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A relação entre direito autoral e internet face à necessidade de mudança da arquitetura do copyright

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18 de novembro de 2016

Lawrence Lessig, um dos grandes pensadores sobre direito autoral nos últimos tempos, propõe uma nova reflexão sobre esse assunto e como ele é tratado com o advento da internet [1]. Inicialmente em seus estudos ele cita Litman, que em 1994 dizia que a lei de copyright no início do século XX era difícil de entender e afetava poucas pessoas. Contudo, isso mudou, se revelando uma estrutura normativa ainda mais difícil e de interferência contínua em todos.

Para Lessig, hoje existem diferentes “ecologias de criatividade”, nas quais cada autor tem sua perspectiva e intenção na própria criação, podendo envolver completamente ou não dinheiro, além de querer perpassar por ambos. Isso é importante para a compensação dos autores, estando eles dependentes de um modelo de copyright que seja eficiente, mas que por diferentes interesses viverem em conjunto e se complementarem, deve haver proteção todas essas formas, criando incentivos ao mesmo tempo protegendo a liberdade dos autores.

Tais formas mudam com diferentes tecnologias, governos e economia, mas foi a internet afetou o direito autoral de modo mais drástico, criando novos mercados, aumentando diversidade de cultura acessível, possibilitando a compra e consumo de produções de diferentes lugares e maneiras. Mas o copyright acompanhou essas mudanças? Para Lessig, não, sendo o grande motivo a própria arquitetura do copyright, que não se encaixa no mundo digital, regulando muito e de forma precária.

Um dos exemplos mais recentes dessa necessidade de mudança são as plataformas de streamings, nas quais o fluxo de dados entre o usuário e o servidor é feito de maneira momentânea, sem necessidade de cópia ou transferência de propriedade. No modelo atual de copyright, tal prática não infringe claramente as diretivas legais estabelecidas e cria um resultado que agrada o usuário final, mas afeta extremamente os autores em termos de remunerações quando se observa a sua sujeição à contratos abusivos de empresas [2]. Isso mostra a falta de proteção da arquitetura do copyright quanto a remuneração autoral, o que promove um ambiente menos competitivo e com menos incentivos aos criadores.

De maneira geral, tendo em vista o advento da internet, mesmo não modificando os direitos autorias do ponto de vista jurídico, eles proporcionaram uma nova realidade relacionado ao consumo de obras artísticas, literárias e científicas. Nessa toada, faz-se necessário pensar em novas soluções que harmonizem o direito do autor sobre suas obras e a forma com que a sociedade interage com estas.

Uma possível solução é a Doutrina do Fair Use (uso justo), construída doutrinaria e jurisprudencialmente nos Estados Unidos. Por mais que nos Estados Unidos o que rege a autoria de obras autorais seja o copyright, tal doutrina pode interessar ao direito brasileiro porque há a possibilidade de ser utilizada para justificar o uso de obras intelectuais disponíveis na internet [3], além de também poder autorizar o uso justo para paródias, obtenção de cópias privadas e pesquisas [4]. A aplicação desse instituto é sempre caso-a-caso, tendo que obrigatoriamente o juiz ponderar a respeito de quatro critérios: a) O propósito e as características do uso; b) A natureza da obra protegida; c) A quantidade e a substância da porção utilizada em relação à obra protegida como um todo; d) O efeito do uso em relação a um mercado potencial e o valor da obra protegida [5]. Porém, o Fair Use também apresenta certos problemas, principalmente no que diz respeito à indeterminabilidade, visto que muitas vezes o magistrado se guia por fatores vagos e ambíguos [6].

Outras soluções que propõe uma nova forma de se lidar com o direito de autor são o copyleft e os creative commons. O primeiro deles utiliza-se do sistema do copyright para garantir que todos recebam sua versão da obra possam usar, modificar e distribuir a obra original quanto as suas versões derivadas [7]. Desse modo, os autores (cuja definição jurídica na legislação brasileira se encontra na Lei 9.610/1998) buscam dar às pessoas uma maior liberdade para modificarem a obra original. O copyleft foi inspirado pelo movimento “software livre”, adaptando as quatro liberdades que este apresentava: a) liberdade de executar o programa para qualquer propósito; b) liberdade de estudar como o programa funciona e adaptá-lo às suas necessidades; c) Liberdade de redistribuir cópias; d) Liberdade de aperfeiçoar o programa e liberar melhorias [8]. Já os creative commons foram uma criação do já citado professor norte-americano Lawrence Lessig que permite aos autores licenciarem suas obras por meio de licenças flexíveis. Nesse caso, há de ser ressaltado o caráter de licença dos creative commons, ao invés do de cessão. A prerrogativa de licenciar sua obra é de quem detém os direitos patrimoniais dela, não podendo o cessionário futuramente licenciá-la. Os creative commons permitem oito tipos de licença: a) atribuição; b) uso não comercial; c) não a obras derivadas; d) compartilhamento pela mesma licença; e) CC-GPL e CC-LGPL (licenças de software livre); f) sampling (permissão para que pequenos trechos sejam usados); g) compartilhamento de música; h) nações em desenvolvimento (permite ao autor que este coloque menos condições restritivas às suas obras em países em desenvolvimento) [9]. É necessário dizer que tais licenças podem ser combinadas, ou seja, uma mesma obra pode ter mais de um tipo de licença creative commons.

Por fim, é necessário fazer a constatação que nenhuma dessas possíveis “soluções” são uma forma de substituir o copyright ou o direito de autor, mas sim que neles são pautadas e fundamentadas, procurando harmonizar a tensão criada entre o direito do autor da obra e a sociedade que deseja consumí-la.

1 LESSIG, Lawrence. Lawrence Lessig Keynote to WIPO Copyright Conference. “Facilitating Access to Culture in the Digital Age” – WIPO Global Meeting on Emerging Copyright Licensing Modalities. Publicado em: 15 de novembro de 2010. Acessado em: 17 de novembro de 2016.
2 INSTITUTO IRIS. Bytes de Informação: Streaming. Publicado em: 31 de agosto de 2016. Acessado em: 17 de novembro de 2016.
3 SANTOS, Manuella. Direito autoral na era digital – impactos, controvérsias e possíveis soluções. 1ª Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2009. Página 134.
4 Idem. Página 135.
5 JUNG, Allen. User-Generated Parody Videos on YouTube: Do They Have a Successful Fair Use Defense under Copyright Law?. Law School Student Scholarship. , South Orange – Estados Unidos, 2014. Paper 131. Disponível em: <http://scholarship.shu.edu/student_scholarship/131.>. Acesso em: 24/07/16.
6 MAGRANI, Eduardo. A Problemática das Exceções e imitações na Atual Lei de Direitos Autorais e a Inaplicabilidade do Fair Use ao Contexto Brasileiro. Direito Privado em perspectiva: Teoria, dogmática e economia. 1ª Edição. São Paulo: Editora Malheiros, 2016. Página 79
7 SANTOS, Manuella. Direito autoral na era digital – impactos, controvérsias e possíveis soluções. 1ª Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2009. Página 137.
8 Idem. Página 138.

9 Idem. Páginas 146-147.

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