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Ciência sobre internet e sociedade: inquietações

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4 de julho de 2022

O post de hoje é uma reflexão minha sobre como o conhecimento vem se organizando nas temáticas que estudamos dentro desse universo da pesquisa sobre internet e sociedade. Ele é um chamado para a conversa a partir da perspectiva desta que vos escreve – apenas uma pessoa com suas vivências e diálogos – então contrapontos, complementos e correções são super bem-vindas!

Garimpando material de pesquisa

Como pesquisadora e coordenadora que acompanha algumas etapas de pesquisas – entre elas, esse momento tão importante que é a publicação – queria compartilhar aqui algumas inquietações desse trabalho que é escolher como levar ao mundo os resultados de uma pesquisa.

Ironicamente, tudo começa pelo momento em que não temos ainda resultados. Imagine que você está começando uma nova pesquisa em um projeto sobre temas atuais envolvendo internet e sociedade. Chegou aquela hora de procurar o que já existe publicado. Afinal, é preciso compreender a área onde a gente quer dialogar e contribuir

Eu não sei você, mas vou contar o que acontece comigo e com muita gente que conheço: as primeiras fontes de material mais certeiro são pesquisas e estudos garimpados em sites de institutos que conhecemos ou que encontramos também depois de muito procurar pelas redes.

E agora vem algo que pode soar polêmico: isso é estranho! Afinal, temos algo a repensar nesses formatos de publicação? Proponho dividir aqui alguns questionamentos sobre isso e por que eu penso que poderia ter vantagens em investir mais em publicações acadêmicas tradicionais.

Parênteses sobre publicações acadêmicas

Imagine a seguinte situação: uma pessoa que você conhece fala que não vai se vacinar porque pensa que os testes da vacina foram fraudados. E ela menciona um estudo que leu sobre isso, que está em uma página de um instituto renomado de pesquisa. Você vai até essa página e verifica que, de fato, existia um texto falando sobre isso, mas ele foi retratado com diversas correções, e uma em especial: na verdade, a amostra onde ocorreu a possível fraude é minúscula e não afeta a confiabilidade da vacina.

Isso é possível porque esse estudo está disponível ao público por meio de uma revista, denominada periódico (por razões óbvias), que se compromete com diversos parâmetros de ética em pesquisa. Um deles é a revisão duplo-cego por pares (isso significa: pessoas da área, os “pares”, revisam a publicação, sem que essas pessoas ou a pessoa que escreveu saibam a identidade uma da outra). Um segundo parâmetro é a retratação por meio de averiguação de aspectos como conflitos de interesse, equívocos matemáticos, erros no desenho de pesquisa, que muitas vezes passam despercebidos pelos pareceristas e só são identificados pelo público.

Então, uma publicação em periódico não é algo permanente e intocável. E aí que está uma beleza do meio das publicações científicas: a possibilidade de contestar e comparar evidências, fundamental para a construção de conhecimento confiável. 

A internet permite que isso seja potencializado, com a publicação – e indexação – de uma quantidade inimaginável de informação (já falamos sobre isso na postagem sobre bases de pesquisa). Artigos indexados são mais acessíveis porque podemos apenas digitar a palavra-chave em uma base e lá estarão eles; disponíveis para todas as pessoas conectadas (o que já é um limitador importante), sem restrição a quem conhece qual grupo de autores, instituições ou eventos.

Ciência sobre internet e sociedade no Brasil

Ironicamente, nem sempre as pesquisas sobre temas envolvendo internet estão inseridas nessa lógica de indexação e inserção em bases de pesquisa, ao menos no Brasil. Em inglês, costuma haver mais material (mas isso também nem sempre é uma realidade). Temos, sim, pessoas publicando em periódicos de forma independente ou vinculadas a centros de pesquisa

Mas observo muitas vezes o seguinte: os temas mais atuais e os estudos que contam com mais investimento direto ainda estão publicados de forma dispersa em portais das instituições, eventos, etc, sem indexação adequada. Ou seja, se não sabemos onde buscar, como iremos encontrá-los?

