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Sobre acessibilidade, redes sociais digitais e diversidade cultural

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27 de junho de 2016

Entrevista concedida a Vinícius Lacerda, pelo pesquisador Lucas Anjos, à edição de junho de 2016 do Boletim do Observatório de Diversidade Cultural. Confira na íntegra:

Um recente estudo etnográco da University College London levou nove pesquisadores a diferentes localidades do mundo, como Brasil, Itália, China e Turquia, para observar como as pessoas se relacionam com a tecnologia e com outras pessoas por meio da internet. Cada pesquisador permaneceu por 15 meses e os resultados, em formato de livros, áudios e vídeos, estão sendo divulgados online e darão origem ao curso “Por que postamos?”.

Entre diversos fatos, o estudo evidencia como a população de diferentes países se relaciona com as redes de diferentes formas baseado em normas especícas de suas culturas. Na Índia, por exemplo, os indivíduos costumam criar dois pers: um para socialização com integrantes de sua própria casta e outro mais geral. O Brasil, por sua vez, foi lembrado no estudo pelo caso da jovem evangélica que estabeleceu um vínculo de amizade com um integrante do candomblé. De acordo com o estudo, essa relação só existe por causa das redes sociais.

Por meio de densa observação e descrição, a etnograa realizada versa sobre as formas de uso das redes sociais e, por esse caminho, levanta questões sobre diversidade cultural, privacidade e mediação e tipos de interação sócio-comunicacional. Porém, as observações só puderam ser feitas porque há acessibilidade das pessoas às redes sociais digitais. Essa condição nos levou às seguintes indagações: há acesso suciente de indivíduos no mundo para analisar a diversidade cultural?

O que é considerado ter acesso à internet nos dias de hoje? Em que medida estão relacionados acessibilidade às redes sociais e diversidade cultural? 21 Para tentar esclarecer um pouco essas questões, convidamos o fundador e presidente do IRIS (Instituto de Referência em Internet e Sociedade), Lucas Costa dos Anjos. Criado em Belo Horizonte, o IRIS, por meio de seminários, cursos, bate-papos e pesquisa, procura estudar e entender os impactos da internet sobre a sociedade contemporânea: seu desenvolvimento, suas dinâmicas, suas normas e seus padrões.

1) Para ter acesso às redes sociais é necessário ter acesso à internet. Para isso é preciso de um dispositivo tecnológico, como computador ou smartphone. No entanto, há cidadãos no mundo que não possuem acesso integral (por falta de internet ou do dispositivo) e outros têm acesso constante. Essa situação torna um pouco nebuloso o conceito de acessibilidade. Poderia deni-lo para nós?

Acessibilidade ainda é um dos maiores desaos contemporâneos. O preço de dispositivos de acesso à internet, como smartphones e computadores, até diminuiu nos últimos anos, devido à popularização de tecnologias e a decadência de algumas patentes. No entanto, o custo do acesso ainda é muito alto, principalmente em países em desenvolvimento. O continente africano tem um dos maiores custos de acesso.

Acesso, no entanto, não signica apenas conexão à internet. As pessoas que se conectam sabem utilizar os aplicativos, sites, e outros serviços de provedores de aplicação? Eles são informados sobre questões de segurança, privacidade de dados, direito de imagem e privacidade, limites da liberdade de expressão, entre outros aspectos tão importantes da vida online? A resposta para essas perguntas costuma ser não, o que gera preocupações quanto à efetiva forma de inclusão dessas pessoas à rede mundial de computadores.

2) O Facebook conta com 1,6 bilhão de pessoas cadastradas e o Twitter com 320 milhões de usuários. Considerando que há 7,3 mil milhões de pessoas no mundo, é pertinente dizer que considerável parte da população mundial tem acesso às redes?

Eu analisaria com cuidado essas informações, já que os usuários em redes sociais não representam, de forma fidedigna, o número de pessoas físicas presentes nas redes sociais. O Twitter, por exemplo, é notório por conter vários bots com a finalidade de aumentar o número de seguidores de outros usuários, realizar ações de spam, etc. Já o Facebook é uma rede social que não tem a mesma aderência em todas as sociedades. No Brasil, por exemplo, ela é alta, mas na China (onde é censurado) é baixa.

Acredito que, mais importante do que vericar o número de pessoas nas redes sociais, é imprescindível vericar quantos são os usuários da internet atualmente (quase 3,4 bilhões, segundo dados recentes da Internet Live Stats) e como eles estão distribuídos pelo globo. Apesar de representar quase 50% da população mundial, somente 10% desse número de usuários estão na África. Além disso, há diferenças de gênero quanto à acessibilidade (homens geralmente têm mais acesso às redes, segundo a International Telecommunication Union), bem como diferenças consideráveis na qualidade do acesso, no preço e na liberdade de expressão online.

