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Pokémon GO e a realidade: Você já entregou seus dados

5 de agosto de 2016

Não faz 30 dias desde que Pokémon GO foi lançado internacionalmente para Android e iOS e o jogo já vem gerando consequências interessantes para além do mundo virtual em que se situa. Com reflexos que abrangem do setor financeiro até a ocupação de locais públicos, a onda do Pokémon GO tem servido para muito mais do que apenas tornar real o sonho de toda uma geração: ela vem também suscitando questionamentos interessantes sobre privacidade e proteção de dados em uma parcela demográfica que antes considerava-se relativamente alheia a essas questões.

A forma como as grandes empresas e governos coletam, armazenam, processam e usam nossos dados é uma preocupação discutida na academia e entre ativistas de direitos civis já há um bom tempo. Todavia, sejamos honestos, uma parte da população nunca demostrou grandes preocupações com a sua privacidade, aceitando a forma como serviços gratuitos eram oferecidos em troca de dados pessoais que posteriormente seriam usados para orientar propaganda sem grandes críticas.

O lançamento de Pokémon GO assistiu, entretanto, a uma enxurrada de comentários, críticas e análises sobre problemas de privacidade no aplicativo pipocarem nas redes sociais, muitas vezes vindos de usuários que nunca antes haviam se atentado a essas questões. Convém, antes de tudo, analisar o fundamento dessas críticas e se eles se verificam.

Uma teoria em específico chegou a associar o aplicativo à CIA, alegando que o jogo seria mais uma forma encontrada pelos mecanismos de vigilância do Estado americano para obter informações sobre a vida privada de cidadãos: nesse caso, imagens do interior de suas casas. A realidade, entretanto, é sempre mais complexa que a teoria. Afinal, Pokémon GO está violando sua privacidade? Estaria o novo app invadindo esferas da vida privada nunca antes tocadas por outros aplicativos?

Pokémon GO e Privacidade

A resposta curta é não. Não há nada de novo na forma como Pokémon GO coleta e usa os dados pessoais de seus usuários.

A principal crítica ao aplicativo recém-lançado diz respeito aos dados que coleta: Dados da câmera e dados de geolocalização, que juntos levariam a um acesso invasivo do aplicativo às casas e cômodos pessoais de seus usuários. Pokémon GO permitiria, assim, que as grandes empresas envolvidas tivessem, pela primeira vez, a capacidade de mapear o interior dos lares e trabalhos dos usuários.

Essa suspeita não se verifica em vários níveis. Primeiro, uma análise da Política de Privacidade do jogo mostra que os dados coletados e usados pela empresa (Niantic Inc.) se restringem principalmente à coleta de geolocalização (Através de GPS, redes móveis e Wi-Fi) e informações providas pelo próprio usuário (Nome, idioma, data de nascimento). Não há menção da coleta e gravação de fotos e vídeos usando a câmera do celular, como mencionado em diversas suspeitas. Nesse sentido, Pokémon GO coleta menos dados pessoais que o Facebook.

E em segundo caso, mesmo que o aplicativo estivesse fazendo coletas do tipo, certamente não seria o primeiro nem o mais popular a fazê-lo. A prática é comum em praticamente todos os aplicativos gratuitos para smartphones e tablets.

Facebook, Google, Microsoft e Apple: os precursores

Ocorre que, o que agora se apresenta como um grande incômodo e receio, dentro de uma discussão legítima numa sociedade informacional, cada vez mais automatizada,  já é realidade consolidada no uso diário de outros aplicativos em smartphones de grandes empresas como Facebook, Google, Microsoft e Apple. Além disso, também em serviços menos atrativos a uma polêmica “hype”, como nos termos de uso de e-mails, redes sociais e plataformas de compartilhamento. Em outras palavras, o tipo de coleta de dados praticada pelo novo app, incluindo a de fotos e de geolocalização, é uma prática comum desde o advento dos primeiros smartphones – não há nada em Pokémon GO que o faça mais invasivo que, por exemplo, o aplicativo do Facebook usado diariamente por milhões de pessoas em todo o mundo. Todas essas empresas já realizavam práticas similares e cooperavam com o governo americano há pelo menos meia década.

A razão disso é que a coleta de dados dos usuários para posterior uso em direcionamento de propaganda é a razão pela qual todos esses serviços são gratuitos na Internet. Não são pagos com dinheiro: são pagos com os dados dos próprios usuários. Há um ditado comum para explicar este fenômeno: “Se algo é de graça na Internet, você não é o cliente: É o produto.”

