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Desafios jurídicos da governança da Internet

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20 de abril de 2016

Fotografia: Ricardo Matsukawa/NIC.br

O advento da Internet revolucionou o modo de como ocorrem as interações humanas, que passam a ocorrer em boa parte por meios online. A informação, antes concentrada em meios de comunicação em massa, passou a ser mais descentralizada, diversificada e democratizada, possibilitando ao usuário não apenas consumir, mas também interagir com essas informações. Dessa forma, a World Wide Web passou a ser um espelho refletor das relações sociais.
Não há como essa “revolução digital” não influenciar a esfera jurídica, revolucionando como se interpreta o Direito ao ser aplicado às relações humanas online. Daí surge o debate: à interação humana na internet, deve-se aplicar os princípios gerais do direito e outros institutos jurídicos já postos, ou reinterpretar totalmente o Direito, rompendo os paradigmas jurídicos tradicionais e propondo uma regulação específica?
Os defensores da primeira corrente acreditam que a Internet é apenas mais uma mídia de expressão, e que não houve revolução. As interações humanas seriam, portanto, as mesmas dentro e fora da Internet, tendo apenas sido modificado o meio e a noção de tempo de resposta dessas interações.
O juiz norte-americano Frank Easterbook, seguindo essa linha doutrinária, observou não existir esse ‘direito do ciberespaço’, da mesma forma que não existe o ‘direito do cavalo’ ou ‘do elevador’. Ou seja, o surgimento de tecnologias revolucionárias não necessariamente enseja uma regulação jurídica específica, sendo perfeitamente aplicáveis os princípios gerais do Direito. A jurisprudência brasileira, principalmente a do STF, segue essa linha. Em uma decisão sobre divulgação de pornografia infantil na internet, o Ministro Sepúlveda Pertence votou pela indistinção do ambiente em que o delito foi cometido, se online ou não, aplicando princípios gerais.23285079455_e8556660a3_k
Em síntese, para essa corrente, os direitos humanos e sua antítese, os delitos, são os mesmos dentro e fora da rede. Não tendo a Internet criado novos bens jurídicos a serem tutelados de forma específica.
Já a segunda corrente defende que a Internet é a principal evidência de uma revolução digital, que trouxe impactos à organização social tão ou mais consideráveis do que aqueles ocasionados pela Revolução Industrial. O Professor Manuel Castells, por exemplo, acredita ter sido instalado um “capitalismo informacional” que tem a informação como base material e tecnológica da atividade econômica e da organização social. Esse fenômeno gera imperativamente uma necessidade de reinterpretação do Direito. Por meio de um raciocínio analógico, pode-se falar em Direito da Informática assim como se pode falar de Direito da Empresa.
A influência da internet na vida humana é irreversível. Mais cedo ou mais tarde, todos os ramos do Direito passarão a lidar com questões decorrentes da internet. Há oito áreas de interação humana online que necessitam quase que urgentemente de análise jurídica específica. São elas: a) regulação de bens de informação, b) proteção de dados pessoais; c) regulação jurídica da internet, d) propriedade intelectual, e) delitos informáticos, f) contratos digitais, g) aspectos trabalhistas da informática e h) valor probatório dos suportes de informação.
É fato que a maior parte dos intérpretes do Direito ainda não está suficientemente familiarizada com a Internet, principalmente o Poder Judiciário. Sinais positivos, todavia, têm surgido. No notório caso Cicarelli, ambas as decisões de primeira e de segunda instâncias apontaram a ineficiência dos institutos jurídicos tradicionais para regular e tutelar as relações humanas online.
O papel do Direito é a consecução da Justiça entre os homens, fator fundamental do convívio social e da realização do individual e do comum. Cabe a nós, intérpretes do Direito, o oferecer propostas para problemas concretos, chamando atenção a urgente necessidade de compreensão dos fenômenos sociais. Conclui-se com um questionamento para reflexão: a nova realidade deve se adaptar ao velho direito ou o velho direito deve se adaptar à nova realidade?

Por Humberto Britto

Humberto Fonseca Meira Brito é graduando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. É bolsista do CNPq e membro do Grupo de Estudos Internacionais em Internet, Inovação e Propriedade Intelectual (GNet-UFMG), e do Grupo de Estudos de Arbitragem e Contratos Internacionais (Gaci-UFMG). Tem como áreas de interesse em pesquisa: Direito Internacional Privado, Direito do Comércio Internacional, Métodos Extrajudiciais de Solução de Disputas e Propriedade Intelectual.

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