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Responsabilidade Civil dos Provedores em Economia de Compartilhamento

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2 de dezembro de 2016

A economia de compartilhamento é uma forma alternativa de aproveitamento de recursos e itens dentro da lógica capitalista que, em tese, distancia-se das grandes corporações. Ela se baseia na interação entre usuários de plataformas digitais possibilitando trocas envolvendo dinheiro, serviços, utilização de bens e outras formas de retribuição. Nem sempre o valor econômico é levado em conta, algumas plataformas não preveem um pagamento em dinheiro como retribuição pelo serviço prestado.

Para que a lógica da economia de compartilhamento funcione, é preciso que os usuários confiem uns nos outros. Se as pessoas irão dividir um carro, dormir na casa de outras ou disponibilizar seus itens para terceiros, deverão confiar naquela pessoa com quem interagem. Esse princípio de guiar-se pela avaliação dada por outros usuários, estabelecendo redes de confiança, é o que move essa economia. Em um quadro mais caótico, como o criado pela série de TV Black Mirror, todas as interações pessoais seriam avaliadas para construir a reputação de cada pessoa numa escala de cinco estrelas.

O que diz o Marco Civil da Internet e o Código de Defesa do Consumidor

A partir das classificações dadas pela Lei 12.965/2014, o Marco Civil da Internet, podemos enquadrar as plataformas de economia de compartilhamento como provedores de aplicação1. Elegemos aqui, como exemplos, alguns casos envolvendo a Uber e o Airbnb devido a expressividade de seus serviços no Brasil, para uma rápida discussão sobre a responsabilidade de cada provedor. Para tanto, é importante diferenciarmos os diferentes reflexos da responsabilização dentro relação existente os usuários do serviços e os provedores e os na relação existente entre os prestadores intermediários e as plataformas.

Quando falamos da relação existente entre as plataformas e as usuários finais na economia de compartilhamento, consideraremos as plataformas como prestadores de serviços, e os usuários como consumidores, em um modelo business-to-consumer (B2C). Daí a regência do Código de Defesa do Consumidor e a consecutiva responsabilidade objetiva prevista no artigo 122, ou seja, o fornecedor ou o prestador de serviços respondem independentemente de culpa nos termos da lei.

Já na relação da plataforma com o intermediário, seja o motorista ou o locatário do imóvel, encontramos as principais polêmicas. Sob uma perspectiva econômica entende-se que é estruturado o modelo peer-to-peer, no qual ambas as partes compartilham seus diferentes serviços, cabendo à plataforma, principalmente, oferecer seu banco de dados e conexão para aproximar os passageiros ou locadores do prestador. Em uma perspectiva mais liberal, entende-se que a responsabilidade dos contratante deve ser compreendida na medida do estabelecido no acordo e sob um perspectiva subjetiva, ou seja, a culpa deve ser comprovada.

O Airbnb, por meio de seu site, permite a comunicação entre turistas e donos de imóveis dispostos a alugá-los, propondo uma interação maior entre o turista e a vida cotidiana do seu destino, oferecendo uma opção de hospedagem em contraponto aos hotéis. Recentemente, um casal brasileiro, durante sua lua de mel em Nova York, teve a viagem frustrada ao se deparar com o apartamento alugado por meio da plataforma, cujas especificações não condiziam com as do anúncio realizado. Eles entraram com uma ação contra o Airbnb quando voltaram para o Brasil. O site buscou eximir-se de sua responsabilidade quanto ao estado do apartamento e alegou, também, que por ser sua sede na Irlanda, isso impediria a validade da reclamação no Brasil. O entendimento do juiz brasileiro, contudo, foi favorável aos reclamantes, tendo sido o site responsabilizado pelos danos morais e materiais experienciados pelo casal. O entendimento é benéfico ao consumidor, responsabilizando o site que não quis se envolver nas questões legais da transação3.

Medidas evasivas também parecem ter sido tomadas pela Uber quando um passageiro relatou o descaso da organização diante de um acidente envolvendo o automóvel em que estava4. Em sua defesa, a Uber afirmou exigir um seguro para os passageiros aos seus motoristas, ainda que não exija seguro do carro utilizado para a prestação dos serviços. A medida está ligada a um distanciamento entre o aplicativo e os intermediários, como uma negação do vínculo trabalhista, expondo que os motoristas da Uber apenas complementam sua renda com as corridas do aplicativo.

