Blockchain e Governo Eletrônico: a experiência da Estônia e as primeiras iniciativas brasileiras
Escrito por
Pedro Vilela Resende Gonçalves (Ver todos os posts desta autoria)
4 de setembro de 2017
A maior parte dos debates envolvendo a tecnologia de Blockchain gira em torno do seu uso como uma ferramenta de inovação financeira e de âmbito privado, enquanto suas aplicações ao interesse público são subestimadas e raramente discutidas, mesmo sendo muitas.
O poder da Blockchain para o interesse público reside na oferta simultânea de transparência, confiança e privacidade: elementos desejáveis por qualquer cidadão. A impossibilidade de violação ou alteração dos registros, a sua natureza pública mas anonimizada e sua descentralização inerente tornam a Blockchain uma poderosa ferramenta para adoção por parte de governos e outras organizações sem fins lucrativos.
Além do exemplo clássico de uso das Distributed Ledger Technologies (DLTs) em cartórios e serviços notariais, uma série de outras aplicações existem que podem ser de grande valor para o interesse público. Em alguns países, como a Estônia, iniciativas concretas que se utilizam da Blockchain já foram adotadas e tem demonstrado resultados positivos concretos. O Brasil também não tem ficado para trás e vem tentando adotar a tecnologia para fins similares.
Neste post, abordaremos um pouco da experiência Estoniana e os primeiros passos do Brasil na adoção de tecnologias de Blockchain para governos eletrônicos e para o interesse público.
Sistema de e-Governo Estoniano
A Estônia é um país pioneiro na adoção de novas tecnologias tanto pelo mercado quanto pelo governo. O chamado movimento da ‘e-Estonia’ reflete uma tendência de modernização e adoção de tecnologia pelo governo Estoniano desde o começo da década de 90, quando o país se tornou independente da União Soviética. Até então um país tecnologicamente estagnado, em poucos anos a nação báltica foi capaz de alcançar outras potências globais em termos de penetração da Internet e adoção tecnológica.
Na última década, o governo passou a oferecer uma ampla gama de serviços inteiramente por meios eletrônicos, e o mais famoso deles é a ‘Estonian e-Residency’: um sistema de residência eletrônica acessível por qualquer pessoa do mundo. Iniciado em 2014, o sistema permite a criação de uma identidade digital única: não-residentes do país podem requerer um smart card emitido pelo Estado que lhes dá acesso a diversos serviços públicos Estonianos. Entre esses serviços estão:
- Possibilidade de se registrar uma empresa estoniana eletronicamente;
- Assinar documentos digitalmente, de forma autenticada;
- Declarar impostos online;
- Envio e recebimento de documentos criptografados;
- Transferências bancárias online
Na base desse sistema está a Blockchain KSI, uma Blockchain de nível industrial utilizada para garantir a integridade dos registros, identidades, transações e da privacidade dos dados dos usuários desse sistema.
Mudamos+
O aplicativo Mudamos, desenvolvido pelo Instituto de Tecnologia e Sociedade, permite a coleta de assinaturas digitais para projetos de lei de iniciativa popular.
No Brasil, a iniciativa popular, em que qualquer cidadão pode apresentar ao Congresso um projeto de lei para ser discutido e votado, tem requisitos que dificultam em muito sua concretização. Entre outros, exige-se a coleta de assinaturas de 1% do eleitorado nacional, em uma distribuição geográfica específica que, para um país da magnitude do Brasil, tornam a iniciativa popular um processo tão complexo, exigindo tamanha organização a nível nacional, que dificilmente poderia ser concretizado apenas pela iniciativa popular propriamente dita.
Utilizando-se da Internet e da Blockchain para garantir a autenticidade das assinaturas, o Mudamos facilita enormemente a coleta de assinaturas a nível federal. Apenas com o Nome, CPF e Título de Eleitor, qualquer um pode utilizar o aplicativo para assinar um projeto de lei de iniciativa popular.
O Mudamos utiliza a Blockchain da Bitcoin para garantir que os dados gerados pelo aplicativo não sejam alterados ou fraudados posteriormente, garantindo maior integridade para o processo.
Outras iniciativas
Outros governos se destacam pelo uso de Blockchain para suprir serviços públicos.
O governo da Georgia foi o primeiro a adotar a tecnologia para registro de títulos de propriedade de terras. Honduras e Peru também tem desenvolvido iniciativas similares. Esses três países têm algo em comum: Todos tem problemas de longa data com fraude de títulos de propriedade.
O governo de Dubai já desenvolveu uma estratégia nacional para adoção de Blockchains em seu governo, para uso em registro de documentos e vistos, constituição de novas empresas e gerenciamento inteligente de energia, entre outros.
O uso de DLTs por parte de governos só tende a aumentar. O registro transparente e seguro de informações é um grande atrativo para as instituições democráticas do século XXI, já tão carentes de confiança e aceitação.
Escrito por
Pedro Vilela Resende Gonçalves (Ver todos os posts desta autoria)
Fundador do Instituto de Referência em Internet e Sociedade, é graduando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. É coordenador e pesquisador do Grupo de Estudos em Internet, Inovação e Propriedade Intelectual. Alumni da 2a turma da Escola de Governança da Internet do Brasil. Membro do Observatório da Juventude da Internet Society.