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Internet, Globalização e lacunas: O Marco Civil da Internet como solução para uma inconsistência jurisprudencial (antes) crescente

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11 de setembro de 2017

Desde sua popularização, na década de 90, a Internet vem contribuindo para o processo de Globalização. O encurtamento das distâncias entre as pessoas ao redor do mundo significou que não apenas a comunicação tornou-se infinitamente mais dinâmica, transcendendo as barreiras que antes impossibilitavam a troca de informações a nível internacional de maneira instantânea, como também que a oferta de serviços em um determinado país pode começar a ser realizada por empresas que, na verdade, não possuem unidades físicas estabelecidas nesse país.

Essas empresas oferecem serviços que, via de regra, não necessitam da interação entre funcionários e clientes em momento algum. Os serviços são contratados por meio de contratos de adesão, e não há necessidade para manutenção dos produtos que são ofertados – visto que estes não são tangíveis.

Os provedores de aplicação – como foram designadas essas empresas – foram objeto de incontáveis discussões no meio jurídico há alguns anos. Não havia consenso entre os aplicadores da Lei acerca de como lidar com essa nova realidade.

Um dos pontos de maior atrito nas discussões foi o referente à aplicação das leis brasileiras aos provedores de aplicação – havia, basicamente, duas correntes argumentativas. A primeira corrente alegava que era impossível aplicar as nossas leis em casos envolvendo os provedores de aplicação. Segundo os que apoiavam essa tese, por serem sediadas em países terceiros, era impossível fazer valer o Direito brasileiro para essas empresas, uma vez que elas já estavam submetidas a um outro sistema jurídico que, assim como o nosso próprio, é soberano dentro do território do país em questão, e composto por regras próprias. Outro problema apontado seria o de efetivação do Direito nacional aplicado no exterior, visto que não seria possível para as autoridades brasileiras adotar medidas coercitivas com relação a um provedor de aplicação situado em outro país.

Por outro lado, havia também a corrente ideológica segundo a qual um provedor de aplicação que disponibilizasse seus serviços em território nacional, independente de ser sediado em um país diverso, e independente de possuir ou não filiais no Brasil, deveria adequar-se ao nosso Direito, já que atuar aqui é uma escolha voluntária das empresas, e nada mais natural do que a necessidade de obedecer os regulamentos vigentes nos lugares onde exercem suas atividades. Ademais, os defensores dessa tese também argumentavam que, caso o Direito interno não valesse para esses provedores de aplicação, haveria a total impunidade dessas empresas dentro de nosso país, não sendo possível responsabilizá-las por quaisquer situações que viessem a emergir, o que é obviamente algo perigoso.

Em meio a toda essa discussão, passamos por um momento em que decisões judiciais favoráveis a ambos os entendimentos eram aplicadas no Brasil, o que resultava em insegurança jurídica – sempre uma péssima qualidade para qualquer sistema jurídico, como se sabe.

No ano de 2014, contudo, foi aprovado o texto definitivo do Marco Civil da Internet. Dentre outras disposições, referentes aos mais diversos temas que dizem respeito à Internet, o Marco Civil tratou de regular a atuação de provedores de aplicação em nosso país. No caso, foi adotada a segunda corrente mencionada acima, e, portanto, a referida Lei, em seu artigo 11, enuncia que:

“Art. 11.  Em qualquer operação de coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registros, de dados pessoais ou de comunicações por provedores de conexão e de aplicações de internet em que pelo menos um desses atos ocorra em território nacional, deverão ser obrigatoriamente respeitados a legislação brasileira e os direitos à privacidade, à proteção dos dados pessoais e ao sigilo das comunicações privadas e dos registros.

  • 1o O disposto no caput aplica-se aos dados coletados em território nacional e ao conteúdo das comunicações, desde que pelo menos um dos terminais esteja localizado no Brasil.
  • 2o O disposto no caput aplica-se mesmo que as atividades sejam realizadas por pessoa jurídica sediada no exterior, desde que oferte serviço ao público brasileiro ou pelo menos uma integrante do mesmo grupo econômico possua estabelecimento no Brasil.
  • 3o Os provedores de conexão e de aplicações de internet deverão prestar, na forma da regulamentação, informações que permitam a verificação quanto ao cumprimento da legislação brasileira referente à coleta, à guarda, ao armazenamento ou ao tratamento de dados, bem como quanto ao respeito à privacidade e ao sigilo de comunicações.
  • 4o Decreto regulamentará o procedimento para apuração de infrações ao disposto neste artigo.”

Esse entendimento de nossos legisladores parece ter sido acertado. Afinal, a não aplicabilidade das leis brasileiras para empresas internacionais que atuem aqui não apenas parece ilógico do ponto de vista da gestão do país, como também geraria uma disparidade de tratamento entre estas e os provedores de aplicação que possuem sede no Brasil.

Apesar da supracitada determinação legal, é comum, ainda hoje, que haja alegações, por parte de provedores de aplicação, de que não é possível cumprir com as nossas leis, justamente devido a esse elemento de internacionalidade da prestação de serviços. Isso chega a ser alegado, inclusive, por empresas que possuem filiais em nosso país, como é o caso do Facebook e da Google, por exemplo, que argumentam que determinados dados, por serem armazenados em servidores localizados em outros países, e sob a tutela de outras empresas – ainda que integrantes do mesmo grupo econômico -, não podem ser fornecidos ou submetidos às demais ordens judiciais de nossos aplicadores da Lei. Um exemplo disso é o Agravo de Instrumento nº 2090657-54.2017.8.26.0000, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no qual a Google Brasil alega que a responsabilidade sobre o objeto da demanda judicial é da Google Inc., sediada na Alemanha, o que afastaria a competência da jurisdição brasileira no caso.

Contudo, desde a entrada em vigor do Marco Civil da Internet, parece ter se consolidado a tendência jurisprudencial de observância da determinação legal do Art. 11, ou seja, as decisões judiciais favoráveis à aplicabilidade de nossas leis aos provedores de aplicação estrangeiros têm surgido em números mais expressivos do que as que decidem em contrário. É o que se pode perceber na decisão do caso citado como exemplo acima, no qual foi negado provimento à demanda da Google Brasil, e determinado que a empresa colaborasse com a Justiça brasileira.

Dessa forma, percebe-se que o Marco Civil da Internet cumpriu a importante função de sanar a lacuna que existia na nossa Legislação no que tange à possibilidade de responsabilização civil de empresas estrangeiras que fornecem alguma espécie de serviço online para o público brasileiro. Como consequência, pode-se esperar maior segurança jurídica das decisões judiciais referentes a esse tema, com a diminuição da incerteza quanto ao resultado provável das demandas dessa natureza. Há quem discorde do posicionamento consolidado no Marco Civil da Internet, por entender que o ideal seria não aplicar forçadamente a Legislação brasileira a provedores de aplicação de Internet, mas, independentemente disso, pode-se considerar que a simples existência de uma previsão legal referente a esse tema já representa um avanço considerável para o nosso sistema jurídico, no qual, ao menos, haverá menos inconsistência jurisprudencial quanto a esse quesito.

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