A recente regulação da empresa em São Paulo, contudo, pode jogar novas luzes sobre o problema da responsabilidade civil do aplicativo. Há, no momento, a proteção até o montante de cinquenta mil reais aos passageiros e motoristas por danos causados em acidentes, mas cessa aí a responsabilidade admitida pela Uber com o motorista e não há, ainda, jurisprudência acertada no país sobre o assunto. Se é possível, por um lado, a aplicabilidade das regras consumeristas à Uber por ser esta solidariamente responsável pelos atos de seus representantes autônomos, conforme o art. 34 do CDC5, por outro 5 discute-se se a responsabilidade da plataforma não deve ser maior devido ao recolhimento pela empresas da taxa de um quinto do valor da corrida6. Deveria a Uber ser responsável 6 por eventuais danos ao automóvel durante a prestação?

Relações de trabalho e consumo

Surge, então, outra discussão: poderia ser considerada a relação entre os motoristas e a Uber uma relação trabalhista? Há aqueles que defendam a extensão do conceito de subordinação jurídica existente na relação trabalhista para a caracterização da alienação e dependência econômica na nova realidade econômica. Considerando a existência de um sistema disciplinar que define penalidades aos motoristas e a concentração de decisões em relação ao modo de produção como preço de serviço, forma de pagamento, padrão de atendimento, dentre outros, haveria elementos suficientes para a caracterização da relação trabalhista. Por outro lado, há aqueles que negam a subordinação e alienação, por considerarem que existe uma evidente autonomia do colaborador, sendo sua jornada dirigida por ele; quantos aos meios de produção, acusam que as diretrizes e formas de pagamento são somente ferramentas de trabalho. Nesse sentido, os veículos utilizados, por exemplo, são disponibilizados pela plataforma e sim, são de posse ou propriedade do motorista7.

Em relação ao consumidor, há quem aponte, inclusive, a vantagem do uso do serviço em comparação com o táxi convencional graças à fácil solvabilidade dos conflitos com o acionamento da empresa. Ela, diferentemente de alguns taxistas que podem não satisfazer o crédito indenizatório, tem um capital considerável e saldos penhoráveis perante as operadoras de cartão de crédito.

Modelos business to business

Relatamos por fim, a amplitude da responsabilidade dos provedores de aplicação no âmbito da economia de compartilhamento ao contratar com outras pessoas jurídicas no modelo denominado como Business-to-Business (B2B). É o caso, por exemplo, de um acordo de integração entre o Google Maps e a Uber. Trata-se de uma relação de contrato, que no direito brasileiro, deve ser compreendida fora do âmbito do consumo, pois nenhum dos dois contratantes são destinatários finais. Assim, regem-se as regras do Marco Civil, por excelência, e as do Código Civil subsidiariamente. Relevada a provável simetria entre as parte, se desconsiderarmos a concentração de informação por algumas empresas, nada mais lógico que a parte afetada precise provar o dano sofrido. Em um âmbito mais próximo, podemos pensar nessa relação a partir de interação entre uma startup nacional que utilize para seus serviços dados de um streaming ou a CABIFY, que utiliza em seus aplicativos os mapas do WAZE com exclusividade.

[1] O Marco Civil da Internet define aplicações de internet no art. 5º: “vII – aplicações de internet: o conjunto de funcionalidades que podem ser acessadas por meio de um terminal conectado à internet.
[2] Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.
[3] PEREIRA, André Arnaldo. Ação contra o site Airbnb beneficia reclamante, 2016. Disponível em:  <https://juridicocerto.com/p/andrearnaldopereira/artigos/acao-contra-o-site-airbnb-beneficia-reclamante-> Acesso em: 31 out. 2016.
[4] RAINAN, João. Descaso total após acidente em corrida, 2015. Disponível em: <http://www.reclameaqui.com.br/15944475/uber/descaso-total-apos-acidente-em-corrida/>. Acesso em: 31 out. 2016.
[5] MAGRO, Américo Ribeiro; AGUDO, Hugo Crivilim. O aplicativo “Uber” e a defesa do consumidor, 2015. Disponível em: <http://intertemas.toledoprudente.edu.br/revista/index.php/ETIC/article/view/4931/4748> . Acesso em 31 out. 2016.
[6] Ibidem.

[7] CHAVES JUNIOR, José Eduardo de Resende. Motorista do Uber poderá ser considerado empregado no Brasil, 2016. Disponível em: . Acesso em: 31 out. 2016. 8 LOPES, Felipe dos Santos. É mais fácil exigir reparação de danos do Uber do que de taxistas, 2016. Disponível em: . Acesso em: 31 out. 2016.

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