E com isso não quero insinuar que eles não são de qualidade ou elaborados com metodologias sofisticadas e fundamentadas – como eu mencionei no início, eles muitas vezes são os que mais conversam com os temas e reflexões atuais. E há uma vantagem em particular nessas publicações: elas buscam ter uma linguagem mais compreensível por pessoas não especialistas. É a ideia de um conhecimento refinado e cuidadoso, mas acessível ao público geral. Mas em que medida as ferramentas para reconhecer o refinamento do conteúdo estão também acessíveis? 

Em geral, defender a ciência também nos leva a compreender alguns aspectos de como ela funciona. Vivemos dois anos e meio (e contando…) de pandemia. Nesse período, aprendemos que é possível existir uma rede de instituições e pretensos “estudos”, com falsa roupagem de preocupação científica, afirmando e defendendo pontos que não são, no fim do dia, fundamentados em evidências. Então, se incentivamos pessoas não especialistas a confiarem em informação acessível, como elas podem separar o que é confiável ou não?

Isso me faz pensar que o formato de circulação e publicação de estudos científicos – ainda que imperfeito – é importante para a confiabilidade do conhecimento. Poder comparar estudos com outras evidências levantadas, sem importar tanto quem publicou, mas quais os interesses envolvidos e de que forma o estudo foi conduzido. Existe uma confiança de que, se submetidos aos pares, erros e deslizes serão identificados e corrigidos pela comunidade.

A comunidade científica

E aí está um ponto importante da comunidade científica: ela precisa ser, de fato, uma comunidade. Se não existir essa troca, essa colaboração, complementação entre diversos estudos em diversos lugares que trabalham em torno do conhecimento sobre determinado assunto, não temos ciência. 

Outro elemento central é a abertura, a disponibilidade do que se produz à comunidade, e a disponibilidade do método a críticas. Ainda que muitos poréns (bem grandes) possam ser gritantes aqui, ciência se propõe como algo que independe diretamente de quem está relacionado ou não às pessoas que produzem o conhecimento. Sim, isso seria mais bonito se não houvessem diversas comunidades que, por serem oprimidas socialmente, não têm equidade de acesso à formação científica e são subrepresentadas – mas a ciência também é uma ferramenta que revela isso e é um primeiro passo para quebrar essa lógica; o compromisso com a abertura existe, ainda que não seja sempre honrado da maneira que deveria.

Mas o que isso tem a ver com publicações indexadas? Como eu dizia lá no início, o primeiro passo que damos ao começar uma pesquisa é tentar entender com quem estamos dialogando, o que outras pessoas já fizeram. Se eu tenho que, de antemão, saber quem são essas pessoas e onde elas publicaram as pesquisas delas, uma restrição ao conhecimento se empilha sobre todas aquelas que já estão estruturalmente inseridas na sociedade. 

Quando restringimos o conteúdo a sites e instituições que precisam já ser conhecidas de antemão, ou que exigem que a pessoa faça um verdadeiro garimpo para encontrar material, estamos impondo mais uma barreira à construção dessa comunidade. Só quem teve contato com as pessoas certas, ou com os eventos certos, estará a par de que esses materiais existem. 

Isso não combina com a ideia de um conhecimento disponível e aberto a críticas e reforça todas as relações de desigualdade que tornam a comunidade menor e, portanto, menos aberta e menos aderente à proposta da ciência. Minha proposta de reflexão sobre essas inquietações é com a esperança de que tenhamos mais e mais redes e disponibilidade de nossas pesquisas em formatos que permitam a ampliação da comunidade de pesquisa sobre internet e sociedade e o alcance do que produzimos.

As opiniões e perspectivas retratadas neste artigo pertencem a seu autor e não necessariamente refletem as políticas e posicionamentos oficiais do Instituto de Referência em Internet e Sociedade.

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Coordenadora de Pesquisa e pesquisadora no Instituto de Referência em Internet e Sociedade (IRIS), Doutoranda em Direito na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Mestra em Direito da Sociedade de Informação e Propriedade Intelectual pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Graduada em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

Membro dos grupos de pesquisa Governo eletrônico, inclusão digital e sociedade do conhecimento (Egov) e Núcleo de Direito Informacional (NUDI), com pesquisa em andamento desde 2010.

Interesses: sociedade informacional, direito e internet, governo eletrônico, governança da internet, acesso à informação. Advogada.

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