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Por que o WhatsApp está bloqueado novamente?

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2 de maio de 2016

O WhatsApp voltou a atrair a atenção da grande mídia por mais um caso de conflito com a justiça. No final de 2015, o aplicativo chegou a ficar algumas horas fora do ar em razão de ordem judicial emitida por uma juíza de São Paulo, devido a sua recusa em entregar determinados dados considerados importantes para uma investigação criminal. Em Março, novamente, um juiz de Sergipe determinou a prisão do vice-presidente do Facebook na América Latina, Diego Dzodan, em razão da recusa da empresa em entregar dados do aplicativo como colaboração em investigação criminal relacionada ao tráfico de drogas: os traficantes teriam utilizado o aplicativo para coordenar suas atividades. A Facebook Brasil alegou não possuir esses dados.
Agora, em Maio, o mesmo juiz no processo repetiu o feito da juíza paulista que ordenou o bloqueio do aplicativo de mensagens instantâneas em todo o Brasil. Na época, o WhatsApp chegou a ficar a madrugada e o princípio da manhã toda fora do ar. Hoje, no dia 02 de Maio, está offline desde as 14h, conforme ordem judicial.
Preparamos algumas respostas para a situação. Confira:

Por que o WhatsApp está fora do ar de novo?

Conforme já mencionamos, corre na justiça de Sergipe uma investigação criminal envolvendo tráfico de drogas. Os traficantes envolvidos supostamente usariam o WhatsApp para trocar mensagens entre si e com possíveis clientes. A Justiça de Sergipe, portanto, a fim de obter essas conversas como forma de possivelmente produzir provas, solicitou ao Facebook Brasil que entregasse o conteúdo das mensagens trocadas entre os traficantes.

Por que solicitar os dados ao Facebook Brasil?

Pois a gigante americana comprou em 2014 o WhatsApp como forma de expandir e diversificar suas atividades. Entretanto, a empresa responsável pelo aplicativo de mensagens não tem escritório, nem mesmo representação jurídica no Brasil, de forma que está fora do alcance da justiça brasileira. O Marco Civil da Internet, entretanto, contorna essa situação ao estabelecer que qualquer outra empresa do mesmo grupo econômico poderia ser responsabilizada em lugar daquela que não possui representação em solo brasileiro.

O WhatsApp é obrigado a entregar esses dados?

Sim, se os tivesse. O Marco Civil estabelece que um provedor de aplicação só deve disponibilizar registros de conexão, conteúdos de mensagens e dados pessoais mediante ordem judicial, em seus artigos 10, 11 e 12. Não é o caso, entretanto, uma vez que os dados solicitados são de conteúdos de conversas. Graças à criptografia usada no aplicativo, que visa a aumentar a privacidade dos usuários, apenas estes tem acesso ao conteúdo de suas conversas.

Por que a Facebook Brasil se recusa a entregar os dados solicitados?

A Facebook Brasil alegou não possuir esses dados. Não apenas por ser uma empresa distinta da WhatsApp Inc., que teria acesso a registros de conexão (IP e horário de acesso), mas também pela impossibilidade técnica e por um erro de procedimento por parte do juiz, que deveria solicitar ao dados por meio dos mecanismos de um Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal (MLAT) entre Brasil e Estados Unidos.
De fato, nem mesmo a empresa pode ter acesso ao conteúdo das mensagens trocadas entre os usuários. É sabido que o WhatsApp passou usar o sistema de criptografia fim-a-fim chamado textsecure, no qual apenas os usuários finais podem desencriptar as mensagens e ler seu conteúdo.
Além disso, o WhatsApp Inc., como empresa americana, está proibida por esse tratado iternacional de entregar qualquer tipo de dado de outra forma, mesmo para outra empresa estrangeira parte do mesmo grupo econômico, como é o caso da Facebook Brasil.

Por que bloquear o WhatsApp?

Não aceitando as alegações de impossibilidade técnica por parte da empresa, o juiz de Sergipe determinou multas diárias de R$500 mil e, posteriormente, de R$1 milhão por dia como forma de coagir a Facebook Brasil a cumprir com a ordem. Além disso, solicitou a prisão do Vice-Presidente Diego Dzodan (que foi rapidamente revertida). A empresa continuou recusando-se a entregar os dados, ainda se baseando na diferença entre as pessoas jurídicas, na necessidade de uso do MLAT e na impossibilidade técnica. Por isso, a Justiça reagiu decretando o bloqueio como uma nova medida coercitiva.

E o Marco Civil?

A solução de problemas como esse não passa pelo Marco Civil, mas, como já foi dito, pela renovação dos Tratados de Cooperação Internacional, uma vez que o aplicativo não tem escritório no Brasil, e pela educação dos juízes. O Marco Civil possui diversos princípios que desencorajam a tomada de atitudes que imputem diretamente a rede (e não os responsáveis por qualquer conduta imprópria) e que causem repercussões negativas em uma gama tão grande de usuários por todo o país em nome de investigações locais.
Além disso, como já foi citado, o WhatsApp não mais mantém o conteúdo das mensagens trocadas entre usuários em seus servidores. Por essa razão não poderia ser aplicado o artigo que permite a suspensão temporária de aplicativos que coletam e armazenam dados no Brasil.

O que dizem os especialistas?

Há certo consenso de que a medida foi desproporcional e inapropriada, tanto que foi derrubada assim que um recurso chegou à instância superior nas duas outras vezes em que algo semelhante aconteceu. Ainda assim, gerou muita controvérsia e polêmica, chamando atenção para uma série de lacunas na legislação brasileira que inevitavelmente farão com que situações como essa se repitam.
Por exemplo, ainda em março, o Prof. Carlos Affonso Pereida, do Instituto Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro, já nos advertia sobre a obsolescência dos tratados de cooperação internacional entre Brasil e EUA, firmados na década de 90 e que não estão preocupados com questões de Internet, e as consequências que poderiam trazer para casos envolvendo aplicativos transnacionais.
Além disso, sempre bateremos na tecla da capacitação dos juízes para problemas relacionados a novas tecnologias. O bloqueio de um aplicativo como o WhatsApp afeta negativamente a vida de milhões de brasileiros. Os mecanismos de bloqueio solicitados às operadoras de telecomunicações acabam por eventualmente afetar até mesmo cidadãos de outros países. A medida, puramente punitiva, não ajuda em nada nas investigações correntes e prejudica um número incontável de usuários legítimos em nome de uma queda-de-braço entre instâncias regionais do Poder Judiário e as grandes corporações de tecnologia. Se não conhecerem princípios básicos de como a Internet funciona e afeta a vida das pessoas, continuarão cometendo atos dessa natureza.

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Fundador do Instituto de Referência em Internet e Sociedade, é graduando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. É coordenador e pesquisador do Grupo de Estudos em Internet, Inovação e Propriedade Intelectual. Alumni da 2a turma da Escola de Governança da Internet do Brasil. Membro do Observatório da Juventude da Internet Society.

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