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Startups jurídicas: novos caminhos para o Direito

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16 de julho de 2018

Em que tempo vivemos?

Assunto que tem ganhado repercussão nas discussões envolvendo tecnologia e Direito, as legal techs, ou startups jurídicas, estão no centro de debates sobre a aplicação da tecnologia ao Direito e suas repercussões para o exercício de atividades que ainda podem ser consideradas convencionais, como a advocacia ou a magistratura. Em última instância, novos modelos de negócio, de base tecnológica, envolvendo o Direito, povoam o imaginário, em misto de desconfiança e entusiasmo, sobre o futuro.

As discussões se inserem em tempos de mudanças que acompanham, em grande parte, os fenômenos da sociedade da informação. Os impactos da tecnologia no Direito, ainda parece estar no campo do desconhecido, ainda que sinalizem mudanças, com afirma Richard Susskind, em Tomorrow’s Lawyer:

“Formas inteiramente novas de prestação de serviços jurídicos surgirão, novas provedoras entrarão no mercado e o funcionamento de nossos tribunais será transformado”.

Nesse cenário, as atuais discussões referem-se à disrupção de variados setores econômicos e comportamentos sociais. Tudo isso inspira, para além da inserção de interfaces tecnológicas nas profissões tradicionais, uma adaptação necessária, uma transformação dos serviços ofertados, a fim de que acompanhem também a mudança das demandas sociais. Como poderia ocorrer essa transformação? O mercado das profissões jurídicas tem pensado e investido cada vez mais em inovação.

Como introduzir inovação ao Direito?

O surgimento de novos modelos de negócio, de base tecnológica, e aplicação de inovação ao Direito, refere-se ao boom que presenciamos das startups jurídicas, ou legal techs, no termo em inglês. A revista do MIT – Massachusetts Institute of Technology – e o programa CodeX, da Universidade de Stanford apontam algumas formas de aplicar tecnologias ao Direito:

    • Aprimoramento de pesquisa jurídica: a tecnologia pode otimizar os mecanismos de busca por informações legais, tanto no que diz respeito a leis e tratados, quanto por referências doutrinárias. Ainda sob esse aspecto, o mapeamento de conteúdos relevantes em contratos, estatutos ou memorandos pode ser facilitado.
    • Estudo aprofundado de precedentes: especialmente relevante nos sistemas de common law, como nos EUA e Reino Unido, os precedentes também estão recebendo mais atenção nos sistemas de civil law, como é o caso do Brasil, sobretudo a partir do Código de Processo Civil de 2015. Nesse contexto de crescente importância, ferramentas de reunião e análise de decisões anteriores, em diferentes instâncias, podem receber base tecnológica considerável.
    • Construção de argumentação jurídica: incorporar inovação pode significar tomadas de decisões estratégicas para casos tanto na advocacia (litigiosa ou consultiva), quanto em outras esferas jurídicas, como decisões judiciais e procedimentos administrativos.O objetivo do trabalho no campo é o desenvolvimento de sistemas de computação capazes de fazer cálculos jurídicos de vários tipos, como verificação de conformidade, planejamento jurídico e análise regulatória. Significa emprego de lógica para tomada de decisões. Considerando inputs e pesos atribuídos em sua programação, sistemas geram outputs relativos a procedimentos legais.
    • Infraestrutura legal: envolve a construção dos sistemas e plataformas, disponibilizados em websites ou aplicativos, por exemplo, que permitem que as partes interessadas no sistema legal se conectem e colaborem de maneira mais eficiente. Aproveitando os avanços no campo da ciência da computação e construindo esforços de padronização nacionais e internacionais, esses projetos têm o potencial de proporcionar benefícios econômicos e sociais ao simplificar as interações de indivíduos, organizações, profissionais da área jurídica e governo à medida que adquirem e prestam serviços jurídicos.

A partir dessas formas de aplicação da tecnologia ao Direito, o CodeX mapeia startups jurídicas pelo mundo, e as classifica de acordo com o objeto de atuação, como automação de documentos, compliance, sistemas de resolução de conflitos online, busca por evidências, entre outras áreas. Tomando por base essas modificações implementadas pela tecnologia nas carreiras jurídicas, é que se questiona o futuro dessas profissões.

