participei presencialmente, entre os dias 17 e 18 de outubro de 2022, do fórum internacional “Information Literacy in the Age of Disruption” (Competência em Informação na Era da Disrupção), em San José, capital da Costa Rica. O evento foi organizado pela Digital Communication Network Global (DCN Global) e patrocinado pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos da América, para discutir como a era digital está repleta de dilemas que temos que enfrentar, em razão do uso das ferramentas tecnológicas, em certa medida, para corroer direitos fundamentais (direito à informação, à liberdade de opinião e de expressão, etc.), para polarizar o cenário político, para fortalecer regimes autoritários, e para propagar a vigilância online contra cidadãos latinos-americanos. Deu curiosidade para entender como isto pode afetar o seu dia a dia? Então continue a leitura para não cair nas teias da desinformação e da manipulação informacional.
Confira o que aconteceu no fórum da DCN Global
Profissionais influentes de toda a América Latina e atuantes nas mais diversas áreas do meio digital se reuniram para debater, em uma perspectiva da região, os dilemas existentes na era da disrupção digital, na qual o atrito entre a desinformação e a informação exige do cidadão e do usuário de internet competências informacionais para não consumir, produzir e compartilhar informações falsas e com teores contrários à democracia.
Confira a seguir os principais assuntos debatidos durante o fórum internacional:
- Jornalismo na era digital;
- Empreendedorismo de mídia: ideias que funcionam;
- Desafios e oportunidades na era da desinformação;
- Confiança na tecnologia e no futuro da influência digital;
- Tecnologias digitais de fronteira e suas implicações políticas: inteligência artificial, proteção de dados e desinformação;
- Web 3.0 desencadeando o futuro da criatividade latino-americana;
- Blockchain é muito mais do que criptomoedas: novos paradigmas para melhorar o espaço da informação;
- Jogo “mídias sociais contra a humanidade”;
- Combate a desinformação na era digital: desafios jurídicos e cenário normativo na América Latina;
- Desinformação e notícias falsas só podem ser detidas por coalizões;
- Desinformação durante as eleições e na política;
- Influência estrangeira na América Latina;
- Usando as Redes Sociais para combater a censura e a propaganda: o papel da tecnologia no novo autoritarismo na América Latina;
- Ferramentas digitais para os direitos humanos;
- Tecnologia e sociedade civil.
Mesmo em democracias, grupos vulneráveis estão mais suscetíveis a desinformação
Os novos canais digitais de comunicação e distribuição de informação têm modificado a maneira como a sociedade se relaciona, expressa e, principalmente, informa. Por outro lado, o modo como os meios digitais de comunicação são utilizados é capaz de influenciar positiva e/ou negativamente o usuário final, podendo desenhar ou redesenhar sua visão de mundo, a depender do conteúdo consumido.
Uma pesquisa realizada pela Avaaz revela que, em todo o mundo, a população brasileira é a que mais acredita em fake news. Em cada 10 brasileiros, 7 se informam através das redes sociais e 62% já acreditaram em alguma notícia falsa. O mais interessante é que as mulheres são as principais vítimas da desinformação, bem como estão mais suscetíveis a ameaças, xingamentos e conteúdos violentos.
Nas democracias, o direito de acesso à informação e à liberdade de expressão é garantido pelo direito positivado. No entanto, as notícias falsas estão presentes no mesmo espaço digital das notícias reais e, diante de um fluxo tão imenso de informações, os usuários de internet tendem a não verificar as fontes e compará-las. Além disso, com o mecanismo de compartilhamento nas redes sociais, a desinformação circula de maneira ainda mais rápida, atingindo milhares de pessoas em segundos. Essa realidade é apontada por uma pesquisa realizada pela Avast, segundo a qual apenas 7% dos usuários verificam em outras fontes na internet as notícias que veem nas redes sociais.