Os usuários, por sua vez, estão a todo momento diante do dilema: ou transferem um capital informacional ou não farão uso do serviço que pretendem usar – e ao qual é muitas vezes necessário se ter acesso. Não é outro o caso do Facebook, da conta multiserviço da Google, do Instagram, do Whatsapp. Vale a pena olhar, brevemente, os termos legais destes serviços em comparação aos termos de adesão que a Niantic redigiu e colocou aos seus usuários. Afinal, será que PokemónGO é o aplicativo que destruirá as fronteiras últimas que protegem nossos direitos? Ainda temos estas fronteiras ou proteção?

Analisando em detalhes

No caso do Facebook, por exemplo, sabemos que é capaz de realizar uma série de ações em um aparelho sem que o usuário sequer fique sabendo – embora as permissões tenham sido dadas de antemão no momento do aceite dos Termos de Uso e da Política de Privacidade. Além das permissões de acesso assinaladas nos termos resumidos (Imagem acima), sabe-se por exemplo que o Facebook pode ligar o microfone de seus usuários enquanto estão digitando uma atualização de status, sem que percebam. O app também:

  • Conhece sua localização, associando-a às fotos e vídeos que você grava em seu celular;
  • Consegue identificar seu rosto e o de seus amigos, mesmo dos que não tem perfil no aplicativo;
  • Identificar as redes próximas a você e as em que se conecta, e os demais dispositivos conectados na mesma rede;
  • Tem seu histórico de navegação, levando em conta os sites mais acessados e seu tipo de conteúdo;

O fato de que o app pode, por exemplo, ligar câmeras e microfones dos celulares de seus usuários sem que percebam não significa que ele sempre o faça. O uso constante dessas funcionalidades acarretaria um dreno de bateria e um uso de processamento que tornariam o aplicativo indesejável. Assim, embora o acesso ao aparelho e aos dados de seus usuários seja amplo, a empresa costuma se restringir à coleta e uso de dados de navegação, localização e de preferências do usuário como forma de lhe direcionar propaganda com maior precisão. Não muito diferente do que Pokémon GO se propõe a fazer, o Facebook lucra com a coleta de dados que permitirão uma venda mais precisa de ads aos seus clientes.

Este tipo de prática é comum já há algum tempo entre todos os grandes provedores de serviço na Internet que oferecem produtos gratuitos. Muitas vezes, são usados em benefício do próprio usuário, embora os maiores beneficiários sejam sempre os anunciantes e o intermediário.

É preciso lembrar, ainda, que os aplicativos são capital social precioso, na medida em que o binômio “estar/não-estar” se transforma em possibilidades de “ser ou não ser”, ou seja, os gadgets são acessórios dos processos de socialização que se dá nos app’s e através deles.

Direitos do Usuário

Isso não significa, entretanto, que o usuário desses serviços deve aceitar sem questionamento todo tipo de coleta e uso de seus dados. Pelo contrário, a atenção trazida por Pokémon GO é excelente para que cada vez mais pessoas tenham ciência de seus direitos à privacidade e à proteção de dados.

Pode-se facilmente depreender da Constituição Brasileira o direito à privacidade, que garante aos usuários o controle sobre seus dados pessoais. É importante que o usuário esteja ciente da forma como os provedores dos serviços que usa coletam seus dados, que exija controle sobre suas informações e que os pressione para se manterem transparentes a respeito da forma como usam esses dados.

Privacidade é, principalmente, controle do indivíduo sobre quais dados sobre si estão disponíveis para o público, e quando estão. Graças à pressão da sociedade civil, as principais plataformas sociais já disponibilizaram mecanismos que permitem aos usuários terem uma visão geral de quais dados estão armazenados nos servidores do serviço para então gerenciá-los da forma que preferir – seja apagando ou ocultando-os do público geral.

Sendo assim, é importante que todos estejam cientes da importância de sua privacidade, da forma como ela vem sendo tratada pelas onipresentes plataformas sociais e dos direitos que todo indivíduo tem para com seus dados, para então decidirem o que fazer com eles: seja manter suas informações pessoais ocultas da maior parte das pessoas ou seja expor-se significativamente, a opção deve estar sempre nas mãos do usuário.

Grande parte da discussão acerca de proteção de dados e privacidade envolve, justamente, a escolha livre consciente. Do ponto de vista mais filosófico, essa escolha deveria conjugar três elementos: possibilidade para escolher, capacidade para escolher e, a partir das duas, a responsabilidade com as escolhas feitas. Do ponto de vista do direito, essa base da escolha livre e a disposição dos dados desvela uma relação clara entre as partes, com direitos e deveres recíprocos, protegidos por lei.

Pokémon GO, portanto, além de realizar o sonho de infância de vários adultos da geração Y, também nos ajuda a amadurecer na forma como encaramos nosso direito à privacidade e ao controle de nossos dados em uma época em que ambas as preocupações começaram, enganosamente, a soar obsoletas.

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