Que futuro é esse?

Os esforços para delinear o futuro do Direito, considerada a inserção da tecnologia, ainda estão no início. Apesar de ainda não se saber como serão os futuros cenários, eles se aproximam com velocidade cada vez maior. Qual o período de tempo que teríamos, enquanto profissionais do Direito, para nos preparar para esse futuro?

De modo tradicional, o Direito, por sua vez, tem passos muito lentos, por motivações diversas: demora do processo democrático para a produção de leis, legitimidade das regulações, o fato de primeiro os fenômenos sociais se apresentarem para, então serem legislados e não o contrário, como aconteceu com a Internet, que, apesar de ter se difundido já no final do século XX, apenas agora presencia tentativas de regulamentação. Somado aos fenômenos sociais, acompanhados com dificuldade pelo Direito, ele ainda enfrenta sua estrutura de formação. Historicamente, o Direito foi pensado, ensinado e aprendido como sistema de manutenção: social, financeira e jurídica, propriamente. Disrupções são resistidas e a inovação, até então, não tinha um papel de destaque.

Essa percepção ainda gera resistência e desincentivos à inovação, formação deficitária em gestão e apego às tradições. No Brasil, ainda, a realidade da formação jurídica é de isolamento em relação a outras áreas do conhecimento, como administração de empresas, que viabilizem negócios e a criação e gestão de startups, principalmente em relação a conteúdos técnicos, de formação em ciência de computação, processamento e coleta de dados, entre outros. Esses são, então, desafios a serem enfrentados para inovar as carreiras jurídicas.

A inovação no Direito oferece riscos?

Diante do quadro tecnológico que as startups jurídicas moldam a principal pergunta refere-se à possibilidade de os profissionais do Direito serem substituídos pela inovação. Essa preocupação toma uma maior dimensão com os avanços da inteligência artificial e sua aplicação ao Direito. Os avanços nas técnicas de machine learning e o refinamento dos algoritmos levam à possibilidade de tomadas de decisões e realização de atividades cada vez mais sofisticadas pela tecnologia. Nesse contexto, é possível inferir que camadas menos especializadas, que desempenham funções de menor complexidade, serão afetadas mais rapidamente.

Preparar-se para essa nova realidade, envolve especialmente as etapas de formação. Nesse sentido, algumas escolas de Direito no mundo já procuram se adaptar a novas demandas e tornar profissionais mais aptos ao mercado. A inovação legal, em seus dilemas jurídicos e também em suas bases técnicas, que envolvem, por exemplo, bases de programação, deve permear as diferentes fases da educação jurídica, de forma compatível aos fenômenos sociais, influenciados pela tecnologia, na era da Informação.

Além disso, e acima de todas as preocupações, qualquer iniciativa envolvendo a aplicação de tecnologias ao Direito ou que se baseiam em modelos de legal techs, devem ser coerentes com direitos e garantias do Estado de Direito, como proteção de dados pessoais, devido processo legal e contraditório. A inovação no campo jurídico não deve significar nenhum tipo de retrocesso – muito menos no que se refere às tutelas e bases da sociedade.

Esse post foi baseado na exposição sobre Startups Jurídicas, realizada pela autora, no I Congresso de Tecnologia Aplicada ao Direito, em junho de 2018.

As opiniões e perspectivas retratadas neste artigo pertencem a seus autores e não necessariamente refletem as políticas e posicionamentos oficiais do Instituto de Referência em Internet e Sociedade.

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Fundadora e Diretora  do Instituto de Referência em Internet e Sociedade, é mestre e bacharel  em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais.

Fundadora do Grupo de Estudos em Internet, Inovação e Propriedade Intelectual – GNet (2015). Fellow da Escola de Verão em Direito e Internet da Universidade de Genebra (2017), da ISOC – Internet and Society (2019) e da EuroSSIG – Escola Europeia em Governança da Internet (2019). Interessa-se pelas áreas de Direito Internacional Privado, Governança da Internet, Jurisdição e direitos fundamentais.

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