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Acesso à Justiça e Sociedade da Informação

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19 de junho de 2017

Em 2000, o jurista britânico Richard Susskind previu que, em cinco anos, as pessoas teriam mais acesso à Internet do que à Justiça, no Reino Unido. Posteriormente, o autor confirmou sua previsão e criou outras para o impacto das novas tecnologias na sociedade e no exercício das carreiras jurídicas.

Um desses impactos se daria no acesso à Justiça. Isso porque, no contexto atual, o acesso é prejudicado pelo desconhecimento do Direito, que ainda é muito hermético às pessoas sem formação legal; aos custos e morosidade de sistemas processuais; ao aspecto combativo e desgastante das disputas; e ao procedimento muito específico e linguagem restrita. As tecnologias serviriam para a superação desse cenário na medida em que as pessoas teriam mais acesso à informação, em uma forma de empoderamento do jurisdicionado, e poderiam contar com ferramentas diversas para a solução dos conflitos, operacionalizadas e democratizadas por inovações tecnológicas. Além disso, o custo e o tempo diminuem quando novos mecanismos são empregados.

Acesso à Justiça

Ao apontar a introdução de tecnologias e sua utilidade em soluções de conflito, Susskind também apresenta considerações sobre o próprio acesso à justiça. Segundo ele, a noção mais tradicional de acesso à justiça como disputas resolvidas não atende completamente a complexidade de realidade contemporânea. Nesse sentido, considerar o acesso à justiça também envolveria conter e evitar os conflitos. O primeiro aspecto envolve evitar que disputas já existentes cresçam e o segundo diz respeito ao gerenciamento de riscos da adjudicação de demandas.

Por fim, o autor ainda compreende como elemento do acesso à justiça aquilo que chama de “saúde jurídica”. Isso quer dizer que, além de solucionar, conter e evitar conflitos, haverá acesso à justiça também quando eles forem prevenidos e, assim, as pessoas obtiverem os benefícios e ganhos a que têm direito, nos parâmetros da legalidade.

O reconhecimento da necessidade de recorrer a uma forma de solução de conflitos, a seleção acertada e consciente do serviço, bem como sua prestação eficiente são os fatores apontados por Susskind que influenciariam na efetividade do acesso à justiça. Seria também nesses pontos a influência de novas tecnologias para otimizar os parâmetros do acesso.

Um passo atrás

Ainda que muitas previsões de Richard Susskind sobre o impacto da tecnologia na sociedade tenham se confirmado e que suas ideias acerca da ampliação do acesso à justiça façam sentido, elas parecem otimistas e ainda um pouco distantes, especialmente para o mundo em desenvolvimento. Nele, antes de se falar na ampliação do acesso à justiça pelo emprego de novas tecnologias, é preciso discutir o acesso a elas.

O acesso à Internet, que está na base de muitas (senão todas) as ferramentas empregadas em um possível cenário de melhor acesso à justiça, ainda não é uma realidade homogênea pelo mundo nem dentro dos países. Estima-se que mais da metade da população mundial ainda não tenha acesso sequer à Internet, ainda que ela já tenha sido reconhecida como direito fundamental e mecanismo de desenvolvimento econômico-social.

Além disso, a conexão à Internet em sim, ou o acesso a qualquer outra ferramenta, não é sinônimo de inclusão. Ou seja, ainda que o número de pessoas conectadas fosse mais promissor no Brasil e no mundo, isso não significa que elas empregassem melhores formas de reconhecimento, seleção e serviço, como apontado por Susskind. Reconhece-se que a tecnologia implica em mudanças em toda a sociedade e seus sistemas de organização e operacionalização. No entanto, é preciso um passo atrás para perceber que essas mudanças não chegam a todos da mesma maneira e em semelhante velocidade. Preocupações com o acesso à Internet e a outras tecnologias parecem, nesse sentido, anteriores aos efeitos de seu emprego para o acesso à justiça.

Veja também:
SUSSKIND, Richard; SUSSKIND, Daniel.The future of the professions: How technology will transform the work of human experts. Oxford University Press, USA, 2015.

 

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Fundadora e Diretora  do Instituto de Referência em Internet e Sociedade, é mestre e bacharel  em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais.

Fundadora do Grupo de Estudos em Internet, Inovação e Propriedade Intelectual – GNet (2015). Fellow da Escola de Verão em Direito e Internet da Universidade de Genebra (2017), da ISOC – Internet and Society (2019) e da EuroSSIG – Escola Europeia em Governança da Internet (2019). Interessa-se pelas áreas de Direito Internacional Privado, Governança da Internet, Jurisdição e direitos fundamentais.

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