Blog

Direito ao Esquecimento vs Direito à Desindexação

Escrito por

26 de junho de 2017

Um tema que vem ganhando destaque no Brasil no contexto da internet é o direito ao esquecimento. Prova dessa tendência encontra-se na jurisprudência nacional, nos casos julgados pelo STJ (REsp 1.316.921/2012; e REsp 1.519.873/2016); e na audiência pública realizada em 12 de junho de 2017 no STF, relacionada ao caso de repercussão geral RE 1.010.606.

Direito ao esquecimento e direito à desindexação

O direito ao esquecimento é um conceito amplo que abarca um direito à limitação do uso de determinada informação,  principalmente relacionado a casos penais, no quais a pessoa foi considerada inocente ou já cumpriu sua pena. E um direito à desindexação de links em buscadores online. Os buscadores, com uma preocupante dominância de mercado pela Google, são de suma importância devido à intermediação fundamental que exercem no acesso à informação online. Desse modo exigir que um buscador elimine determinado resultado afeta não somente o acesso como também o direito à liberdade de expressão, a defesa dos direitos da personalidade e da dignidade da pessoa humana, principalmente em relação à privacidade e a proteção dos dados pessoais.
Ele está relacionado também com a questão de quem realizará esse juízo de valor. Na Europa a tarefa ficou a cargo da iniciativa privada, no sentido de que, num primeiro momento, é a Google que recebe e decide ou não acatar os pedidos de desindexação encaminhados pelos cidadãos, baseada em critérios definidos pela legislação e pela jurisprudência. O que traz preocupações relacionadas à transparência do processo de tomada de decisão sobre esses pedidos, e sobre qual deve ser o nível de responsabilização dos intermediários.

Direito à desindexação na Europa

Na Europa o direito à desindexação surgiu no julgamento Google v. Agencia Española de Proteção de Dados (C-131/12) em 2014. No caso, basicamente, um cidadão espanhol pedia a autoridade  de dados pessoais espanhola que o buscador Google removesse os resultados da busca de seu nome que remetia a uma antiga reportagem de 1998 que anunciava o leilão de sua casa por motivos de dívidas tributárias. Primeiramente a Corte de Justiça da União Europeia considerou que a Google, cuja sede e servidores estão  nos EUa, estava sob jurisdição da Diretiva 95/46 europeia, já que a subsidiária espanhola da Google obtinha ganhos econômicos. Ou seja, a ênfase foi dada ao local em que o usuário se encontra e não o servidor onde ocorre o processamento dos dados ou a sede da empresa. E considerou o Google como uma controlador dados pessoais ao realizar a indexação para os resultados.

Brasil

No Brasil, não existe previsão legal explícita quanto a existência de um direito à desindexação, tendo, porém, a questão sido enfrentada nos dois julgados do STJ mencionados acima. É difícil traçar paralelos com o direito à desindexação aplicado na Europa pois o julgado da CJEU tem como suporte legal a Diretiva 95/46 sobre proteção de dados pessoais. Assim a CJEU considerou o Google como um controlador de dados pessoais no momento em que a empresa indexa resultados de nomes de cidadãos europeus, tendo, assim, responsabilidade ao disponibilizar a indexação. Além disso a General Data Protection Regulation 2016/679, que entra em vigor em 2018, estabelece explicitamente o direito dos europeus de exigir que seus dados pessoais sejam apagados em determinadas  circunstâncias. No Brasil, entretanto, ainda não há lei de dados pessoais, apesar de haver projetos de lei em discussão no Congresso Nacional.

Assim a Min. Nancy afirma (REsp 1.519.873, p .15) que o Marco Civil da Internet, art 7°, inciso I e X, estabelece o que ela considera ser uma forma limitada de direito ao esquecimento, pois permite que a pessoa exija que um provedor de aplicação exclua somente os dados pessoais que foram diretamente fornecidos por ela, após o término da relação das partes, com exceção das hipóteses legais obrigatórias de guarda dos dados.  

Porém a aplicação do direito à desindexação ainda é  um debate necessário a se desenvolver no país.
Para a pesquisadora Julia Powles deve se tomar cuidado para não se cair em extremos de tudo-ou-nada. Para ela o direito esquecimento deveria se aplicar a pessoas comuns e não a pessoas ou eventos públicos, para que a opinião pública não interfira de forma danosa na esfera privada de um indivíduo baseada em fatos não mais relevantes.

Escrito por

Pesquisador do Instituto de Referência em Internet e Sociedade, graduando em direito na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Cursou dois anos de ciência política na Universidade de Brasília. Membro do GNet. Foi membro da Clínica de Direitos Humanos (CDH) e da Assessoria Jurídica Universitária Popular (AJUP), ambos da UFMG.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *