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Tecnologia Social: técnica e inovação para promoção de autonomia

18 de dezembro de 2017

TinkerCAD, Forno solar da Pleno Sol, GNU Image Manipulation Program, Programa Territórios Sustentáveis. Estas são algumas iniciativas que de forma inovadora, e a partir do uso de diferentes sistemas e ferramentas, contribuem para o processo de emancipação social e transformação de realidades precárias. Ou seja, são conceitualmente denominadas tecnologias sociais. Este termo é produto de uma construção cumulativa originária da expressão “Tecnologia Apropriada” e que comumente é contraposto à “Tecnologia Convencional”.

Origem histórico-social do conceito

O uso de tecnologias tradicionais como instrumento de luta e garantia da sobrevivência ganhou nova perspectiva a partir do século XIX, na Índia, quando esforços — incluindo o protagonismo de Gandhi — foram reunidos para a popularização da Charka, instrumento de fiação considerados o primeiro equipamento tecnologicamente apropriado, e a função e significado desta ferramenta perpassou a necessidade individual, colaborando para a auto determinação e revitalização da indústria nativa hindu.

O conceito de Tecnologia Apropriada (TA) é difundido no Ocidente pelo economista Ernest F. Schumacher que em 1973 publicou o livro Small is beautiful: economics as if people mattered. Considerando a ideia de TA — cujo sentido é amplo e abrange, conforme disposto pelo Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia, “a aplicação sistemática de conhecimentos (…) para a solução de problemas identificados pela própria comunidade, de forma a evitar efeitos negativos sobre a sociedade”— Schumacher molda também o conceito de Tecnologia Intermediária, a qual deve ser aplicada por países periféricos, com enfoque regional de desenvolvimento, observado baixo custo, pequena escala, simplicidade e respeito à dimensão ambiental.

Conforme esclarecido por Ivete Rodrigues e José Barbieiri, a grande diferença trazida pela Tecnologia Social é que ela não tem como cerne apenas a aplicação de “soluções importadas ou produzidas por equipes especialistas”, mas “volta-se prioritariamente para a emancipação dos atores envolvidos, tendo no centro os próprios produtores e usuários dessas tecnologias”. Assim, a TS é distinta e individualmente pensada para cada região, levando em conta os aspectos naturais, sociais, históricos, econômicos e culturais, surgindo desse diálogo uma inovação adequada aos valores locais e também emancipatória.

Contraponto à Tecnologia Convencional

Diversos outros termos foram cunhados a partir deste ponto de inflexão no século XX, contudo, a semelhança entre eles era a constatação da inadequação da Tecnologia Convencional à conjuntura sócio-econômica global e sua contribuição inclusive para o agravamento de cenários já preocupantes. Conforme Flávio Curvinel Brandão caracteriza, as TC são tecnologias “consideradas de uso intensivo de capital e poupadoras de mão-de-obra, objetando-se ao processo de transferência massiva de tecnologia de grande escala, característico dos países desenvolvidos, para os países em desenvolvimento”.

É reconhecido o domínio do capital financeiro e das grandes corporações sobre os processos e produtos disponíveis no mercado, contudo, a dicotomia hora prevalecente entre o interesse grandes companhias e o interesse social não é necessariamente fixa. A título de exemplo tem-se a iniciativa da Google, multinacional cujo valor de mercado em Setembro deste ano beirava US$ 141,703 bilhões, que lançou, em 2016, a segunda edição do Desafio de Impacto Social do Brasil, buscando “empoderar as ONGs brasileiras e fomentar o uso criativo da tecnologia para promover impacto social”, conforme mencionado no site do Desafio.

Iniciativas consolidadas e em desenvolvimento

Elencamos alguns projetos ou produtos que respectivamente promovem e são considerados como Tecnologia Social.

  • Auxílio à empreendimentos:

Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares (ITCP): Programa de Extensão Universitária da UFRJ, que atua na incubação de empreendimentos econômicos solidários, com equipe interdisciplinar (Engenharia, Serviço Social, Direito, Psicologia, Matemática etc).

ECOSOL SP: desenvolvido pela Secretaria Municipal de Trabalho e Empreendedorismo de São Paulo com a UNISOL, fomenta o ambiente de empreendedorismo, por exemplo, prestando cursos de capacitação em autogestão e plano de negócio, além de incubar empreendimentos.

CIRANDAS: Relacionado ao Fórum Brasileiro de Economia Solidária, disponibiliza conteúdo online para promoção da Economia Solidária, contando com uma plataforma para cadastro de empreendedores e entusiastas, divulgação de eventos na área e compilado de artigos e notícias sobre o tema.

  • Produtos:  

Jayaashree Industries: Máquinas para fabricação de absorventes menstruais de baixo custo foram desenvolvidas por um indiano que buscava uma solução para o problema que aflige milhares de mulheres indianas todos os dias. O tabu em relação à menstruação na Índia é o grande responsável por 70% das doenças reprodutivas e pelas mortes maternas. Através da máquina desenvolvida por Arunachalam Muruganantham é possível produzir absorventes higiênicos por 1/3 do valor de mercado.

Epitrack: Startup responsável pela criação de aplicativos como o Guardiões da Saúde, desenvolvido para o Ministério da Saúde, que optimiza o trabalho dos agentes de saúde em comunidades carentes ao coletar as informações fornecidas pelos próprios cidadãos para detectar focos de epidemia e também mapear surtos de doenças infecciosas, além de fornecer informações sobre prevenção e identificação de sintomas de doenças.

Mete a Colher: aplicativo criado por coletivo feminista para ajudar mulheres em relacionamentos abusivos, vítimas de assédio ou qualquer violência. A ferramenta oferece um espaço seguro e exclusivo para o sexo feminino— através do cadastro mediante rede social verificada, criptografia e senha de acesso. O app funciona com base na participação das usuárias, existem diversas categorias nas quais elas podem oferecer ou solicitar ajuda.


Se direcionadas para prestar soluções às questões sensíveis da sociedade, atentando para as reais necessidades da população e com a participação ativa dos segmentos a serem beneficiados, as técnicas e conhecimentos empreendidos para o desenvolvimento de determinado sistema ou ferramenta podem de fato constituir-se como tecnologia justamente por produzir o principal resultado esperado de toda tecnologia: a mudança.


As opiniões e perspectivas retratadas neste artigo pertencem a seus autores e não necessariamente refletem as políticas e posicionamentos oficiais do Instituto de Referência em Internet e Sociedade.

 

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