Esses dados são preocupantes, uma vez que apontam o risco real de milhões de pessoas acreditarem que seja verdade uma desinformação acessada, lida e compartilhada . A depender da notícia falsa, mortes podem acontecer, golpes financeiros podem ser aplicados, a economia de um país pode entrar em colapso da noite para o dia, a democracia pode ser desestabilizada, o autoritarismo pode ganhar força, etc.
Some-se o dado de que os usuários de internet com baixo nível de letramento digital estão mais suscetíveis a acessar, ler e compartilhar informações falsas. Por mais que as democracias latinas favoreçam, através de direitos, o acesso à informação e o livre fluxo de ideias, essas mesmas democracias não oferecem mecanismos suficientes para combater a desinformação. É inegável que a era digital trouxe grandes desafios para todos os setores da sociedade e, por isso, é essencial haver uma readequação a este novo cenário, por exemplo, por meio do debate público, da construção e implementação de ferramentas públicas eficientes de verificação das informações, bem como da implementação de programas de combate a desinformação nas escolas.
Se uma democracia quiser manter intactas suas estruturas frente à disrupção digital, ela terá que se reinventar, se readequar e encontrar soluções nas próprias tecnologias digitais para combater a desinformação e, ainda, garantir que este processo seja aberto e dialogado com vozes plurais. Caso contrário, mesmo em democracias, os grupos mais vulneráveis continuarão suscetíveis a desinformação e aos perigos do mundo online.
Entre os dilemas, a luz no fim do túnel são os princípios para a governança e o uso da internet
A internet não é terra sem lei. Mesmo diante dos diversos problemas existentes que cercam o espectro da rede de computadores, os princípios para a governança e o uso da internet são como uma bússola orientadora para um processo sustentável e escalável da internet e, sobretudo, com respeito aos direitos humanos.
Em relação ao tema da desinformação, foram escolhidos os 3 (três) principais Princípios que mais se adequam ao assunto:
1 – Liberdade, privacidade e direitos humanos: O uso da internet deve-se guiar-se pelos princípios de liberdade de expressão, de privacidade do indivíduo e de respeito aos direitos humanos.
2 – Governança democrática e colaborativa: A governança da internet deve ser exercida de forma transparente, multilateral e democrática, com a participação dos vários segmentos da sociedade, preservando e estimulando o seu caráter de criação coletiva.
3 – Universalidade: O acesso à internet deve ser universal para que ela seja um meio de desenvolvimento social e humano, contribuindo para a construção de uma sociedade inclusiva e não discriminatória em benefício de todos.
Na era da disrupção digital e entre os dilemas da desinformação enfrentados pela democracia no contexto latino-americano, esses princípios são a luz no fim do túnel para guiar o desenvolvimento de mecanismos que combatam o avanço dos ventos contrários a um progresso saudável da tecnologia. A partir deles, os pilares democráticos podem não ser corrompidos e os direitos de liberdade de expressão e de acesso à informações confiáveis e verificadas podem ser combustíveis para a construção de um futuro no qual a tecnologia não seja inimiga da sociedade, principalmente, das camadas mais vulneráveis.
As opiniões e perspectivas retratadas neste artigo pertencem a seu autor e não necessariamente refletem as políticas e posicionamentos oficiais do Instituto de Referência em Internet e Sociedade.
Escrito por
Lucas Samuel (Ver todos os posts desta autoria)
Graduando de Relações Internacionais na Universidade Estadual da Paraíba. Atua como estagiário no Instituto de Referência em Internet em Sociedade (IRIS). Bolsista do Programa Policy Fellows (2022) do LACNIC. Participante do Programa IGF Youth Ambassador (2022) promovido pela ISOC. Foi bolsista da South School on Internet Governance (Argentina, 2020). Atuou como pesquisador Internacional sobre conectividade rural e inclusão digital pelo LACNIC no ano de 2020, atuando como Líder 2.0 na América Latina e Caribe.