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M.A.D.: Mutual Assured Disclosure online

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30 de January de 2017

Um dos conceitos mais instigantes mencionados durante o Internet Governance Forum 2016 foi o M.A.D. – Mutual Assured Disclosure (Divulgação Mútua Assegurada, em português). O acrônimo faz uma analogia à doutrina militar chamada Mutual Assured Destruction, que permeou boa parte da Guerra Fria, na qual dois lados opostos de um conflito (Estados Unidos e União Soviética) possuíam meios de aniquilar seus adversários por meio de um ataque nuclear. Não estamos mais na Guerra Fria e Estados Unidos e Rússia parecem iniciar uma relação de amizade até então inédita entre as duas nações. Mas o conceito não deixa de ser pertinente.

Em um contexto de exacerbação de relações online, de vigilantismo público e privado, de ameaças à neutralidade de rede, bem como de maior presença de subjetividades nas redes, parece inevitável a sensação de que, não importa seus esforços, tudo o que você faz, diz e pensa acaba postado online. Alguns millennials inclusive acreditam que isso pode ser um dos aspectos pelos quais o futuro será melhor que o presente. Existem , no entanto, preocupações genuínas em relação ao grau de naturalização de nossa perda de privacidade hoje em dia, especialmente online. Afinal, quais seriam as consequências dessa divulgação constante de dados e informações pessoais? O que isso pode representar para nosso futuro?

Interesses econômicos

Vários modelos de negócio baseiam-se em informações pessoais de usuários, listas de cadastro de clientes e modelos de perfis em redes sociais para determinar grupos de interesse, realizar marketing direcionado e estabelecer estratégias de fidelização de seu público-alvo. A princípio, não há nada de errado com isso. Usuários consentem e alimentam voluntariamente muitos desses perfis em redes sociais, bem como aproveitam-se dos benefícios da publicidade direcionada e da sugestão de interesses similares, como é comum em serviços do tipo streaming (Netflix e YouTube, por exemplo).

No entanto, muitos dos termos e condições que autorizam justamente a coleta e utilização de dados pessoais não são transparentes, utilizam linguagem inacessível para o usuário médio e ainda exigem a disponibilização de informações que vão muito além daquelas necessárias para o bom funcionamento do modelo de negócio oferecido. Há uma subserviência do usuário para a submissão de seus dados, mas essa transparência não observa uma contrapartida pelos provedores de aplicação e conteúdo, que também não compartilham o funcionamento de seus algoritmos e estratégias de negócio. Ou seja, a desigualdade dessa relação de mutual assured disclosure também pode ser questionada. Ela não é mútua.

Relações entre governo e cidadão

É possível observar que, para além da economia, outras áreas são afetadas pela era da informação. Nesse quesito, duas grandes preocupações merecem destaque: a crescente transparência e acesso à informação atingiu diretamente os governos; isso pode ter consequências também para o futuro da democracia (e seus meios de manipulação).

Primeiramente, pode-se observar que, desde as revelações de Edward Snowden em 2013, há maior vigilância também sobre entes governamentais, suas condutas, práticas cotidianas de parlamentares e agentes do Poder Executivo, entre outros. É mais fácil para o cidadão acessar informações acerca de agentes e órgãos públicos, até mesmo documentos sigilosos (vide Wikileaks) e conversas privadas (gravações marcaram as reviravoltas políticas no Brasil em 2016). Como resultado, temos que o vigilantismo não ocorre apenas do governo em relação a seus cidadãos, mas também na via oposta. É uma relação disruptiva do status quo que normalmente beneficiava as más práticas na administração pública.

Apesar disso, a divulgação crescente de informações em redes sociais, listas de cadastro e outras fontes de dados pessoais, tem gerado um profiling de eleitores em potencial, como se comprovou nas eleições americanas deste ano. Segundo informações da própria campanha de Donald Trump, o Facebook foi uma das principais ferramentas eleitorais este ano, não apenas para identificar eleitores indecisos e em potencial, como também para classificar alguns usuários como prováveis eleitores de Hillary Clinton e divulgar conteúdo especificamente criado para suprimir esses votos, como notícias falsas, vídeo-montagens e memes. O que é um dos maiores trunfos da rede social para empreendedores e anunciantes em geral, também o é para candidatos com fundos eleitorais abundantes e menores limitações éticas.

Educação e conscientização do usuário

Em geral, os usuários ainda são bastante imaturos quanto às formas de proteção de seus dados pessoais. Utilizam as mesmas senhas em diversos serviços, divulgam informações desnecessárias publicamente, desconhecem navegadores como o Tor e ainda confiam em redes de conexão públicas para acessar sites e conteúdos privados. É preciso maior debate e consciência acerca dessas ferramentas.

Mais importante que isso, necessita-se amadurecer as razões pelas quais proteger dos olhos do público dados, imagens, padrões de consumo e outras informações eventualmente relevantes para você como cidadão, indivíduo, empregado e consumidor. O debate sobre a privacidade e proteção de dados pessoais já está em curso nos âmbitos internacional e nacional. Participe!

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Founder and Scientific Advisor of the Institute for Research on Internet and Society. Law Professor at Universidade Federal de Juiz de Fora. Has a Master and a Bachelor degree from the Federal University of Minas Gerais, with a scholarship from CAPES (Coordination for the Improvement of Higher Education, a Foundation within the Brazilian Ministry of Education), and is currently a PhD student at the same institution. Specialist on International Law by CEDIN (Center for International Law).

Assistant professor for the International Economic Relations and Law Courses at the Federal University of Minas Gerais. Lawyer and member of the ABRI (Brazilian Association for International Relations)

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