3) De que maneira esse resultado implica algum desdobramento na concepção de que as redes sociais digitais promovem igualdade entre seus participantes? De acordo com os estudos do IRIS, essa armativa é pertinente com a realidade contemporânea?

A internet com certeza potencializa o exercício de direitos políticos, democratiza o acesso ao conhecimento, facilita a organização de usuários de acordo com seus interesses, entre outros aspectos da vida online. Nas redes sociais, é possível que esses direitos e exercícios democráticos sejam ainda mais fáceis de ocorrer, já que os usuários passam a ter, de uma forma ou de outra, a oportunidade de dizer o que pensam e de expressar suas preferências políticas. Isso aumenta, relativamente, a igualdade entre os usuários online, porque a utilização de rede independe de classe social, gênero, orientação sexual, etc.

No entanto, é preciso se atentar para o fato de que nem todas as redes sociais funcionam da mesma forma, e que diferentes usuários vão se apropriar daquela plataforma de maneiras distintas. O Facebook, por exemplo, utiliza um algoritmo que limita a exibição dos conteúdos postados de acordo com os interesses dos usuários, ou com o ramo de atividade da página que posta esses conteúdos. Ou seja, por mais que todos os usuários (indivíduos, organizações, empresas, etc.) tenham voz, isso não signica que todas essas vozes serão ouvidas. É possível também que essas formas de organização das redes sociais efetivamente causem mais homogeneidade de discursos entre usuários com interesses similares, verdadeiras “bolhas” online, nas quais se ouve apenas o que se quer. Nesses contextos, há menos debate entre pessoas com opiniões diferentes e até mesmo a radicalização de discursos.

4) Como é visto no mundo o direito de acesso a internet por parte do cidadão? E no Brasil?

Cada vez mais, o acesso à internet tem sido considerado um direito humano, inclusive em diretivas da Organização das Nações Unidas, do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) e UNCTAD (United Nations Conference on Trade and Development). No Brasil, o Marco Civil da Internet considera o acesso à internet “essencial ao exercício da cidadania” (art. 7º). Essa é uma legislação extremamente avançada, cujo mérito foi reconhecido por diversos países e organizações internacionais. É como uma “constituição da internet”, que estabeleceu direitos básicos dos usuários e os princípios basilares da internet no Brasil.

Em geral, acessibilidade à internet é considerada indício de desenvolvimento econômico e social, então a maioria dos países tem empreendido esforços no sentido de aumentar a porcentagem de suas populações com acesso às redes. No entanto, o que se observa são resistências à forma de acesso, já que em alguns países existe censura de conteúdo, vigilância do tráfego de informações, monopólio estatal de provedores de internet, entre outras maneiras de limitar um acesso livre e neutro. Na China, sites como Google e Facebook são simplesmente proibidos. Na Rússia, há vigilância de sites e usuários que promovem discussões sobre a temática LGBT online. A partir do momento em que a navegação do usuário é limitada dessa forma, seu acesso não é efetivo.

5) Acredita que essa política está de acordo com política de produção e manutenção da diversidade cultural?

A forma com que a arquitetura da internet foi estabelecida, paralelamente ao desenvolvimento e à democratização do acesso a novas tecnologias, diminui a distância entre os usuários e promove mais acesso às ferramentas de produção e divulgação cultural. Sem tantos intermediários, como gravadoras, editoras, etc., é possível que os usuários produzam e distribuam suas músicas, livros, outros tipos de produtos culturais, além de disseminar e manter hábitos e costumes de suas culturas.

A Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural reconhece essa característica da internet e das redes sociais para “promover a diversidade linguística”, “facilitar a circulação eletrônica dos produtos culturais endógenos” e o “acesso aos recursos digitais de ordem educativa, cultural e cientíca”. Ou seja, a internet, a partir do momento em que corrobora e dinamiza a comunicação entre usuários, é um facilitador da produção e manutenção da diversidade cultural também no universo online.

6) Em que medida o acesso às redes sociais digitais contribui (ou não) para fomentar a diversidade cultural mundial?

Devido à característica aberta, plural, diversicada e colaborativa da internet na contemporaneidade, é possível que as redes sociais digitais também sejam plataformas de exercício da identidade e da diversidade cultural online. Desde que informado, crítico e consciente, o acesso acarreta maior participação nos movimentos de produção cultural, seja como espectador, seja como produtor de cultura.

Acesse o Boletim do Observatório da Diversidade Cultural aqui.

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